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A entrevista de Sean Penn com ‘El Chapo’ é jornalismo?

Texto publicado pelo ator na ‘Rolling Stone’ motiva críticas de muitos repórteres

Ricardo Pineda
Foto: propiedad de Rolling Stone

“Se o diabo me oferecer uma entrevista, vou até o inferno.” É uma frase do falecido jornalista mexicano Julio Scherer, fundador da revista Proceso. Ele fez a declaração em 2010, depois de entrevistar Ismael El Mayo Zambada, lugar-tenente do traficante El Chapo. Na época, discutiu-se muito se um jornalista deveria ou não fazer uma entrevista com um criminoso procurado; se esse tipo de entrevista serve para algo, jornalisticamente falando, ou se o repórter deixa de lado sua profissão para se transformar em porta-voz do narcotráfico. Uma discussão que ressuscitou nos últimos dias, principalmente no México e nos Estados Unidos, depois da publicação de uma entrevista de Sean Penn com El Chapo Guzmán na revista Rolling Stone.

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O México está avaliando se deve convocar Penn e a atriz Kate del Castillo para prestarem explicações sobre seu encontro com o traficante. Independentemente das ações judiciais, o debate também é ético, segundo o jornalista Alfredo Corchado. O repórter, chefe da sucursal do Dallas Morning News no México e autor do livro Midnight in Mexico (meia-noite no México), foi a voz que mais duramente criticou a entrevista nas redes sociais. Corchado qualificou o encontro entre El Chapo e Sean Penn como “um insulto aos jornalistas que morreram em nome da verdade”.

Descrever o encontro entre Chapo e Sean Penn como entrevista é um insulto épico aos jornalistas que morreram em nome da verdade.

“Como jornalista me preocupa, incomoda e dói que alguns considerem isso jornalismo, porque não reflete em nada o sacrifício que colegas do mundo todo têm feito, particularmente no México, para lutar contra a censura”, diz o jornalista em mensagem ao Verne. “Na minha carreira houve oportunidades de entrevistar membros do crime organizado, mas com condições e sem garantias de proteção. Rejeitei-as por muitas razões: e se eles não gostarem das perguntas que faço, ou do produto final? A quem ajuda mais essa reportagem: ao interesse público ou a engrandecer a mítica figura do narcotraficante?”.

O Chapo e Hollywood, Sean Penn? É óbvio, faz sentido. Só não chame de jornalismo.

Muitos jornalistas mexicanos apoiaram Corchado nessa discussão. Ele mesmo continuou oferecendo argumentos contra a entrevista na sua conta do Twitter e defendendo que se tratava mais de um espetáculo.

Enquanto Sean Penn bebia tequila com 'El Chapo', é isto que acontece com os jornalistas de verdade noticiando sobre os cartéis – "Censure-se ou morra: a morte da imprensa mexicana na era dos cartéis de drogas", diz o link.

Outra voz crítica foi a de Raymundo Riva Palacio, que considera que o texto de Penn “está fazendo uma apologia do narcotráfico e em particular de Joaquín Guzmán. É uma entrevista acrítica, inserida num ambiente absolutamente amável e cômodo”, disse ao Verne. Em 2010, Riva Palacio escreveu uma coluna nas páginas do EL PAÍS com o título Quando eu disse não ao Chapo, em que explicava por que decidiu não aceitar a oferta para que uma repórter do veículo que dirigia entrevistasse o traficante.

Sim, eu teria feito a entrevista sem pedir nada em troca. Mas não sou dono de uma produtora de cinema, nem diretor.

Embora nem todos os jornalistas mexicanos tenham feito tantas objeções, muitos outros veem a entrevista como um golpe de efeito – uma oportunidade que causa inveja em quase todos os repórteres –, apesar de o texto não seguir à risca as normas do jornalismo.

O jornalista Diego Fonseca, a quem ofereceram escrever a vida do chefe, como contou neste artigo, concorda que o texto não pode ser avaliado segundo os parâmetros do jornalismo: “A entrevista não é boa sob qualquer olhar jornalístico. Em poucas palavras, o entrevistado tem o controle do processo. Não há um só instante, ao menos pelo que foi publicado, onde o entrevistador confronte”, opina Fonseca, que atribui a responsabilidade à revista. “Que Guzmán Loera não faça nada com o texto não alivia o peso: poderia ter feito. A Rolling Stone entregou sua independência nesse gesto. Devo concluir, então, que foi um ato espetacular, no sentido de gerar uma enorme revolução publicitária, em vez de jornalística. Penn não rompe códigos que desconhece; em todo caso, essa responsabilidade é da Rolling Stone”.

A quantos destes jornalistas mandou matar O Chapo?

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