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Woody Allen: “Era um menino doce e, de repente, algo me tornou negativo”

O diretor estreia nesta quinta-feira seu novo filme, onde conecta a sua fascinação com o passado e seu amor pelo cinema

Woody Allen, durante a rodagem de 'Café Society', o 18 de setembro de 2015, em Nova York.
Woody Allen, durante a rodagem de 'Café Society', o 18 de setembro de 2015, em Nova York.Josiah Kamau (BuzzFoto via Getty Images)

Woody Allen tinha cinco anos quando começou a pensar na morte. “Minha mãe não sabe o que aconteceu comigo”, diz o diretor nova-iorquino movendo a cabeça, sentado na borda de uma cadeira no Hotel Martinez, em Cannes. “Era um menino muito doce nos primeiros cinco anos da minha vida e, de repente, aconteceu algo que me tornou negativo. Acredito que, com a idade, as pessoas são conscientes da morte e percebem que tudo vai acabar”.

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Esse pessimismo o acompanhou por toda a vida, mas preferiu rir dele, na realidade e em seus filmes, que para ele são um pouco a mesma coisa. Agora, aos 80 anos, é um pouco mais feliz na realidade e seus filmes transmitem isso, talvez seja por essa razão que Café Society, seu 47º filme como diretor, que estreia nesta quinta-feira no Brasil, seja um dos mais românticos.

“Tive uma vida melhor desde que conheci minha mulher”, reconhece. “Isso foi bom para mim e agradável, mas não fez de mim um otimista. Porque você tem sua mulher, seus filhos e, de repente, não estão mais aqui: e se acontecer algo com ela? E se acontecer algo às crianças? A ansiedade toma conta de mim. Vivi nos limites da feiura da existência humana. Mas tive sorte nos últimos anos, não sofri tanto. Tenho 80 e sofri 60 anos de minha vida”, admite e ri.

Esses debates existenciais e esse medo atroz da morte ele os passa aos protagonistas de seus filmes faz anos. E Bobby, o improvável galã de Café Society, interpretado por Jesse Eisenberg, não foi poupado. “A vida é uma comédia escrita por um cômico sádico”, diz o personagem, apesar de que a vida acaba sorrindo para ele, preso no amor entre duas belas mulheres, uma na Califórnia (Kristen Stewart) e outra em Nova York (Blake Lively), com o mesmo nome de femme fatale, Verônica.

Jesse Eisenberg e Kirsten Stewart, em 'Café Society'
Jesse Eisenberg e Kirsten Stewart, em 'Café Society'Steve Sands (GC Images)

“É um filme romântico”, admite. Além disso, ele o escreveu em forma de romance, com um narrador em off (o próprio Allen). “Não é romântico apenas por essas meninas. O personagem de Jesse é muito doce, e aquela época na Califórnia e em Nova York, os anos trinta, também foi muito romântica”, diz ele com uma pitada de nostalgia, sentimento pouco frequente no nova-iorquino.

“É preciso ter cuidado com a nostalgia”, continua. “A nostalgia é uma armadilha. Te pega. Este filme acontece nesse período de tempo. E eu, pessoalmente, sinto nostalgia por essa época. Por que me sinto nostálgico é uma loucura, pois eu não estava lá, mas só de ler sobre ela...”, diz. E de lembrar as histórias que seu pai lhe contava. Histórias da máfia que também estão em Café Society.

Contra os diretores

Naqueles anos trinta teve sucesso aquele que foi seu modelo, Groucho Marx. Allen vê o cinema daquela época com admiração, mas nunca teria se encaixado no sistema de estúdios então existente, que também mostra em Café Society com o magnata Phil Stern (Steve Carell). “Eram ditatoriais e insensíveis com os diretores. Pegavam o seu trabalho e mudavam. O diretor não editava o filme, não podia dizer nada sobre o roteiro, era escolhido pelos atores. Não era uma época de autores”, explica contrariado. “Eu sempre tive liberdade para fazer o que quisesse. A única coisa que se interpõe entre a grandeza e eu... sou eu”, diz rindo. “Se não posso fazer um bom filme é porque ele não está em mim”.

Quanto à sua primeira série de televisão, Crisis in Six Scenes, ele reconhece que a fez por dinheiro. “Eu faço filmes, nunca assisto televisão. No entanto, continuaram aumentando o preço e não pude recusar porque era muito lucrativo”. Também achava que seria fácil, mas tornou-se seu “maior pesadelo”. Agora ele respira aliviado, um mês antes da estreia na Amazon. “São seis horas e meia de pura comédia ambientada nos anos sessenta, quando pensaram que estouraria uma revolução nos EUA com o Vietnã, os hippies, os Black Panthers”, conta. “Está pronta, fiz o que pude, não queria trabalhar duro, tive que fazê-lo, e só espero que vocês gostem”.

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