Para ajudar você a sair de 2015
Para todos nós que estamos discutindo política mais do que na Grécia Antiga, foi tenso, todavia rico e democrático o arrastado 2015. Mas ainda não acabou

Para você que foi abandonado(a) no amor, o ano que teima em não acabar foi a morte em câmera lenta. Um interminável e repetido “dia da marmota”, como no filme O Feitiço do Tempo (1993). Corta para a indescritível cara de mal-estar do ator Bill Murray, você se lembra? Rs, risos. Reveja e ria do tempo que nos prende e tortura no tic-tac de eventuais desacontecências.
Para você que se separou em um dito rito de “comum acordo”, discordo: há sempre um que deseja separar mais do que o outro. Coube a uma das partes guardar civilizadamente uma incômoda dorzinha no peito diante da certeza absoluta da ex-pessoa amada.
Para você que está triste sentimentalmente, um aviso: não se morre de amor nos trópicos
Você se separou mesmo ou foi apenas aquele stress de fim de ano, período em que a D.R., a mitológica discussão de relação, dura mais que o Antigo Testamento, a novela “Os dez mandamentos” e o Brasileirão de pontos corridos?
Para uma amiga que não consegue se livrar do marido acomodado –quase uma década de casamento– , 2015 foi/foram cem anos de solidão. Para ele, tudo foi harmonia e a arte de empurrar o barril de chope da rotina com a barriga. Do próximo ano não passa, ela escreve nas resoluções para a nova temporada. Veremos.
Para a amante que vai ficar de novo sozinha no Natal e no Réveillon, depois de mais 365 dias de promessas do seu Rolando-Lero do amor, que desastre. Dificilmente ele vai se separar até a Copa de 2018, minha estimada leitora.
Ah, como o ano passou rápido, diz o porteiro de Copacabana, na sua inércia diante do prédio e do radinho de pilha que lhe traz as notícias do Flamengo –“Em 2016 ganharemos tudo, caixinha, obrigado!”.
Já vai tarde, demorou demais, rebate o guardador de carros, que vendeu vagas na rua na velocidade da luz –“Em 2016, manobrarei o meu próprio carrão, se liga, parceiro”.
Relativo, meu caro Einstein, só a relatividade salva. Tem razão o gênio linguarudo, é relativíssimo.
Para você que é viciado em WhatsApp, por exemplo, a breve suspensão do serviço no Brasil foi uma eternidade, mesmo sabendo que não perdeu nada com isso. O amigo Cândido, o maior otimista da Vila Tolstói, zona leste de SP, me contou eufórico: leu o livrinho mais incrível do planeta, Fup, de Jim Dodge, um velho hippie da Califórnia. Havia recomendado ao fdp desde o começo do Orkut. Que maravilha, que milagre. Lindo.
Terceiro turno
Para quem perdeu o emprego, 2015 também foi terrível e se arrastará até o próximo carimbo do RH na carteira de trabalho.
Para uma amiga que não consegue se livrar do marido acomodado, 2015 foi/foram cem anos de solidão
Para quem perdeu democraticamente a eleição em 2014, o 15 foi um eterno terceiro turno do inconformismo; para quem venceu, um inferno com o fantasma do impeachment –com 50 tons azulados de golpe aecista– em vez dos bons votos para 2016.
Ao Eduardo Cunha, o ano reservou a paciência de Jó ou do japa-zen da Polícia Federal. Contas na Suíça, cantadas de pneus morais em arriscadas manobras chantagistas, Bê-Ó no bolso do paletó etc... Nada foi suficiente para prendê-lo, nem que apenas algemá-lo no tempo, como no filme da cumeeira dessa crônica. Deixa quieto...
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Tudo é relativo. Para um mensaleiro tucano, por exemplo, é estranho ser acusado, ainda em Primeira Instância, depois de 17 anos de comprovação do crime... Tempo, tempo, tempo, tempo... Essa gente é dona do próprio domínio do fato.
Vale recurso, vale tudo no país da Vale do ex-rio Doce.
Alerta natalino
Para todos nós que estamos discutindo política mais do que na Grécia Antiga, foi tenso, todavia rico e democrático o arrastado 2015. Principalmente para você que não desfez amizades –mas quase!- por causa do embate. Mas ainda não acabou. Epa. Todo cuidado é pouco com a ceia de Natal e os outros encontros protocolares da família.
O bicho costuma pegar nesses momentos solenes. Releve, fale pouco, encha a boca de farofa diante da sogra ou do sobrinho-coxinha que acha que o PT inventou a corrupção no Brasil. Recomendo a resignação natalina. O que é aguentar um parente diante do que você suportou durante duzentas mil horas de equilibradíssimos e imparciais telejornais este ano que já vai tarde? Meu particularíssimo mimimi sobre mídia não poderia faltar nessa hora à beira dos perus crepusculares –coisa de cronistas bolcheviques como os Veríssimos, Duvivieres e Pratas.
Risos, amigos leitores, é hora de risos e brindes. Seja de champanhe Veuve Clicquot, Sydra Cereser ou Jurubeba Leão do Norte.
Quem não celebra, se quebra...
Para você que está triste sentimentalmente -esta sim é uma preocupação subjetivíssima e difícil de resolver a esta altura do campeonato-, um aviso: não se morre de amor nos trópicos. Isso é coisa lá do alemãozinho e jovem Werther, o garoto que fez besteira diante do primeiro suspiro amoroso. Toma uma, se joga na muvuca, vai ao limite da irresponsabilidade, transgride, depois ria disso tudo.
E, pensando bem, mire-se no exemplo de dois movimentos incríveis nesse dois mil e crise/crazy. Esses agitos me deram crença de sobra para o 16 que se aproxima:
1) Os meninos que ocuparam as escolas de São Paulo, depois da determinação escrota e ditatorial do governo Alckmin de fechá-las sob as patas dos soldados e as botas dos cavalos;
2) Os homens e mulheres de todas as idades do “Ocupe Estelita” -eles barraram a construção do maior monstrengo urbano no Recife de todos os tempos. Um torreão de torres sem fim e sem escrúpulos que lascaria uma ideia já arrombada de cidade. Os mesmos empreiteiros de sempre que financiaram campanhas do PSB todo-poderoso local, do PT, do PSDB e de outras tantas nanicas legendas.
Então é Natal, encha a boca de farofa e não discuta mais política... Rs, risos, muitos risos nesta hora. Discuta amor, todos nós teremos uma queixa mais justa sobre tal assunto.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Os Machões Dançaram –crônicas de amor e sexo em tempo de homens vacilões” (ed. Record), entre outros livros.