Relatório confirma que o Governo russo participava do doping de seus atletas
Investigação conclui que, entre 2011 e 2015, o esporte russo seguiu um plano para falsificar os controles antidoping e ocultar centenas de resultados positivos
O lago Leman está plácido e muito azul na manhã de calor em Lausanne, e os turistas passeiam ao redor. Na loja do Museu Olímpico, que tem uma vista esplêndida ao lago, as vendas são escassas como em qualquer segunda-feira – e também as visitas. Na Suíça, entre palacetes do século XIX, o movimento olímpico é sentido numa ilha distante das tormentas. A milhares de quilômetros dali, do outro lado do Atlântico, um ciclone que ameaça chegar forte à neutra Suíça, ao espírito olímpico e à Rio 2016, começa a soprar às 9h (15h em Lausanne e 12h em Brasília). Chama-se Relatório MacLaren. Sua conclusão: “O Estado russo, através de seu Ministério do Esporte, e com a assistência da polícia secreta (FSB), organizou entre o final de 2011 e agosto de 2015, pelo menos, um sistema que poderíamos chamar de ‘Metodologia dos Positivos que Desaparecem’ para proteger os atletas submetidos a doping organizado”.
Essa conclusão, já conhecida vários dias antes por vários dirigentes da luta antidoping mundial, fez com que, na sexta-feira passada, cerca de 10 agências nacionais antidoping enviassem uma carta firmada por organismos esportivos solicitando ao Comitê Olímpico Internacional (COI) que proibisse a Rússia de participar da Olimpíada do Rio, que começa em 5 de agosto.
A pedido da Agência Mundial Antidoping (AMA), Richard McLaren, um advogado de Toronto, realizou em maio uma investigação para verificar as acusações de manipulação feitas no The New York Times pelo ex-diretor do laboratório antidoping dos Jogos de Inverno de Sochi 2014. Uma das primeiras conclusões de McLaren é que Grigory Rodchenkov,o diretor que lançou a denúncia, é uma pessoa “sincera e confiável”. Depois, McLaren, detalha de que forma em 2010 o Estado, preocupado com os maus resultados dos Jogos de Inverno de Vancouver 2010, colocou em marcha sua Metodologia para manipular as amostras de urina nos laboratórios antidoping russos.
Sochi, à beira do Mar Negro, seria a sede dos seguintes Jogos, e a Rússia queria fazer bonito. O presidente russo, Vladimir Putin, nomeou diretamente um vice-ministro encarregado de supervisionar o sistema que informava diretamente a seu ministro, Vitaly Mutko. Este, muito próximo de Putin, é também o presidente do comitê organizador do Mundial de Futebol da Rússia 2018 e membro do Executivo da FIFA. Segundo McLaren, a Metodologia já funcionou nos preparativos para os Jogos de Londres 2012, no Mundial de Atletismo de Moscou 2013 e no Mundial de Natação de 2015.
Meses antes de cada evento, os técnicos russos designavam os atletas que teriam mais chances de medalha para submetê-los aos seus planos de doping. Foram informados de que não deveriam se preocupar com os controles fora da competição – reforços da luta antidoping –, pois o pessoal do laboratório de Moscou, onde seriam analisadas todas as amostras, já saberia o que fazer quando a urina chegasse.
“Desse método se aproveitou a imensa maioria dos esportes olímpicos de inverno e verão da Rússia”, conclui McLaren. “O Ministério do Esporte supervisionou e controlou a falsificação dos resultados analíticos com a ajuda da FSB, a polícia secreta de Putin.”
Atletismo, luta, canoagem e ciclismo
Por esportes, o maior número de positivos desaparecidos no período, segundo McLaren e seu relatório de uma centena de páginas, são: 139 em atletismo; 28 em luta; 27 em canoagem e 26 em ciclismo. Durante as grandes competições mundiais, o laboratório agia sob o controle independente da AMA, para o qual o método de encobrir os positivos não funcionava. Era necessário trocar a urina dos frascos antes que fossem analisados e se encontrassem substâncias proibidas. Assim, meses antes foram congeladas amostras de urina limpas em frascos como potinhos infantis ou latas de bebida dos prováveis medalhistas de Sochi. Estas amostras chegaram ao laboratório de Sochi onde, à noite, especialistas da FSB, “usando uma técnica que não chegamos a descobrir”, diz o relatório, abriam os frascos com as amostras reais, em teoria uma tarefa impossível sem deixar vestígios, e trocavam a urina pela outra, previamente conservada. Assim foram encobertos pelo menos positivos de 15 medalhistas russos em Sochi.
Na sede do Comitê Olímpico Internacional (COI), alguns quilômetros depois do Museu, na mesma margem do lago, esperam-se os acontecimentos. “Só está prevista uma curta nota para a imprensa quando o relatório for divulgado”, afirmam na assessoria de imprensa. “Na terça-feira, depois de tê-lo estudado, haverá uma reação mais profunda.” Parece, no entanto, muito improvável que Thomas Bach, o presidente do COI, apoie o pedido de uma suspensão total da Rússia no Rio. Foi o que disseram alguns dos presidentes de comitês olímpicos nacionais, incluindo o espanhol, Alejandro Blanco, que preferem falar de proteger os esportistas limpos e não castigá-los com uma suspensão geral. Até o momento, no caso do atletismo russo, ao qual a IAAF vetou em novembro passado, Bach foi favorável a uma saída negociada.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.