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eleições na argentina
Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Vivíamos melhor com Cristina?

Scioli, provavelmente, poderá realizar ajustes mais profundos do que Macri

Martín Caparrós
Macri recebe o beijo de sua esposa enquanto Scioli cumprimenta o público após o debate eleitoral de 18 de novembro.
Macri recebe o beijo de sua esposa enquanto Scioli cumprimenta o público após o debate eleitoral de 18 de novembro.David Fernández (EFE)

O debate terminou com uma foto: o vencedor beija a garota, o outro o observa do lado de fora.

Se todas as pesquisas, todas os analistas e o que se costuma chamar de rua não estiverem muito enganados, no domingo Mauricio Macri será eleito presidente dos argentinos. É estranho dizer isso: quando começou, há quase 15 anos, a organizar um pequeno partido de “direita moderna”, ninguém imaginava que conseguiria. Até então, na Argentina, esse setor era representado pelos militares e seus golpes e os peronistas e suas reviravoltas – mas não por um partido político próprio. A aposta não era fácil. Foram necessários 12 anos de um governo conjugal supostamente de esquerda que agiu em favor de seus próprios interesses para que milhões, cansados de suas enganações, identificassem a esquerda com corrupção, autoritarismo, injustiças diversas, e decidirem escolher as propostas mais conservadoras: o peronista Daniel Scioli, o engenheiro Mauricio Macri. E entre elas, parece, a que lhes promete ser mais diferente do governo atual: Macri e seu Cambiemos. Ainda que muitos de seus eleitores não o escolham pelo lado positivo; preferem, dessa vez, alguém que pode ser ruim do que o ruim já conhecido.

No domingo passado os dois debateram com cuidado. Macri não queria correr riscos, Scioli não sabia como fazê-lo. Os assuntos não discutidos são os temas mais controversos do país: modelos de desenvolvimento, uso dos recursos, desigualdade, energia, meio ambiente, corrupção, governabilidade. E, sobretudo, ninguém quis detalhar seus projetos econômicos: a economia – como quase sempre – é o grande problema do futuro imediato. O governo Kirchner gasta reservas que não tem ao comprar gás e petróleo que o país deixou de produzir sob seu mandato, e mantém subsídios ao consumo que beneficiam mais os ricos do que os pobres. Seu sistema econômico depende de uma condição: não durar muito tempo. Agora, com os cofres vazios, os dois candidatos, de estirpe liberal, irão equilibrar as contas cortando gastos do Estado.

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É, certamente, uma receita à briga: ninguém quer perder o que considera seu, e os primeiros meses do futuro governo devem ser complicados. O curioso é que, provavelmente, Scioli poderá fazer ajustes mais profundos do que Macri: sustentado pela máquina peronista e seus sindicatos, a resposta popular as suas medidas antipopulares serão mais contidas. Macri, por outro lado, transformado em alvo de todos os canhões peronistas, deverá tomar todos os cuidados possíveis e, portanto, moderar cada medida que tomar nesse meio tempo.

Se Macri ganhar, os ataques estarão garantidos: para sobreviver, para tentar voltar, o núcleo duro do peronismo kirchnerista precisa convencer a sociedade de que “vivíamos melhor com Cristina Kirchner”, e deverá fazer de tudo para que tudo fique pior. A tarefa é fácil, mas perigosa. O destino da Argentina nesses novos tempos dependerá do tamanho do fracasso nessa tarefa e da habilidade do novo presidente para convencer os peronistas a abandonar sua ex-chefa e associarem-se a ele.

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