‘Bicos’ para fechar as contas no azul
Genésio de Sousa virou "marido de aluguel" desde que perdeu o emprego de zelador Antônio de Souza passou a vender sorvetes na rua quando a empresa onde trabalhava faliu
No começo de 2014, Genésio Gonçalves de Sousa juntou as economias de 19 anos de trabalho como zelador em um edifício residencial e realizou o sonho da casa própria, financiando o primeiro imóvel da família em 300 parcelas. Na ocasião, Sousa ainda morava com a esposa e as duas filhas no apartamento reservado para o zelador, que fica na garagem do próprio prédio onde trabalhava, o edifício Felipe, no centro de Guarulhos, na Grande São Paulo. A ideia inicial, portanto, era a de garantir uma renda extra com o aluguel do imóvel novo assim que as chaves fossem entregues e, claro, deixar um patrimônio para as filhas no futuro, que nasceram e cresceram no “escritório” do pai.
A estratégia tinha tudo para dar certo. Mas, em junho deste ano, Sousa foi demitido sem justa causa. Enquanto ouvia do atual síndico que as despesas do edifício estavam impagáveis e que era preciso cortar custos, surgiram as primeiras preocupações. Aos 50 anos, é mais difícil conseguir um emprego novo. Ainda assim, sempre soube se virar. Desde que deixou Vitória da Conquista, na Bahia, para trabalhar em São Paulo, nos anos 1970 fez bicos em obras e sabe fazer reformas, pintar paredes, consertar sistemas elétricos e hidráulicos.
O que mais afligiu Sousa naquele momento foi outra coisa. Teria de desocupar o apartamento do zelador a que tinha direito na função que exercia. Porém, não poderia se mudar para o imóvel que comprou, também no centro de Guarulhos. Ficaria disponível somente em janeiro do ano que vem. “Ao mesmo tempo que fiquei desempregado, fiquei sem ter onde morar”, conta.
Fez, então um acordo com uma das inquilinas do prédio, a quem conhecia desde criança. O apartamento, que ela herdou da mãe, estava vazio, pronto para venda. Até o final do ano, Sousa poderá ocupá-lo, com a contrapartida de arcar com as despesas básicas, como condomínio, água e luz.
“Eu nunca paguei conta de luz. Agora pago 180 reais por mês. Pago condomínio também, de 600 reais. Ainda tem as prestações do apartamento, do carro, alimentação e gasolina, que agora aumentou. As compras do supermercado não saem por menos de 700 reais por mês”, calcula. “Nossa sorte é que minha esposa trabalha como confeiteira em uma padaria. Ela está arcando com as contas da casa sozinha, com um salário de quase 1.500 reais”.
Em três meses, a renda da família caiu pela metade. Hoje, o ex-zelador está complementando a renda como 'marido de aluguel', fazendo bicos de reparo e reforma na casa de clientes. Mas o dinheiro que consegue varia muito a cada mês. “No primeiro mês fiz quase 1000 reais. Já em setembro não juntei mais que 600 reais”, afirma. Como zelador, ele recebia 1.700 por mês. A rescisão que recebeu na demissão é o que tem ajudado a fechar as contas no azul.
Mesmo sentindo dificuldades em pagar as prestações do imóvel - das quais já quitou 18, no valor de 770 reais cada, Sousa não pensa em entregar o apartamento. “A crise me pegou, mas eu vou me virar como sempre fiz. Estou fazendo uns ‘bicos’ e distribuindo currículos enquanto isso”, afirma. Em três meses, ele conta que foi a quatro administradoras de condomínios e a doze edifícios conversar com os síndicos. “Em uma das empresas, tinha uns cinco zeladores na fila, antes de mim, também desempregados. Ainda não fui chamado para nenhuma entrevista, o que não é normal para alguém que tem 19 anos de experiência na área”, desabafa.
Por enquanto, está concentrando as buscas por emprego em condomínios. “Já pensei em ir para outras áreas. Mas para fazer o quê? Tenho só até a oitava série. No que me chamarem eu vou. Porteiro, zelador… faço qualquer coisa porque eu preciso”.
Ainda assim, Sousa não cogita voltar a morar com a família na Bahia, mas visita os parentes a cada quatro anos. “Não sobra dinheiro para ir sempre”, complementa.
Saudades do Piauí
Desde que perdeu o emprego, em janeiro deste ano, quando a empreiteira onde trabalhava fechou as portas, o piauense Antônio Gomes de Souza, de 62 anos, vende picolé no terminal de ônibus da Estação Armênia, zona central de São Paulo. Não se lembra exatamente quando deixou a cidade de Esperantina rumo à capital paulista, mas por mais de 30 anos trabalhou em canteiros de obra. Seu último cargo foi como apontador, a pessoa responsável pela gestão dos materiais de construção. Em 2014, contudo, sofreu um derrame e ficou internado por quatro meses, afastado de suas funções por quase um ano. Quando finalmente retornou ao trabalho, em janeiro deste ano, soube que a empreiteira não existia mais.
A dificuldade em encontrar um outro emprego na área, visto que não tinha mais a mesma condição de carregar materiais, como fazia antes do derrame, somada à necessidade de pagar as contas em dia, levou Souza a comprar um carrinho de picolé, por 600 reais, e sobreviver com a venda do produto nas ruas.“Comecei com um isopor de picolé, mas eu não conseguia carregar o peso e ficar muito tempo em pé”, explica. Com o carrinho, pode se fixar em um ponto da cidade e vender os sorvetes para as milhares de pessoas que passam todos os dias pelos terminais. Somente no Terminal Armênia, trafegam mais de 20.000 pessoas nos horários de pico, conforme estimativas do Metrô.
As vendas variam muito por mês. Em dias de intenso calor, consegue vender até 100 picolés, cada um a dois reais. O produto ele compra no Bom Retiro, por 25 centavos cada. Naquela manhã de primavera, de 25 graus, conseguiu vender cerca de 40 sorvetes, trabalhando das 7h às 12h. “Tem mês que eu consigo 1.000 reais. Se for um mês de inverno, pode ser que eu venda só metade”, conta.
O aluguel, de um quarto individual na Santa Ifigênia, subiu. “Estava 330 reais no final do ano passado. Hoje eu pago 400 reais. Em janeiro a proprietária sempre sobe, coloca o preço que bem quer”, diz. O prédio fica na Rua do Triunfo, a três quilômetros de onde decidiu trabalhar. O percurso, faz de metrô, partindo da Estação da Luz.
“A polícia já levou um carrinho meu. Tive um baita prejuízo, pois não tinha vendido quase nada no dia e ainda precisei comprar outro carrinho, lá na Rua Paula Sousa, conta.
Se não conseguir um emprego até dezembro, pensa em voltar para o Piauí. “Aqui está muito difícil, tudo muito caro. Moro sozinho, então o que eu gasto é só comigo, mas mando um dinheirinho quase todo mês para a minha família que ficou em Esperantina ”, diz.
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