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No Rio Grande do Sul, mobilização estudantil contra “Escola sem Partido”

Movimento teve vitória parcial e paralisou projetos, entre eles o que propõe privatizar escolas

Depois de São Paulo, Goiás e Ceará, a vez do Rio Grande do Sul. Estudantes gaúchos ocuparam cerca de 150 instituições do Estado por mais de um mês em reação contra uma guinada conservadora no sistema de ensino público, ameaça que consideram iminente por causa de dois projetos de lei em pauta na Assembleia. Um deles propõe privatizar as escolas e outro que lima do currículo temas considerados políticos. Apenas nesta quinta-feira (23) as últimas escolas ainda ocupadas começaram a se esvaziar, resultado de um acordo de conciliação firmado com o Governo estadual dois dias antes.

O PL 44, de 2015, tramitava em caráter de urgência e pretendia repassar a administração das escolas para a iniciativa privada, por meio de "organizações sociais". As chamadas "OS" são bastante comuns na saúde, mas, na educação, inéditas. Já o PL 190, de 2016, queria implementar uma espécie de "escola sem partido", cortando assuntos supostamente políticos do currículo. "Esse projeto é a cara da ditadura militar. Imagine ter aulas de história sem estudar política. Não faz o menor sentido", afirma Isabela Luzardo Monteiro, da vice-diretoria Sul da Ubes.

Derrubar esses dois projetos era o objetivo principal do movimento, segundo Monteiro, mas não foi possível vencer completamente essa queda de braço com o governo. No último dia 14, a Secretaria de Educação recebeu um grupo de estudantes, representados por grandes entidades, como a Ubes, para negociar um fim para as ocupações. Na mesa, foi acordado que as escolas seriam desocupadas até o dia 20, com a condição de que os projetos de lei fossem pelo menos adiados para 2017. "Consideramos a negociação uma vitória, apesar de tudo", diz Isabela. Entre as conquistas, os estudantes conseguiram também um repasse de verbas para infraestrutura e merenda.

O principal, na visão de Isabela, foi a criação de um fórum permanente de discussões, espaço para que os estudantes, representados por escolas, levantem demandas da educação e repassem para a secretaria. "Por meio do fórum vamos continuar lutando contra os projetos e articulando formas de barrá-los na Assembleia", defende a vice-diretora da Ubes.

Cisão dos estudantes

O acordo, entretanto, não foi encarado como vitória por parte dos estudantes, o que desuniu o movimento. Um grupo de alunos de 19 escolas do Estado se recusou a participar do acordo e criou o Comitê das Escolas Independentes (CEI), mantendo ocupações até o último dia 23. Só aceitaram deixar os prédios das escolas quando conseguiram uma reunião de conciliação com o governo, ocorrida na terça (21).

A escola Júlio de Castilho foi uma delas. Os alunos só resolveram sair da instituição, nesta quinta, após terem participado de um novo acordo de conciliação com o governo no último dia 21. Eles não quiseram dar entrevista. Se manifestaram apenas em nota publicada na página do Facebook Ocupa Tudo Julinho. No fim, "havia uma pergunta na cabeça de cada um, mas que ninguém ousava proferir: será que valeu a pena? Sim!". Ainda que "várias reivindicações do CEI tenham ficado de fora do novo acordo", uma conquista foi comemorada: a garantia de voz no fórum permanente, que deverá ter metade de seus membros pertencentes ao CEI.

Eles também lembraram a forte repressão policial que sofreram no dia 15 de junho, quando resolveram ocupar a Secretaria da Fazenda. Na ocasião, policiais renderam os alunos, mesmo sem mandado de reintegração de posse, levando os estudantes à força para a delegacia - um jornalista foi preso enquanto registrava o fato. "Spray de pimenta nos olhos e dentro das bocas de estudantes rendidos, sentados ao chão, foi a tática de negociação utilizada por homens corpulentos e altamente treinados. Os estudantes foram arrastados para fora do prédio, colocados dentro de micro-ônibus e levados para a DECA (delegacia). Em lugar da negociação, foram criminalizados e detidos", relatam em nota.

Entre os muros da escola Júlio de Castilho, o ocorrido parecia apenas um fato distante e a palavra de ordem era resistir o quanto fosse necessário. Às vésperas de saírem completamente do prédio, os cerca de 50 alunos que dormiam na escola mantinham o ar sereno e a rotina dos últimos 45 dias. Faziam reuniões, executavam as tarefas de suas cinco comissões, que iam desde alimentação à segurança, promoviam atividades culturais e organizavam as doações da comunidade, como cobertores e alimentos, atualizavam informações na página do movimento no Facebook.

Debates informais ecoavam pelos corredores. Colchões ocupavam o lugar das carteiras da sala de aula. Mas, ainda que não estivesse tomada pelos estudantes, a escola estaria totalmente em desuso: desde 13 de maio os professores da rede estadual estão em greve, pleiteando melhores condições de trabalho e o pagamento de benefícios atrasados, como o 13º salário de 2015.

Apoio aos professores

Mesmo divididos no final, os movimentos estudantis permaneceram apoiando pautas conjuntas com os professores, como repasses de verba, o fim do projeto que terceiriza a gestão escolar e o aumento de salários. Para Elenir Aguiar Schürer, presidente do sindicato dos professores do estado, o Cpers, o adiamento dos PLs já foi uma vitória. "Vamos nos mobilizar com a sociedade e estar preparados para não deixá-los passar", conta.

As negociações diretas entre os professores e o governo, contudo, estão longe de acabar. Ontem, a categoria conseguiu finalmente receber o 13º de 2015, que deveria ter sido pago em 20 de dezembro. "Conseguimos que os dias de greve não sejam descontados, mas nenhuma reivindicação salarial, como aumento e cumprimento do piso nacional, foram acatadas até agora", complementa.

Há dois meses nem a folha de pagamentos é cumprida integralmente. Segundo Elenir, os salários caem parcelados na conta. "Um dia cai 190 reais, em outro cai 300, e assim vai. Pagamos as nossas contas com atrasadas e com juros e não conseguimos planejar nem o almoço do dia", destaca. "Isso porque o estado conseguiu renegociar suas dívidas com a União", complementa. Para ela, o problema não é falta de recursos, mas de gestão. "Em 2015, 13 bilhões de reais deixaram de entrar para os cofres públicos, segundo o 'sonegômetro' do estado, apurado por técnicos do Tesouro. Depois fala que não tem dinheiro", diz.

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