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Brasil destina 60% das suas Forças Armadas na luta contra um mosquito

220.000 militares saem às ruas no Dia Nacional de Mobilização contra o 'Aedes aegypti'

Soldado reparte panfletos informativos sobre o Zika em Copacabana.
Soldado reparte panfletos informativos sobre o Zika em Copacabana.L.C. (AP)
María Martín
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O Brasil acordou neste sábado com 60% das suas Forças Armadas nas ruas para combater um inimigo minúsculo, mas capaz de colocar contra a parede um país de 200 milhões de habitantes. Militares da Força Aérea, da Marinha e do Exército percorreram as ruas de 350 cidades brasileiras em uma campanha de conscientização da população sobre o combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor do dengue, chikungunya e do zika. O zika vírus é a última e principal das ameaças, após serem descobertas evidencias da sua associação à microcefalia em recém nascidos e ao síndrome Guillain-Barré, que provoca paralisia nas extremidades e até a morte, nos casos mais graves.

O Rio de Janeiro foi o Estado que recebeu o maior contingente de militares – 71.000 dos 220.000­­ em 32 municípios do Estado – e que, segundo a presidenta Dilma Rousseff, terá prioridade na guerra contra o mosquito pela proximidade dos Jogos Olímpicos de agosto. De Oliveira, um jovem soldado da Marinha, colocava em prática o roteiro que lhe foi encomendado dias antes. “Estamos aqui para pedir a ajuda de vocês em um problema que afeta a todos nós. Pedimos que dediquem 10 minutos de seu tempo para revisar suas casas e evitar focos de criação do mosquito, e com isso estarão colaborando para o bem de toda a sociedade”, discursou num boteco do tradicional bairro de Vila Isabel, um dos 49 bairros da cidade do Rio para onde os soldados foram enviados. Era a primeira vez que este soldado fazia algo assim e, apesar da empolgação, depois de a imprensa ir embora uma hora depois, ele voltou para o batalhão. A sensação de que aquela era uma ação para “o inglês ver” era repetida nos cochichos dos jornalistas locais e internacionais convocados para acompanhar os trabalhos.

Longe das câmaras, dois soldados custodiavam a porta de um shopping, onde tinham repartido panfletos informativos sobre o mosquito. Sem mais papéis nas mãos, os militares aguardavam a chegada dos colegas com mais material. Questionados sobre os perigos do zika, a incidência do vírus no Rio e as ações a serem tomadas pela população não souberam responder. Os militares afirmaram que sua função era apenas “dar o papel”.

Soldados pedem colaboração da população em bar do Rio.
Soldados pedem colaboração da população em bar do Rio.M.M.

No boteco, no entanto, a bancária Jaqueline Pinheiro, de 37 anos, escutava atenta as palavras dos soldados com sua filha de um ano no colo. Ela teve zika quatro meses depois de dar a luz, apesar de não ter focos de criação de mosquito no seu domicilio, segundo diz. “Estou aliviada porque minha filha já nasceu, mas em relação à prevenção é ela quem me preocupa agora. É pequena demais para usar qualquer repelente”.

Durante um breve passeio entre ruas formadas por casinhas baixas com pátios e quintais cheios de plantas, um grupo de marines visitou alguns dos domicílios para identificar possíveis criadouros do mosquito. No entanto, encontraram moradores tão familiarizados com a dengue e com o zika que tinham aplicado disciplina quase militar nas providências para evitar qualquer foco em suas residências. Na casa de Solange Ramos, professora de 64 anos, cada um dos ralos do quintal estava protegido com tela, os buraquinhos das tampas da fossa séptica e os vasos das plantas foram cobertos com areia, e nos buracos onde não dava para tampar, colocou cloro. “Renunciei até as bromélias, que eu adoro, mas morro de medo de elas acumularem água”, relata a senhora. “Dez anos atrás meu filho teve dengue hemorrágica, e desde então não dou trégua”.

Eleni Nery, também professora de 66 anos, só vacilou em não ter recolhido as folhas secas do seu quintal, cheio de plantas, entulhos e materiais de obra do marido, que é pedreiro. “Deve ter cuidado aqui e manter o chão limpo de folhas, porque uma gota pode ser suficiente para as larvas crescerem”, advertiu De Oliveira. "É bom recebê-los porque eles sempre podem te indicar algum foco no qual você não reparou, mas eu acho lamentável ter que ocupar as Forças Armadas, que têm uma função muito mais relevante, em um problema que pode ser sanado com políticas de mídia e informação", explicava o advogado Dalton Fricks, de 52 anos. "Matar um mosquito é coisa de militar?", questionava.

Militares evitam favelas

Os militares não participarão com a campanha de informação em comunidades dominadas pelo tráfico, lugares carentes com falta de saneamento básico, de informação e considerados importantes focos de infestação do mosquito. Os soldados têm a ordem de evitar possíveis enfrentamentos com narcotraficantes, pois não têm o poder legal para o confronto, disse ao diário O Globo o almirante Aldemir Sobrinho, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Para isso, seria necessária a decretação de uma operação de Garantia da lei de Ordem, que depende exclusivamente da presidenta Rousseff. As favelas, por enquanto, ficarão sob a responsabilidade dos agentes municipais de saúde.

A presidenta visitou uma comunidade no Rio flanqueada pelos seus aliados políticos, o prefeito Eduardo Paes e o governados Luiz Fernando Pezão, do PMDB. Após aplicar larvicida em bueiros e ralos, Rousseff contestou a afirmação de que Brasil teria perdido a batalha contra a dengue, que só no ano passado matou cerca de 900 pessoas no país. “O mundo perdeu a batalha contra a dengue. Ninguém conseguiu exterminar a dengue no mundo. Mas, no passado, ganhamos a luta contra a febre amarela. E vamos ganhar esta guerra contra o vírus da zika", disse.

A mobilização, coordenada pelo Ministério da Defesa, se estenderá até o dia 19 de fevereiro com um quarto do contingente deste sábado. Nos próximos dias, os soldados visitarão escolas públicas e privadas com o objetivo de conscientizar todas as faixas etárias da população. Esta não é a primeira vez que os militares são chamados para combater um mosquito que atormenta o Brasil há cerca de três décadas. No ano passado, por exemplo, diante a preocupação pela proliferação de casos de dengue em São Paulo, centenas de soldados saíram nas ruas para identificar criadouros e orientar às comunidades. 

A presença de tantos soldados nas ruas, algo que em outro países poderia causar pânico e só acontece em situações de alerta terrorista, é no Brasil uma forma de transmitir tranquilidade e confiança. As Forças Armadas gozam de um reconhecimento da população raro em outras instituições, sendo a mais confiável do país a olhos dos brasileiros, segundo um estudo de 2014 da Fundação Getúlio Vargas.

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