Jimmy Morales: “Ganhei pelo voto de protesto e pelo voto de fé”
Vencedor das eleições da Guatemala assumirá o poder em 14 de janeiro

Jimmy Morales anda cansado. Na noite anterior ganhou as eleições presidenciais da Guatemala e desde esse momento a vertigem do triunfo o acompanha. “Na próxima vez tentarei fazer com que tudo seja mais leve”, brinca. De terno azul, gravata de listras e camisa branca, sentou-se com gosto em uma poltrona larga e espera amável as perguntas. Nas respostas, o líder antissistema, o furacão que, começando do nada, derrubou os partidos tradicionais e sacudiu a América Central, manterá um tom comedido, suave. A campanha passou e agora lhe cabe governar.
Pergunta. Considera-se antipolítico?
Resposta. Antipolítico talvez não, porque, se assim fosse, não estaria na política. Mas anticlasse política, sim.
P. E como vai mostrar isso sendo chefe de Estado?
R. Lutando contra a corrupção. Há no sistema focos contaminados em demasia, podridão demais.
R. Onde o senhor se situa no arco político?
P. Sou de centro e nacionalista. Talvez centro-direita porque acredito muito no desenvolvimento econômico por meio da empresa. Mas, também, em que todos os impostos arrecadados devam ser investidos em educação, saúde, segurança, justiça e infraestrutura.
R. Mas na lista de seus princípios os três primeiros são: temor a Deus, pátria e honra. Isso soa muito conservador.
R. A Guatemala é conservadora. No total, 93% da população guatemalteca é fortemente cristã e quase a metade é evangélica, vai três ou quatro vezes por semana à Igreja.
P. Coloca Deus acima de tudo?
R. Eu, sim.
P. Acima das leis?
R. Como Jimmy Morales, definitivamente sim. Mas como presidente da República estou obrigado a respeitar a lei acima de todas as coisas.
P. O senhor rejeita o casamento homossexual. E a homossexualidade?
R. Tenho fundamentos cristãos, mas acredito na liberdade de consciência. Cada um tem o direito de acreditar e fazer o que sua liberdade lhe permita sem ofender o direito de outra pessoa.
P. E quanto ao aborto?
R. A vida existe desde a concepção e é preciso respeitar o direito à vida. Mas entendo a discussão sobre casos extremos como a violação de uma menina ou o risco para a mãe.
P. Que problema lhe parece mais grave: violência, pobreza, narcotráfico ou corrupção?
R. Corrupção.
P. Por quê?
R. Porque é o motivo pelo qual estou na política, e seu combate é minha proposta de campanha. Se conseguimos sanar os problemas de corrupção que existem na Guatemala, teremos recursos para combater o narcotráfico e para prover segurança.
P. Para muita gente o senhor é um enigma. Não tem experiência em cargos públicos.
R. É possível e não seria a primeira vez na Guatemala. Mas vou lhe falar do meu caso. Nunca estudei arte nem interpretação nem direção de cinema nem produção. Simplesmente a experiência e a vida foram me conduzindo. E realizei projetos com sucesso. Tenho sido uma pessoa com liderança. A própria campanha é uma prova. Com poucos recursos conseguiu-se uma liderança genuína.
P. E sem a primavera de descontentamento, acha que teria conseguido ganhar?
R. Estaríamos falando de algo que não aconteceu.
P. E como hipótese?
R. E se Adão não tivesse pecado, estaríamos no Jardim do Éden? Não se sabe. As suposições não conduzem a nada.
P. Está ciente de que ganhou pelo voto de protesto?
P. Ganhei pelo voto de protesto e pelo voto de fé. Há uma porcentagem muito alta de eleitores de 18 a 23 anos que foram às urnas pela primeira vez e confiaram em alguém que viram pela televisão. Falaram de mim como comediante, e é verdade, mas também sou um moralista. Há um voto de esperança, de gente que acreditou em mim, de pessoas que me veem próximo a elas, que sabem que, ao contrário da classe política, não nasci em berço de ouro e que o pouco que tenho foi suado.
P. Fizeram-lhe ofertas tentadoras na campanha?
R. Sim.
P. Quem?
R. Muitos.
P. E o que lhe ofereceram?
R. Dinheiro.
P. E o que o senhor lhes disse?
R. Que não.
P. E vai denunciá-los por lhe terem oferecido dinheiro?
R. Não, porque não fizeram nada ilícito. Mas não acredito que me ofereceram o dinheiro por eu ser boa gente.
P. Pode haver outros Jimmy Morales na América Central?
R. Não gostaria de gerar tanta expectativa em Jimmy Morales. Ele não é a mudança. É um elemento a mais. Dar-lhe essa preponderância é exagero.
P. Qual será sua primeira medida quando assumir o poder em 14 de janeiro?
R. Lutar para conseguir que os hospitais tenham medicamentos.
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