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Papa foi muito duro contra o aborto quando era líder da Igreja argentina

Francisco se opunha até à interrupção da gravidez em caso de estupro Sua postura contribuiu para que o país tenha lei restritiva

Carlos E. Cué
O papa Francisco no Vaticano, nesta quarta-feira.
O papa Francisco no Vaticano, nesta quarta-feira.VINCENZO PINTO (AFP)

Cada vez que o papa Francisco surpreende o mundo com uma decisão polêmica em relação a assuntos sensíveis, como o aborto e a homossexualidade, na Argentina milhares de pessoas ficam ainda mais assustadas. São todos aqueles que lutaram a favor da descriminalização do aborto ou da legalização do casamento homossexual, e que encontraram pela frente um duríssimo Jorge Bergoglio quando ele era líder dos bispos argentinos. Sua imagem, à época, era a de um homem muito conservador, e sua influência fez a Argentina ter uma lei de aborto ainda hoje muito restritiva – apenas em casos de estupro ou de perigo para a vida da mãe. A lei, além disso, é aplicada de maneira ainda mais limitada em muitas províncias por causa da pressão da Igreja argentina e do que está à sua volta.

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Neste país são realizados cerca de 500.000 abortos por ano, e a maioria é clandestina. Segundo diversos estudos não oficiais (já que não existem dados públicos), isso provoca uma centena de mortes a cada ano. Por isso, a mudança de opinião do Papa é estranhada em seu país de origem, e alguns acreditam que se trata de algo apenas cosmético, para melhorar a imagem da Igreja.

A última amostra do ativismo anti-aborto de Bergoglio é recente. Em 12 de setembro de 2012, seis meses antes de ser eleito Papa, o então arcebispo de Buenos Aires se opôs com firmeza a uma sentença da Suprema Corte argentina, que, baseando-se no caso de uma menina de 15 anos estuprada pelo padrasto, determinou que os abortos por estupro não são puníveis. “As leis configuram a cultura dos povos, e uma legislação que não protege a vida favorece uma ‘cultura da morte’”, indignou-se Bergoglio depois de criticar o tribunal por “excedido suas competências incitando a aprovar protocolos”, em um confronto direto com os juízes.

A pressão foi tão forte que Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires e hoje candidato presidencial, um homem conservador e próximo à Igreja, vetou uma lei que instalava na capital argentina o espírito dessa sentença da Suprema Corte. Nesse assunto, o Papa contou também com o apoio de Cristina Kirchner que, ao contrário de seu marido, Néstor Kirchner, é muito católica e forte crítica ao aborto.

Na Argentina, Bergoglio era uma grande referência do conservadorismo Andrea D’Atri, fundadora do movimento Pão e Rosas

“O discurso atual do Papa é um avanço, mas seria importante que ele pedisse à hierarquia da Igreja argentina que flexibilizasse sua posição. Porque eles são os responsáveis pelo fato de na Argentina o aborto clandestino ser a principal causa da morte materna”, afirma Silvia Juliá, diretora da associação Católicas pelo Direito de Decidir. “Estamos trabalhando há 20 anos dentro da Igreja para tentar mudar a posição, para que entendam que essas mulheres – a maioria de católicas que querem continuar sendo católicas – devem ser ajudadas. Elas encontram compreensão em muitos padres dos vilarejos ou dos bairros das grandes cidades, mas não há hierarquia. Antes, com Bergoglio e agora com outros, essa hierarquia se opõe radicalmente ao aborto, até mesmo em casos de estupro. Hoje, por sorte, o Papa aprendeu que é um líder mundial e precisa ter um olhar mais amplo. Que ele diga o mesmo para os bispos daqui”, insiste.

Ainda mais dura é Andrea D’Atri, fundadora do movimento Pão e Rosas, a favor dos direitos das mulheres e que tem presença em vários países. “Na Argentina, Bergoglio era uma grande referência do conservadorismo. Por exemplo, ele agora conseguiu, em um pacto com o Governo, que o Código Civil recém-aprovado inclua a ideia da vida desde a concepção, o que dificultará futuras legislações sobre o aborto. Por culpa da pressão da Igreja argentina, há muita confusão, e várias províncias se negam a aplicar a sentença da Suprema Corte. E uma mudança apenas discursiva e demagógica. Seria muito mais importante ele realmente mudar a posição da Igreja argentina em muitas províncias”, sentencia. As diferenças entre o argentino Bergoglio e o universal Francisco ficam, assim, mais do que evidentes para quem conheceu sua trajetória como padre no país.

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