Novo telespectador de séries muda hábitos de consumo
Seriados se adaptam à evolução da televisão e ao gosto do usuário Histórias são concebidas como filmes de cinema com 13 horas de duração
Os números falam por si. Em 2014, 51% das pessoas que assistiram à quarta temporada de Game ot Thrones no Canal + (Espanha) o fizeram por meio da televisão convencional e 21% por meio do serviço à la carte Yomvi. Em 2015, porém, a maioria acompanhou a quinta sequência da série pelo Yomvi (45%), ante aqueles que preferiram vê-la no horário determinado pelo Canal + (32%). O dado expressa uma revolução em curso na televisão. “Houve uma mudança muito profunda. Os telespectadores podem decidir aquilo que querem ver, quando vê-lo e onde vê-lo. É a democracia dos meios de comunicação”, afirma Jacinto Roca, fundador e CEO da plataforma online Wuaki.tv.
Em uma época de reinado das séries na TV, são justamente elas que lideram essa mudança no modelo de consumo desse veículo. Os telespectadores já não querem se ajustar aos horários definidos pelos diversos canais. Nem ao ritmo que eles impõem. Tais mudanças não são vistas apenas em como se assiste à televisão, mas afetam, também, as próprias séries, do ponto de vista de sua criação.
Os responsáveis por títulos como Jessica Jones, Daredevil, House of Cards e Orange is the New Black sabem que boa parte de seu público assistirá a todos os seus capítulos em poucos dias, o que possibilita desenvolver histórias com mais sequências, ficções complexas nas quais não é preciso lembrar ao espectador aquilo que aconteceu dois capítulos antes, já que isso estará fresco em sua lembrança.
Além disso, não dependerem dos dados de audiência permite as canais a cabo norte-americanos e plataformas online apostar em séries mais arriscadas. “Quando se trabalha para um canal tradicional, querem que a série chegue a todo mundo. Não querem que um super-herói faça coisas horríveis”, afirma Steven DeKnight, responsável pela primeira temporada de Daredevil.
A concepção das novas séries tem mais a ver com o cinema, parecendo filmes com 13 horas de duração, o que, para os criadores de ficção, constitui um terreno novo e com novas possibilidades, tais como as que são exploradas por autores como Nic Pizzolatto em True Detective e Beau Willimon em House of Cards.
Embora a maratona de séries esteja mais na moda do que nunca (binge-watch, termo utilizado para cunhar esse hábito no mundo anglo-saxão, foi eleita a palavra do ano pelo dicionário Collins), cada vez mais vozes se levantam contra essa tendência, que também traz inconvenientes para criadores e espectadores. “Sinto falta de poder segurar as pessoas na mesma página. Sinto falta de poder ir à Internet e ter uma conversa no dia seguinte”, lamentava em entrevista ao The Hollywood Reporter o produtor de Orange is the New Black, Jenji Kohan. Matthew Weiner, criador de Mad Men, também se coloca contra a ideia de maratona televisiva: “Gosto de esperar. Quando você vê toda a temporada em um dia, certamente sonha com ela, mas não é a mesma coisa que passar a semana toda dizendo ‘Puxa vida, estou realmente chateado com o Pete”.
Por outro lado, a possibilidade de se assistir às séries quando se quer e no ritmo que se quer dificulta a conversação sobre elas. O que teria sido de Lost e de todo aquele movimento de admiradores constituído em foros e páginas na Internet se cada pessoa tivesse acompanhado a história ao seu próprio ritmo? A maratona de séries também quebra o efeito dos tão apreciados cliffhangers, aqueles finais de episódio que deixam em suspense, para o telespectador, aquilo que se seguirá no episódio seguinte. E faz com que o inimigo público número um dos seriéfilos, o spoiler, apareça aos montes.
Além das maratonas de séries, o público também está migrando dos televisores tradicionais para outros dispositivos, a fim de acompanhar seus programas prediletos. Os celulares e tablets estão conquistando um maior protagonismo na vida de quem quer ver televisão. Como explica Pablo Rivero, diretor de conteúdo do Yomvi, a sessão média de consumo no celular é de 20 minutos, ante os 56 minutos de média do televisor (duração aproximada de um episódio de uma série). “Temos um vazio enorme a explorar em termos de formatos curtos criados especificamente para os nativos digitais. A indústria avança, e os parâmeros desse avanço também se alteram”, explica Romero, que enxerga a produção de uma narrativa para celulares como um dos desafios da televisão no futuro imediato.
Jacinto Roca se aprofunda nessa mesma direção. “Novos produtos de mídia estão sendo criados de acordo com os dispositivos em que são consumidos. São séries pensadas para um consumo em mobilidade”, com duração mais curta e que não exigem um acompanhamento completo. A forma de ver televisão está mudando, e a forma de fazer televisão também.
Maratonas ou episódios semanais?
O empanturramento televisivo se tornou a nova forma de ver televisão. O prazer de devorar temporadas inteiras de uma só vez é irresistível. "Não me importo de ficar diante da TV, desde que tenha mais de um episódio ao meu alcance", admitiu ao EL PAÍS Taylor Schilling, protagonista de Orange is the New Black, uma das séries que não só se consomem de uma tacada só, como também se transmitem assim. "É um prazer ver televisão dessa maneira. Tanto faz a série. The Good Wife ou Mad Men. Fico sem ver os episódios de forma seriada, para poder depois me empanturrar", admitiu, também para este jornal, Julian Fellowes, o criador de Downtown Abbey. "Foi o público que criou essa nova forma de ver televisão e somos nós que devemos lhe proporcionar um espectro de 12 horas de histórias que ele queira ver", define Tim Robbins, protagonista da série The Brink, da HBO.
Há muitas pessoas, porém, que defendem a televisão sob a forma dos seriados tradicionais. Um dos motivos diz respeito a uma certa nostalgia de se assistir à televisão "como antes". Mas há outras razões de ordem econômica que expressam um certo cansaço dos telespectadores, especialmente em um mercado tão repleto de séries como o da atualidade. Como lembra o presidente da rede Fox, Gary Newman, parte do sucesso da série Empire nos Estados Unidos se deve às conversas que seus seguidores travam sobre ela toda semana nas redes sociais. "Eles fazem o marketing por nós", afirma.
Apresentar todos nos episódios de uma só vez acarreta problemas de produção, assim como de promoção, já que ou o público se agarra à série desde o começo, ou ela será esquecida. "Eu prefiro a entrega em seriados. Gosto quando cada episódio se sedimenta, para depois passar para o seguinte", disse Pizzolatto ao EL PAÍS. Claro que, como afirmou Colin Farrell, cada um faz como bem entende. "Se você tiver medo de uma indigestão, pode ir atrás de um antiácido televisivo ou tirar a lição para a próxima vez", brinca o ator de True Detective.
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