_
_
_
_

Twitter é o primeiro a medir os estragos das grandes catástrofes

Rede social age como ‘termômetro’ do nível de estragos de um desastre, mesmo horas antes da chegada das equipes de avaliação

Destruição após o furacão Sandy nos EUA, em 2012.Foto: reuters_live | Vídeo: REUTERS LIVE
José Manuel Abad Liñán
Mais informações
Twitter altera a ordem do tempo
Twitter perde usuários em 2015
Twitter cancela 125.000 contas relacionadas com o Estado Islâmico
Twitter estuda passar de 140 para 10.000 caracteres
Aos 95 anos, Twitter contra a solidão

O Twitter serve para importunar e assediar, mostrando a cara ou escondido atrás do avatar. Pode ser a mais banal das distrações, mas também ajuda a saber, em meio ao caos posterior a uma catástrofe natural, quais áreas afetadas foram mais danificadas e medir os estragos com precisão. Além disso, consegue detectá-los antes da chegada das equipes de reconhecimento.

Atrás do barulho das conversas na rede social se esconde um termômetro preciso e prático. Quanto maior a gravidade de um desastre em uma região concreta (um bairro de uma cidade, por exemplo) cada tuiteiro que vive nela publica mais mensagens na rede. A relação direta, confirmada por um estudo publicado na sexta-feira na revista Science Advances, também pode ser vista do outro lado: se o Twitter mostra certos sinais de agitação entre os afetados por um desastre logo após este ocorrer, é possível saber quais lugares foram mais atingidos e, desta forma, permite realizar estimativas do custo econômico dos estragos em pouco tempo.

O Twitter emite um alerta sobre as regiões mais afetadas pelo furacão, mas é preciso saber visualizá-lo

“A rede social é um dos primeiros veículos de comunicação utilizado pelos afetados nos países mais desenvolvidos para comunicar que algo mais grave está acontecendo”, diz Esteban Moro, matemático especializado em sistemas complexos da Universidade Carlos III de Madri, que participou da pesquisa. “O bom das redes sociais é que nós [os cientistas] contamos com sensores do lado de fora [seus usuários] que dão informação a todo momento: mensagens, fotos, vídeos. Saber como utilizar esses sensores para extrair informação em tempo real é valioso, mas podemos até mesmo nos antecipar a alguns problemas prevendo o que vai acontecer graças a essa informação”. Os pesquisadores, entretanto, se mostram cautelosos e afirmam que seu método é somente “uma ajuda a mais” a quem também avalia catástrofes.

O fenômeno pesquisado pelo estudo é o furacão Sandy, que devastou a Costa Leste dos Estados Unidos e o Canadá em 2012, ceifou a vida de 219 pessoas e causou 50 bilhões de dólares (180 bilhões de reais) em perdas. “Vimos que, depois da chegada do Sandy em Nova York, foram publicados mais tuítes por pessoa nas áreas que, mais tarde, foram comprovadamente as mais afetadas”, diz Manuel Cebrián, outro autor do estudo, de seu laboratório de Dinâmicas Humanas em Melbourne (Austrália). Ele ressalta que essa correlação não aparece dois ou três dias depois, “quando outras fontes já tiveram tempo de realizar o cálculo dos estragos”, e sim com um intervalo de “três ou quatro horas”.

O Twitter emite um alerta sobre as áreas que mais precisam de ajuda, mas é preciso saber visualizá-lo. Os pesquisadores analisaram centenas de milhões de tuítes em 50 áreas metropolitanas dos Estados Unidos. Sabiam que existia uma relação entre a rota do furacão e o aumento da atividade da rede social dos habitantes da região. Mas ficaram surpresos com a força da relação com seu impacto de uma variável “pouco convencional” como o tipo de sentimentos (de muito negativos a muito positivos) e outras mais quantitativas (o número de tuítes por pessoa e os tuítes totais). Os pesquisadores confrontaram esses dados com os das seguradoras que mais tarde visitaram as áreas e fixaram em dólar o impacto dos estragos.

"A novidade do estudo é que, a partir da opinião subjetiva das pessoas, é possível antecipar o estrago objetivo causado"

Usar os dados não foi tarefa fácil: “Se naturalmente já existe ruído e confusão no Twitter, imagine os criados em uma situação como a que nós estudamos, com pessoas atingidas por uma catástrofe e que tuítam em meio a ela”, comenta Manuel Cebrián. Por isso, primeiro precisaram identificar no caudal do Twitter as mensagens que se referiam a essa circunstância e delas, as que vinham dos afetados. Depois, resgataram as que se dirigiam à Administração para pedir ajuda. Por último, homogeneizaram os dados de milhares de relatórios de peritos, que fixavam as indenizações. “São três realidades que agora sabemos que estão diretamente relacionadas: o que as pessoas acreditam que está acontecendo, o que realmente está acontecendo, e o que o Twitter captura”, frisa o pesquisador, que trabalha para o principal órgão de pesquisa da Austrália, o CSIRO. “A novidade do estudo é que, a partir da opinião subjetiva das pessoas, podemos antecipar o estrago objetivo causado”, afirma com convicção.

Estragos (em dólares per capita) em cada distrito.
Estragos (em dólares per capita) em cada distrito.Y. Kryvasheyeu / E. Moro / M. Cebrián
Número de tuitadas enviadas por cada 100.000 habitantes em cada distrito.
Número de tuitadas enviadas por cada 100.000 habitantes em cada distrito.Y. Kryvasheyeu / E. Moro / M. Cebrián

Distrito a distrito

O estudo, além disso, permite o desenho de mapas muito detalhados, chegando até mesmo ao nível dos códigos postais. Acertar a resolução desse mapa foi uma das tarefas mais difíceis enfrentadas pela equipe de pesquisadores. Reconhecem que não inventaram nenhum método estatístico novo (os cálculos necessários já existiam muito antes do Twitter), mas precisaram aperfeiçoá-los. “Tentamos extrair dados e relações na escala de códigos postais, mas é preciso tomar cuidado, por verificar tão detalhadamente cada pequena área, podemos não obter dela dados suficientes para tirarmos conclusões sólidas”, diz Manuel Cebrián. Para a sorte do estudo, o Twitter lança “um volume enorme” de dados de regiões como as atingidas pelo Sandy, onde a rede social está tão implantada.

Mesmo assim, a equipe levou “meses” para comprovar qual era o nível máximo de detalhes que poderiam se permitir: a região, a cidade e o bairro. E não em uma só cidade, mas nas 50 dos Estados Unidos analisadas pelo estudo e comparadas entre si pelos pesquisadores para demonstrar que o termômetro é eficaz em qualquer lugar em que for aplicado. Também estenderam a análise do furacão a outros fenômenos (inundações, tornados, terremotos e até mesmo um movimento de terra), mas sempre em território norte-americano. “A geografia dos EUA é muito variada, mas podemos inferir que nossa medição funcionar em diversos lugares e para diferentes desastres”, confirma Cebrián.

Uma vez criado o método, o passo seguinte é aplicá-lo em outros pacientes. Os pesquisadores se atrevem a generalizar seu uso para qualquer região com uma geografia, demografia e nível econômico semelhantes aos Estados Unidos; “como a Europa e talvez a Austrália”, diz Manuel Cebrián. Para outras regiões do planeta, o pesquisador se mostra cauteloso porque, em sua opinião, não basta saber que o nível de penetração do Twitter é alto em uma área para se ter a certeza de que é possível aplicar o termômetro quando ela sofrer um desastre.

A REDE SOCIAL QUE ANTECIPA O DESEMPREGO

Manuel Cebrián e Esteban Moro já utilizaram o Twitter para antecipar a evolução do emprego em cada província espanhola e agora colaboram com a UNICEF para modificar o modelo e aplicá-lo no sudeste asiático.

Pode causar surpresa o fato de que em lugares tão castigados pela pobreza e com pouca penetração social das redes é possível utilizar um método baseado no Twitter, mas Manuel Cebrián pede para que seja visto de outra forma: “Justamente porque existem menos medidores padrão nesses países, como as estatísticas e as pesquisas de desemprego da Espanha, os dados não convencionais como os das redes podem ocupar seu espaço e suprir em parte essa carência”.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_