Macri: “Será mais fácil Dilma fazer acordo comigo do que com Cristina”
O candidato define-se como “desarrollista”, nem conservador nem liberal, e assegura que Scioli recorre à calúnia e o medo porque perdeu as outras batalhas
Mauricio Macri comparece à coletiva de imprensa estrangeira e responde a cerca de 30 perguntas em tom bastante tranquilo, tendo ao lado o coordenador de sua campanha, Marcos Peña. Ambos se mostram seguros da vitória no próximo dia 22 e, apesar da virada história que isso significaria para uma Argentina dominada pelo peronismo nos últimos 14 anos, não demonstram nenhum tipo de ansiedade. Até poucas semanas atrás, sua vitória parecia impossível. Hoje, a maioria a considera muito provável, embora não garantida.
Macri fala como se já estivesse pensando no Governo e em seus aliados no exterior. Como a maioria dos políticos argentinos, o candidato da coligação Cambiemos não gosta muito de se definir ideologicamente. Ganhar uma eleição na Argentina sem alguns votos peronistas parece impossível. E somente com eles, também. Por isso, assumir alguma definição significa perder. Macri dá, no entanto, algumas pistas ao falar sobre a Espanha e das eleições previstas para 20 de dezembro: “Tenho uma ótima relação com Rajoy [primeiro-ministro da Espanha], um afeto pessoal, acompanhei-o aqui na Argentina, fizemos campanha juntos, há aqui uma grande comunidade espanhola. Qualquer que seja o vencedor, procurarei ter as melhores relações possíveis com a Espanha”, afirma o candidato no auditório do belo edifício concebido por Norman Foster onde se localiza a sede da prefeitura da cidade e que ele, que continua como prefeito de Buenos Aires até 10 de dezembro, inaugurou em março no sul da capital, uma região bastante popular, mais um símbolo da sua tentativa de desfazer a imagem que vinha carregando de rico herdeiro da zona norte.
Depois de elogiar Rajoy –sua organização de origem, o PRO, esteve muito próxima do PP espanhol, embora ele hoje também se volte para o fenômeno de Ciudadanos--, faz, ainda assim, um esforço para se definir ideologicamente. Questionado se é um liberal ou um conservador, as duas grandes correntes do centro-direita internacional, ele afirma: “Nossa ideologia é resolver”, afirma o engenheiro, mais preocupado com a gestão. “Adotamos um desenvolvimentismo moderno do século XXI”, conclui.
O desenvolvimentismo é uma corrente da qual também se reivindica Daniel Scioli, seu adversário, que, tal como Macri, procura fugir dos rótulos. “O que é o centro? O que é a direita? O que é a esquerda? Vou fazer a coisa certa!”, responde o candidato peronista a respeito de sua ideologia.
“Somos um partido surgido da crise de 2001, que se formou para mudar o que havia antes”, afirma Macri. “Penso que as siglas e rótulos têm mais a ver com outros países e outros momentos. Somos um grupo político do século XX!”, observa Marcos Peña. “Temos origens muitos diversas, alguns vêm do radicalismo, outros do peronismo”, acrescenta. “Nossa gestão na capital mostra que não somos conservadores, mas sim modernizadores. Se alguém aqui é conservador, é Daniel Scioli, com a gestão que aplica na província”, conclui.
Quando se refere a temas que em outros países costumam caracterizar os conservadores, como o aborto, Macri é bastante claro: “Eu defendo a vida”. Na realidade, porém, Scioli e a própria Cristina Fernández de Kirchner, atual presidenta do país, também são radicalmente contra a legalização do aborto, inclusive no caso de estupro, o que torna a definição ideológica mais complicada ainda. Macri votou contra o casamento entre homossexuais instituído pelo kirchnerismo, mas agora se reivindica de ter dado liberdade de voto aos seus e de não ter se oposto aos casamentos de gays ocorridos na cidade.
O prefeito de Buenos Aires posa como vencedor, e isso se percebe em todas as respostas que dá, com bastante tranquilidade. Mas não se dispõe a esclarecer se acredita que sua vitória inaugurará uma virada regional importante após a década de ouro da esquerda latino-americana, rumo a um novo momento, em que a Argentina pode mudar e em que a Venezuela realiza eleições importantes no dia 6 de dezembro. “Serei mais humilde, por enquanto estamos caminhando para uma mudança histórica na política argentina. Quanto à região, veremos”. Ele informa que, no dia 10 de dezembro, pedirá a realização de uma reunião do Mercosul para que a organização aplique a cláusula democrática no caso da Venezuela, caso Leopoldo López não seja solto até lá.
Macri sabe que o Governo brasileiro tem maior aproximação com Scioli, mas acredita que, caso saia vitorioso, haverá uma adaptação, já que Brasil e Argentina são parceiros cruciais. “Para Dilma, será muito mais fácil fazer acordo comigo do que com Cristina”, ironiza. O candidato não quer criar problemas com ninguém, e é capaz de afirmar, no mesmo encontro, que lhe interessa muito ter uma boa relação com os Estados Unidos, mas também com a Rússia e com a China.
Tampouco demonstra muita preocupação com a maior cartada aparente do peronismo: o medo de uma parcela da sociedade diante da chegada ao poder de Macri, filho de um dos maiores empresários do país, que muitas pessoas, principalmente nas classes menos favorecidas, associam ao neoliberalismo. “Eles usam o medo porque, quando se perde no debate das ideias, ao perdedor só resta a calúnia”, afirma.
No próximo domingo, haverá o único debate da campanha com Scioli. Até o momento, Macri parece estar na dianteira, mas, na Argentina, tudo pode mudar em poucos dias. Até duas semanas atrás, muitos não apostavam nada nele, que agora aparece inquestionavelmente como favorito.
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