Diante do medo global, Brasil procura afastar o fantasma do zika vírus de seus Jogos Olímpicos
Apesar do receio de atletas, Governos municipal e federal negam a possibilidade de cancelar o evento
A preocupação da comunidade internacional com a expansão do zika vírus, que tem o Brasil como epicentro do surto, já levanta questionamentos sobre a realização, em agosto, dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. Ao pedido público de dois cientistas norte-americanos, Lee Igel e Arthur L. Caplan, para o Brasil cancelar o evento por uma questão de “responsabilidade”, somaram-se os receios de atletas e entidades esportivas dos EUA, Quênia e Espanha que, com dúvidas sobre os desdobramentos do vírus, já manifestaram seu medo de competir em terras cariocas.
Apesar dos possíveis riscos, que para a maioria da população são baixos, a hipótese de cancelar ou adiar os Jogos, no entanto, não existe. O Ministério do Esporte do Brasil afirmou que a questão não está, sequer, em discussão. “O Governo brasileiro lamenta a publicação de matérias e opiniões na imprensa que cogitam a possibilidade de cancelamento dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos por causa da epidemia do vírus zika”, disse a pasta. É o mesmo que afirma uma fonte próxima ao prefeito do Rio, Eduardo Paes. “Não há, nem remotamente, nada nesse sentido. Ninguém cogita suspender os Jogos”.
A Prefeitura promete intensificar as ações de combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor do vírus, também na véspera das Olimpíadas. “Cerca de um mês antes da abertura dos Jogos, uma equipe vai percorrer todos os locais de competição para eliminar possíveis focos do vetor e, durante os eventos, uma equipe fixa estará focada nas instalações olímpicas”, informou em nota.
No Rio, segundo a autoridade municipal, não há atualmente epidemia de dengue, zika e chikungunya, doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. O próprio prefeito já disse que o vírus não é “um problema olímpico”. “Em agosto não há incidência do mosquito. Não vai prejudicar e a gente tem que ajudar nesses esclarecimentos”, disse Paes. Em agosto, quando ocorrerão os Jogos, o clima é, em tese, mais frio e seco, o que reduz as condições favoráveis para o Aedes se reproduzir. Mas isso, por outro lado, não é garantia de que as taxas de infecção caiam significativamente, como apontam os dados municipais sobre a dengue. Como até o momento não existem dados precisos sobre a transmissão de zika, os números da dengue são os usados para avaliar a possibilidade de contágio – quanto mais casos, maior a probabilidade de o mosquito estar circulando com força.
Agosto de 2015 foi o mês de agosto com mais casos de dengue (794) desde 2013 no Rio. Esse número é também maior do que os 773 casos registrados em 2014 durante os meses de março, abril e maio – normalmente três dos meses com índices mais altos de infecção. E os dados deste ano já levantam preocupação: apenas em janeiro, foram registrados 1.122 casos da doença – no mesmo mês do ano passado, foram 165. Isso mostra que o vetor está circulando com força na cidade.
A insegurança aumenta ainda mais com as recentes descobertas, que indicam que há a possibilidade de o vírus ser transmitido por saliva e urina, embora mais estudos sejam necessários para confirmar.
Para a maior parte das pessoas, o contágio pelo zika não apresenta grandes problemas. Em 80% dos casos, os infectados não desenvolvem qualquer sintoma. E, nos casos em que desenvolvem, eles se resumem, basicamente, a uma febre baixa, acompanhada por coceira e manchas no corpo. Grávidas, entretanto, enfrentam mais riscos, já que o vírus está sendo associado ao aumento dos casos de microcefalia no país. Há ainda casos, ainda que pouco frequentes, de pessoas que desenvolvem a Síndrome de Guillain-Barré, que pode causar paralisia.
Outra questão também precisa ser ponderada, afirma Lee Igel, professor da Universidade de Nova York, que recentemente escreveu um artigo defendendo a suspensão das Olimpíadas. A reunião de pessoas de diferentes partes do mundo em uma área epidêmica pode ajudar a espalhar a doença. "Muitas pessoas viajam para o país nos Jogos e, depois, retornam para a casa. É uma forma conveniente para o vírus se espalhar pelo mundo."
O que aconteceria se os Jogos fossem cancelados?
No “improvável” cenário de o vírus obrigar a adiar o calendário olímpico, o professor da Universidade de Hamburgo, Wolfgang Maennig, que estuda há anos o impacto econômico de grandes eventos esportivos, desenha algumas possibilidades. Primeiro, diz, se discutiria se adiar por dois ou três meses ajudaria a minimizar os riscos associados ao zika. Caso não, outra solução seria repetir as Olimpíadas em Londres, “a cidade hoje mais preparada para o evento”, que poderia inclusive “dividir os Jogos com sedes em outros lugares como Pequim, Los Angeles ou Berlim”. Uma outra alternativa, segundo o especialista, seria que o Comitê Olímpico Internacional negociasse com Tóquio o adiamento dos seus Jogos em 2020 para 2024, para, dessa forma, o Rio sediar o evento em quatro anos e minimizar as perdas econômicas de um hipotético cancelamento. Na história dos Jogos Olímpicos, o evento só foi suspenso duas vezes, mas nenhuma delas por um alerta sanitário: os de Berlim, em 1916, após o começo da Primeira Guerra Mundial e os de Helsinki, em 1940, e Londres, em 1944, devido à Segunda Guerra.
Cientistas pedem ao Brasil que adie ou cancele os Jogos
"Acolher os Jogos em um lugar transbordante de zika, um surto que a Organização Mundial da Saúde considera uma emergência de saúde pública de importância internacional, é simplesmente irresponsável", escreveu na revista Forbes o doutor Lee Igel, professor da Universidade de Nova York, em um artigo com o título "O surto de zika significa que é o momento de cancelar os Jogos Olímpicos do Rio".
Igel afirma que a realização de um megaevento como esse "representa um estresse nas questões econômicas, políticas e sociais do país que o acolhe e, no caso do Brasil, afeta também seu sistema de saúde". Alguns hospitais do Rio de Janeiro, por falta de investimentos, vivem hoje uma crise monumental e lidam diariamente com a falta de medicamentos e insumos básicos como gases e seringas. "Se, além disso, considerarmos que há um aumento no índice de contágio pelo vírus, está claro que é preciso questionar qual a melhor maneira de usar os recursos", declarou Igel a EL PAÍS.
Colega de Igel na Universidade e também responsável pelo artigo da Forbes, o doutor Arthur L. Caplan sugere que se contemple adiar o evento. "Se a epidemia continua, é provável que algumas atletas femininas desistam e que muitos turistas cancelem. O mais prudente e responsável é adiar os Jogos até ter um teste diagnóstico confiável e que o dinheiro necessário para controlar o vírus possa ser investido", escreve Caplan, por email. Ele também põe em dúvida a capacidade da cidade de assumir o desafio do zika enquanto corre contra o relógio para terminar os preparativos do maior evento de sua história. "A melhor precaução é o controle do mosquito, mas isso significa desfazer-se de água parada, limpar os recipientes que possam acolher as larvas, fumigar... É muito trabalho. O Rio é capaz de assumir isso enquanto tenta terminar a tempo as instalações olímpicas, lidar com a qualidade da água para as competições aquáticas, prevenir o terrorismo e resolver seus problemas de Orçamento?", questiona Caplan.
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