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Começa o baile em Veneza

O musical ‘La La Land’, de Damien Chazelle, abre o festival com uma homenagem ao cinema e seus sonhos

Emma Stone em cena de "La La Land".
Tommaso Koch
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Todos os seres humanos sonham. O trabalho ideal, um amor perdido, a loteria, a eterna juventude. Mia serve cafés às atrizes que ela gostaria de ser. E Sebastian toca Jingle Bells no piano de um muquifo, enquanto é louco para abrir uma casa de jazz. A própria história dos dois é um sonho: foi imaginado pelo diretor e roteirista Damien Chazelle. Pensou que poderia ser um grande musical e ao mesmo tempo uma declaração de amor ao cinema, sua música favorita e as esperanças. Acontece que às vezes as fantasias se realizam. E La La Land abriu ontem a 73a edição do Festival de Veneza, recebido com aplausos que já soaram depois da primeira, espetacular, sequência.

Talvez fosse por todas as feridas e os maus agouros que o cinema acumula. Ou talvez simplesmente pelas vontade de sentar-se nas poltronas e desfrutar do que a sétima arte faz melhor: produzir magia e sacudir almas. O caso é que o musical de Chazelle pareceu gerar consenso e sobretudo sorrisos entre os espectadores do Festival. E recordou que a arte pode ser questão de “valor” e de “loucura”, mas o importante é tentar.

O cineasta, que já entusiasmou o público e o Oscar com Whiplash, deu seu recado pessoal. E conseguiu novamente. Daquele filme, La La Land tem o ritmo, a força musical, a marca pessoal e o início poderoso, ainda que com o avanço dos minutos vá passando de obra estupenda a boa. Em seu terceiro filme, o cineasta coloca Ryan Gosling e Emma Stone para cantar e dançar —não muito, por ser um musical— e, sobretudo, comemorar a vida e suas riscos. “Brindo por nós, fracassados”, canta a atriz. La La Land conta que alguns sonhos se realizam, outros se transformam e alguns tantos morrem. Mas todos valem a pena.

Em seus 19 anos, por exemplo, Federico Scipioni fantasiava em ver Emma Stone. Por isso aguentou a viagem de Roma e ontem suportava risonho o calor tremendo diante do Palazzo del Cinema. Seu relato seguramente entusiasmaria o cineasta. “Agora mais do que nunca necessitamos esperança e romantismo nos filmes. São a linguagem dos sonhos, porque a realidade em geral não está à altura de nossos fantasias”, afirmou Chazelle em sua coletiva de imprensa.

“Há uma razão pela qual os musicais antigos são atemporais. Justificam-se de forma emocional, é isso o que dizem as canções. Ao mesmo tempo, cria uma grande responsabilidade sobre o diretor durante todo o filme”, explicou. Afinal, seu primeiro longa, Guy and Madelin on a Park Bench, também era do mesmo gênero.

Pelas vítimas do terremoto

A Mostra começou com um musical. Uma grande festa, do cinema e da fantasia. Mas o certame também se mantém apegado à realidade. Prova disso é que cancelou seu jantar de gala, em respeito às vítimas do recente terremoto que deixou mais de 290 mortos no centro da Itália. De fato, começou uma coleta de fundos para a qual se espera que muitas estrelas contribuam. Ao mesmo tempo, o evento aumentou as medidas de segurança, diante do temor a atentados.

Tudo isso foi explicado ontem pelo diretor, Alberto Barbera. Tanto ele como o presidente da Bienal —dentro da qual se realiza a Mostra—, Paolo Baratta, aproveitaram a coletiva de imprensa para elogiar o programa oficial. “Queremos ganhar a confiança do mundo”, defendeu Baratta.

O desafio será imenso para Sam Mendes e seu júri. O diretor que ressuscitou James Bond não quis explicar com que critérios o vencedor do Leão de Ouro será escolhido: “Espero voltar a ser um estudante de cinema e aprender com os filmes”.

Tanto Chazelle como Stone foram recebidos com uma grande ovação na sala de imprensa. E a atriz tornou a receber aplausos quando propôs outra ode: ao esforço. “Não temos que viver de maneira cínica, e este filme não é, enquanto os jovens de hoje em dia são. Queríamos mostrar a eles que é preciso trabalhar com todo o empenho para conseguir algo”. Stone também abriu espaço para Gosling, que não esteve em Veneza porque não conseguiu escapar da filmagem de Blade Runner 2: “Se você quer conhecer alguém de verdade, tem de aprender a dançar com ele”. “Damien é um grande talento e é muito jovem [31 anos]. Mas acima de tudo coloca seu coração no que cria”, acrescentou a atriz sobre o diretor.

Rumo ao Oscar

Depois deste primeiro baile alegre no Lido, tanto La La Land quanto o Festival acreditam agora em retomar o caminho interrompido ano passado. Antes de Everest, um desastre quase tão grande quanto a tormenta que ataca seus trágicos escaladores, abrir Veneza está se tornando o melhor cartão de visitas para o Oscar. Gravidade, em 2013, e Birdman, em 2014, começaram aqui sua corrida para a glória. No fundo, Spotlight, última estatueta de melhor filme, também estreou na Mostra, fora de competição. Não à toa, The Hollywood Reporter intitulou uma matéria de alguns dias atrás com Por que Veneza conta mais para o Oscar (perdão, Toronto). E o programa do evento, promissor como nunca (Villeneuve, Malick, Wenders, Tom Ford, Kusturica…), reforça a teoria.

A verdade é que as interpretações (sobretudo as de Stone) e a homenagem entre nostálgica e irônica de La La Land confere a Hollywood parecem boas apostas de cara à grande festa do cinema. Em todos os casos, terá valido a pena. E, mesmo sem prêmios, a vida continuará dançando.

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