Oitavas de final: duas Eurocopas em uma
Torneio chega ao mata-mata após fase de grupos com gols bonitos e vandalismo sufocado
Encerrada a maratona da fase grupos, não há notícia mais auspiciosa para a Eurocopa do que o fato de o vandalismo das torcidas ter sido aparentemente sufocado. Muito melhor que os holofotes agora se voltem para o folclore norte-irlandês, por exemplo. No aspecto futebolístico, nenhuma equipe ganhou seus três jogos, o que não acontecia desde a Inglaterra-96, sinal de que todo mundo passou apuros, apesar do pelotão de seleções fracas entre os participantes. Aliás, Gales e Hungria, com seis gols cada um, tiveram os melhores ataques da primeira fase. Polônia e Alemanha foram as únicas defesas não vazadas. Como era de se esperar, ninguém fez tantos passes quando a Espanha (1.876).
Iniesta, Payet, Bale, Cristiano Ronaldo, Perisic, Modric, Rooney, Kroos... São alguns dos que deixaram as principais marcas numa Eurocopa com gols mais bonitos que o futebol apresentado. Proliferaram os tentos nos acréscimos, e felizmente os árbitros, que hoje agem em manada, não foram manchete. Os estádios lotaram, e a mobilização de torcedores foi colossal.
A seguir, uma análise dois oito confrontos da segunda fase, que começa neste sábado. São duas Eurocopas em uma. Os quatro primeiros confrontos, com várias barbadas, representam o caminho suave da tabela, sem um só campeão europeu ou mundial, e apenas dois ex-finalistas de Eurocopas, Bélgica (1980) e Portugal (2004). Nos quatro jogos seguintes, a parte pedreira da chave, enfrentam-se seleções que somam 20 títulos importantes.
Suíça x Polônia: Um confronto muito fechado entre duas equipes bastante defensivas, que se trancam atrás sem acanhamento. Sem talento, a trincheira é a sua aposta. E tem dado tão certo que franceses e alemães não puderam com eles. Tanto recuam os poloneses que nem Lewandowski dá o ar da graça.
Croácia x Portugal: Teoricamente são, junto com a Bélgica, os favoritos para chegar à final de Paris por este lado da chave. Os croatas pareceram mais consistentes, mesmo sem Modric, sua referência indiscutível. Do seu estado físico dependerá boa parte das suas chances – se bem que a Croácia também tem Srna, Rakitic, Perisic... Já os portugueses pareciam menos entrosados na primeira fase, erráticos diante do gol até que Cristiano foi Cristiano e disparou o seu canhão contra a Hungria. Portugal não parece ter um time definido, com vaivéns demais, mas contar com CR lhe abre todas as portas, e ainda mais se João Mario e Renato Sanches se consolidarem.
Gales x Irlanda do Norte: Dois milagres, o duelo mais inesperado. Já saíram carregados em triunfo, e um deles ainda realizará a proeza de chegar às quartas. Os galeses, pelo menos, contam com Bale e o bom ritmo de Ramsey. Os norte-irlandeses recrutaram jogadores das catacumbas, só quatro do Campeonato Inglês e sem cartaz algum, mas sua autoestima é infinita. O prodígio é tamanho que o técnico, Michael O’Neill, é católico. O futebol como ponte.
Hungria x Bélgica: Para os nostálgicos, a volta do futebol húngaro à grande vitrine é motivo de comemoração. Sessenta anos depois de Puskas e companhia ganharem um lugar vitalício nos anais do futebol, os magiares chegaram à França após a repescagem e se classificaram como líderes do seu grupo, com um time sólido e bem estruturado. Os belgas, aos trancos e barrancos, ainda precisam demonstrar que uma geração que parecia brilhante é realmente digna de homenagens. Jogadores com estrela não lhe faltam, caso de Hazard, De Bruyne, Lukaku, Carrasco... Muito conservadora no início, como em sua insípida passagem pela Copa do Brasil-14, a Bélgica parece ter se soltado mais. Wilmots, o treinador, criticado por “amarrar” o time, tenta explorar melhor o seu ataque, que deveria ser o seu grande cartão de visitas.
Alemanha x Eslováquia: Sem deslumbrar, a equipe de Löw cumpriu o seu primeiro objetivo e, como sempre, é o monstro a ser evitado. Kroos – que contra a Irlanda do Norte deu mais passes que todo o time adversário –e Özil foram os mais destacados, junto com Kimmich, improvisado como lateral. Ainda não contou com a munição de Muller, e Muller sem gol... Já a Eslováquia tem pouco a perder. Com exceção de Hamsik, um verso livre, o time se caracteriza por seu sentido corporativo e pelas fileiras cerradas. Deu trabalho para a Espanha na fase classificatória e, já na França, parou a Inglaterra.
Itália x Espanha: O cruzamento mais clássico destas oitavas. Italianos e espanhóis disputarão seu quarto confronto nas três últimas Eurocopas. A Espanha, salvo no empate inicial da Eurocopa Ucrânia/Polônia-2012, sempre se saiu bem, tanto na disputa dos pênaltis das quartas de final da Suíça/Áustria-2008 como na memorável final de Kiev em 2012, a melhor partida da história da seleção espanhola. Mas, para esta eliminatória, a Espanha terá que administrar o jogo muito melhor do que fez contra a Croácia. Se há um adversário que pune quem despreza os detalhes é a Itália, que pode ser um nada durante 89 minutos e ganhar em um. A Azzurra tem como núcleo a sua estrutura defensiva, os centuriões da Juventus, Buffon-Barzagli-Bonucci-Chiellini. Na passagem da defesa para o ataque já não há mais a âncora representada por Pirlo, mas os rapazes de Conte são seu decalque como jogador esforçado. Na Itália, todos são espremidos feito limões.
França x Irlanda: Por enquanto, o poderio da França é apenas intuído. No gramado, não refletiu seu potencial, com mais dúvidas que certezas. Uma equipe com mais músculos do que tato, no qual não se destacou o preparo físico de Pogba nem a destreza do Griezmann, que foram para o quartinho escuro depois da insossa estreia contra a Romênia. Payet foi o único com gancho. A França se faz esperar. Quanto à Irlanda, não há manchas. Seus rapazes renderam o que podiam, e muito mais. Fervor, fervor e fervor. Com seu orgulho como abre-alas, deixaram de fora o fanfarrão Ibrahimovic, outra vez fracassado no cenário internacional, seja com seus clubes ou com a Suécia.
Inglaterra x Islândia: No papel, deveria ser o duelo mais desigual, mas, como já ficou provado que o futebol é um estado de espírito, ninguém se atreve com os islandeses, chegados ao paraíso não se sabe como. Estreante, a Islândia entra em campo com uma fé elogiável. Ratificaram ponto por ponto sua extraordinária fase de classificação, na qual afundaram a Holanda. Os ingleses, com sua nova bagagem mais refinada e com o Rooney como arquiteto, não estouraram. É a seleção mais jovem do torneio, e muitos dos seus jogadores custaram a encontrar as teclas. Lallana, Delle Alli e Sturridge têm mais potencial do que demonstraram, assim como se previa de outros novatos em grandes eventos, como os artilheiros domésticos Kane e Vardy. Até agora, o mais positivo desta sofrível Inglaterra foi seu maior apego à bola.
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