“Presidente dos árbitros só me telefonava antes de arbitrar o Benfica”
O depoimento de um ex-árbitro que estremecerá o futebol português
A seguir, o depoimento do ex-árbitro Marco Ferreira que estremecerá o futebol português. Aos 38 anos, esse colegiado internacional foi rebaixado para a segunda divisão logo depois de apitar a final da Copa. E decidiu sair da carreira. Agora denuncia que o presidente do Conselho Arbitral do país, Vitor Pereira, pressiona os colegiados a favorecer o Benfica: "Meus companheiros não denunciam por medo de acabar com suas carreiras, como fez com a minha".
Pergunta. O que lhe passou pela cabeça quando recebeu a notícia de seu rebaixamento para a segunda divisão?
Resposta. Fiquei perplexo. Quinze dias antes tinha arbitrado a final da Copa de Portugal, entre Sporting e Braga. Uma das partidas mais importantes da temporada. Não tinha nenhum sinal que me fizesse pensar que me mandariam para a segunda divisão. As mesmas pessoas que me rebaixaram tinham me nomeado dias antes árbitro da final da Copa. Curioso.
P. Encontra uma explicação?
O Benfica nunca falou comigo nem me telefonou para favorecê-los. Mas Vitor Pereira, sim.
R. Para mim o mais grave é que, além de ter arbitrado a final da Copa, em janeiro eu tinha sido renovado como árbitro internacional da FIFA. A única explicação que encontro é que na última temporada tinha arbitrado três vezes o Benfica e perdeu dois jogos. Acredito que por isso não me deram nenhum Clássico.
P. Por que acha isso?
R. Eu e muitos companheiros recebemos telefonemas do presidente do Conselho de Arbitragem, Vitor Melo Pereira (homólogo de Sánchez Arminio em Portugal), na mesma semana em que somos designados para arbitrar o Benfica. Vitor Pereira tem muitos inimigos e muitos opositores, entre eles gente do próprio Conselho de Arbitragem e muitos clubes da Primeira. Não o querem ali. Agora, o único dos grandes que apoia Pereira é o Benfica.
P. Você tinha tomado alguma decisão polêmica nessas duas derrotas do Benfica?
R. Na derrota para o Braga, em outubro, ainda na oitava jornada, a partida foi ruim. Mas para os dois times. Depois dessa partida, o Benfica protestou contra mim e me disseram que não voltaria a fazer uma partida quente. E depois disso não me puseram em nenhum outro encontro importante...
P. Entendo…
R. Na temporada anterior fui considerado o segundo melhor árbitro de Portugal depois do Proença. Arbitrei o Benfica-Sporting, duas vezes o Oporto-Benfica... E as partidas foram muito bem.
Disse que tomasse cuidado, que “eram os que se queixavam” e que “era a partida do título do Benfica”
P. Você acha, então, que os árbitros de Portugal são conscientes de que não podem se equivocar contra o Benfica enquanto Pereira mandar no Conselho de Arbitragem?
R. Não vou dizer que o Benfica pede a Vitor Pereira que fale com os árbitros para que favoreçam ao clube. Não digo isso. O que digo é que ele (Pereira) faz isso porque sabe que o Benfica é o único clube que o apoia. Por isso não quer que nenhum árbitro que não gosta do Benfica apite suas partidas. O Benfica nunca falou comigo nem me telefonou para favorecê-los. Mas Vitor Pereira, sim. Na semana em que eu tinha partida do Benfica, ele me telefonava dizendo para tomar cuidado, que a partida fosse bem. E só fazia isso em partidas do Benfica. Nunca me telefonou antes de uma partida do Oporto, por exemplo. E não só a mim, a muitos companheiros...
P. O que Pereira dizia exatamente quando telefonava para você?
R. Depois do Braga-Benfica de que falei, Pereira me nomeou para um Rio Ave-Benfica. Naquela semana me telefonou duas vezes. Na terça-feira e na quinta-feira. Na quinta-feira me disse que, se não fizesse uma boa partida, não poderia me nomear para o Benfica-Oporto, que era em abril. Disse que tomasse cuidado, que “eram os que se queixavam” e que “era a partida do título do Benfica”. E eu lhe disse que não, que não era a partida do título porque o Benfica tinha quatro pontos de vantagem em relação ao Oporto. E me respondeu: “É muito diferente jogar contra o Oporto em abril com uma diferença de quatro pontos que com dois pontos ou um”. Isso, do meu ponto de vista, é grave. Porque claramente estava se referindo ao Benfica.
P. E como foi o Rio Ave-Benfica afinal?
R. O Benfica estava ganhando de 0-1 quando apitei um pênalti em favor do Rio Ave, dei cartão vermelho direto ao capitão do Benfica e o Rio Ave fez 2-1. Mas foram decisões acertadas. Foi uma boa partida. Pereira não me telefonou desde então, e também não me nomeou para o Benfica-Oporto.
P. Nunca mais telefonou depois disso?
R. Não. Ele me disse que a partida teria de correr bem para que eu fosse nomeado árbitro do Benfica-Oporto. Fiz uma boa partida, mas não fui nomeado. Então o que quer dizer é que, para ele, uma boa partida é aquela em que ganha o Benfica.
P. Isso tinha acontecido outras vezes, de Pereira telefonar antes de uma partida do Benfica?
R. Antes do Braga-Benfica foi, mais ou menos, a mesma conversa. Disse-me que a partida tinha corrido bem e que “não me importasse com o barulho que vinha do banco”. Me disse isso porque, no Boavista-Benfica anterior, mostrei o cartão vermelho ao treinador do Benfica no descanso. Pereira tinha medo de que eu fazer isso outra vez.
P. Seria correto afirmar que Vitor Pereira telefona aos árbitros para pressioná-los a tratar bem do Benfica?
R. Ele telefona aos árbitros só antes das partidas do Benfica. Não faz isso em nenhum outra partida de nenhum outro clube.
P. Por que você não denunciou o caso à Justiça?
R. Denunciei à Federação e eles enviaram a denúncia ao Comitê Disciplinar da Liga Portuguesa. Na semana passada prestei depoimento.
P. Como são escolhidos os árbitros para as partidas em Portugal?
R. É Vitor Pereira o que tem total liberdade para escolher quem gosta.
P. E não há um clima ruim entre os árbitros por causa dessas atitudes do presidente do Conselho de Arbitragem?
R. Sim, mas têm medo de denunciá-lo e de que Pereira acabe com suas carreiras como acabou com a minha. Para eles, sou um exemplo do que pode acontecer. Eu era árbitro internacional e nunca na história de Portugal um árbitro internacional tinha sido rebaixado para a segunda divisão.
P. Dá para viver de arbitragem em Portugal?
R. É perfeitamente suficiente para viver, e bem. Eu sou da ilha da Madeira e todas as partidas que arbitrava eram no continente. Ia e vinha de avião e investia muito tempo, por isso não podia ter outra atividade profissional fora a arbitragem.
P. Quanto pode ganhar um árbitro internacional por ano em Portugal?
R. Depende das partidas. Mas ganha um salário de 2.500 euros fixos por mês. Além disso, 1.200 por partida da Primeira, e 800 na Segunda. Não dá para ficar rico...
P. Seu relato tem alguma relação com as queixas do Oporto de que o Benfica joga quase sempre em superioridade numérica?
R. Não posso afirmar que sim. Estaria dizendo que meus companheiros cederam à pressão do Pereira. Mas é normal que uma pessoa que veja toda essa situação de fora tire essas conclusões. O que posso dizer é que Pereira telefona para os árbitros antes das partidas do Benfica. Mas se isso tem efeito no campo de jogo, não posso afirmar.
P. Você tem conhecimento de que, em algum momento, se tenha movimentado dinheiro para favorecer o Benfica?
R. Eu acredito que não. Eu gostaria que ficasse claro que o Benfica nunca me telefonou ou contatou para pedir nada. Nunca! Fui árbitro da Primeira durante nove anos e nem o Benfica, nem nenhum clube, me fizeram esse tipo de oferta para que o beneficiasse. Eu acredito que é uma iniciativa do próprio Vitor Pereira com o interesse de agradar ao único clube que o apoia.
P. Quanto ganha Pereira como presidente do Conselho Arbitral?
R. Dizem que 8.000 euros por mês, mas não tenho certeza.
P. Por que os outros clubes não atuam diante dessa situação?
R. Eu acredito que o fazem, e que por isso não o apoiam.
P. Como acredita que o futebol português reagirá ao que está contando? É grave...
R. Por isso escolhi o AS, por ser de fora de Portugal e ter um grande nome internacional. Assim terá mais impacto em Portugal e no resto do mundo.
P. Foi difícil tomar a decisão de deixar a arbitragem?
R. Precisava deixá-la para denunciar o que está acontecendo. Não podia fazê-lo como árbitro, porque há sanções contra os árbitros que criticam o Conselho Arbitral publicamente.
P. Fica uma dúvida, por que Vitor Pereira o nomeou para a final da Copa se tinha pensado em rebaixá-lo?
R. Fez isso porque era uma partida de máxima rivalidade e muito quente; se eu apitasse mal, tinha um motivo para me rebaixar. O problema foi que apitei bem e ficou sem argumentos. Fui o primeiro e único árbitro internacional da história da Madeira. Para mim fica esse orgulho...
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