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Um morto preside o Parlamento da Nicarágua

René Núñez, leal articulador do presidente Daniel Ortega, é reconduzido ao comando da Assembleia O deputado, no entanto, morreu em 10 de setembro

Daniel Ortega (sentado, à dir.) acompanha o velório de René Núñez, na Assembleia nicaraguense.
Daniel Ortega (sentado, à dir.) acompanha o velório de René Núñez, na Assembleia nicaraguense.OSWALDO RIVAS (REUTERS)
Carlos S. Maldonado

De todas as coisas inverossímeis que ocorrem na política da Nicarágua – este pequeno país centro-americano que no passado demonstrou sua capacidade de desestabilizar toda a região –, a menos esperada por seus cidadãos era que o Parlamento nacional pudesse ser presidido por um defunto.

Os risos, o desconcerto, a incredulidade e até a indignação tomaram conta das redes sociais depois que deputados da Frente Sandinista de Libertação Nacional – o partido do presidente Daniel Ortega, que controla tudo neste país – anunciaram que, como “homenagem” a René Núñez, morto no último dia 10, seu mandato como presidente do Parlamento seria prorrogado. Na Nicarágua, os mortos não só votam como legislam.

René Núñez, em uma imagem de arquivo.
René Núñez, em uma imagem de arquivo.EFE

Núñez era um leal articulador de Ortega na Assembleia. Foi crucial para aprovar a reforma constitucional de 2014 que garantiu ao presidente o direito de disputar um número ilimitado de mandatos. Em seu mandato como chefe do Legislativo nicaraguense, Núnez transformou a Assembleia em uma instituição que se limita a legitimar as arbitrariedades cometidas pelo Executivo. Isso incluiu a aprovação, sem consultas públicas e com apenas uma semana de debate, da concessão para a construção de um canal interoceânico no Nicarágua, um projeto que críticos consideram inconstitucional. A concessão foi entregue por um período de 100 anos ao pouco conhecido empresário chinês Wang Jing, que até agora não conseguiu atrair os investimentos necessários para iniciar a obra, estimada em mais de 50 bilhões de dólares (162,9 bilhões de reais).

Próximas eleições

Com Núñez à frente, a Assembleia também aprovou reformas no Código Militar, o que garantiu ao presidente Ortega maior controle sobre o Exército, assim como a controversa Lei de Segurança Soberana, que segundo organizações de direitos humanos poderá ser utilizada como desculpa pelo governo para reprimir protestos. A homenagem a Núñez foi feita pelo deputado sandinista Edwin Castro, outro personagem extravagante da política nicaraguense: um político de fala incendiária, que não dá entrevistas aos jornalistas, leal a Ortega e responsável pelas reformas que garantiram o controle das instituições pelo presidente e a deterioração da democracia na Nicarágua, mas que é também professor de direito constitucional na jesuíta Universidade Centroamérica, de Manágua.

Núnez se tornou o presidente do Parlamento em 2007, e continuará a ser, já morto, até janeiro de 2017

Ao justificarem a nomeação do falecido Núñez, os deputados elogiaram “a capacidade de diálogo e consenso permanente mantida pelo engenheiro Núñez na Assembleia Nacional” e disseram que era uma homenagem merecida a quem consideram “o responsável pela modernização deste poder do Estado”.

Núñez morreu em San José na Costa Rica em 10 de setembro devido a um problema respiratório. O político sofria uma doença pulmonar que nos últimos dias de sua vida o obrigou a participar das sessões parlamentares com um tanque de oxigênio. Ele se tornou o presidente do Parlamento em 2007, após a volta de Ortega ao poder, e continuará a ser, já morto, até janeiro do próximo ano, quando a Assembleia terá um novo mandato após as eleições previstas para 6 de novembro, nas quais Ortega participa como único candidato importante e que foram denunciadas como uma “farsa” pela oposição.

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