O retorno de Penélope Cruz
A mais internacional atriz espanhola volta ao cinema dirigida por Julio Medem
Em um abafado meio-dia do interior da Espanha, Penélope Cruz aparece fresca e sorridente. Sua assessora de imprensa no país acaba de comprar uma edição da A Poética, de Aristóteles (“é necessário preferir o impossível verossímil do que o possível inacreditável”, diz essa bíblia da dramaturgia), cuja filosófica eloquência está em cima da mesa, ao lado de um copo de água que a atriz não beberá. Está radiante aos seus 41 anos, mas ela se desculpa se por acaso estiver com algum sinal de cansaço no rosto. “Minha filha pequena, coitada, teve uma noite ruim e eu quase não dormi”. Cruz pousou há alguns dias em Madri depois de terminar em Roma a filmagem de Zoolander 2. Foram mais de dois meses de imersão com Ben Stiller e Owen Wilson em uma comédia pastelão com uma das equipes mais “divertidas” das quais se lembra. Uma gargalhada cortada pela repentina morte de seu pai, Eduardo Cruz, no final de junho. O golpe lhe deixou uma memória difusa desse trabalho, “tenho uma espécie de neblina ao redor daqueles dias de filmagem, foi muito difícil, só me lembro de muito barulho e muito estresse. Todo mundo passa por isso, mas não deixa de ser estranho que em um momento como esse uma câmera te enfoque e você precise fazer rir”.
Perto do lançamento e da estreia de Ma ma, o filme de Julio Medem que ela produz e protagoniza, a atriz espanhola mais reconhecida no mundo se prepara para um período carregado de projetos invejáveis: Escobar, o filme de Fernando León de Aranoa no qual interpretará Virginia Vallejo, jornalista, modelo e amante do chefe do cartel de Medellín, interpretado por seu companheiro, Javier Bardem; A Rainha da Espanha, segunda parte de A Menina de Teus Olhos, outra vez como uma estrela do pós-guerra dirigida por Fernando Trueba; e será protagonista do último longa-metragem do mestre iraniano Asghar Farhadi, diretor do vencedor do Oscar A Separação. Em apenas um ano, a veremos interpretar personagens tão diferentes que será difícil lembrar que ao final de todos eles está a mulher que hoje, com a cara lavada, dá uma respirada antes de falar.
"Ela é racional e muito meticulosa”, disse a médica que a assessorou no papel de doente com câncer de mama
“Não, não, claro que não me queixo; nunca faço isso”, diz com um sorriso ao repassar sua agenda apertada para os próximos meses. Ma ma estreia em 11 de setembro, o filme que significa sua volta ao cinema espanhol depois de seis anos sem papéis de protagonismo em seu país. O último foi em Abraços Partidos (2009), de Pedro Almodóvar; agora é dirigida por Julio Medem. O diretor de Lucía e o Sexo tentou contar com ela em três projetos anteriores, mas a colaboração não foi para frente. Finalmente, saiu da gaveta um roteiro que encantou a atriz: a história de uma mulher com câncer que, sozinha e com um filho pequeno, consegue construir uma vida nova e uma nova família apesar de estar próxima da morte. “Uma mulher exemplar, que enfrenta uma situação complicadíssima de uma maneira positiva, mas não de forma superficial, não como alguém que não aceita a realidade, pelo contrário. É uma pessoa corajosa, que fica grávida enquanto luta contra o câncer e decide seguir adiante mesmo que isso encurte sua vida. É um filme duro, mas não deprimente, pelo contrário. É uma lição de vida, de como aproveitar cada minuto com calma e plenitude”, explica a atriz.
Ma ma mostra o processo da doença “sem rodeios”, com uma naturalidade “e dignidade” que Cruz trabalhou ao lado da ginecologista Elena Carrillo, da clínica Ruber Internacional, na Espanha. “Julio tinha seu médico assim como eu, e depois comparávamos nossa informação. Elena é uma boa amiga e me ajudou demais”. Elena Carrillo trouxe informação da Associação Espanhola contra o Câncer, da Sociedade Espanhola de Patologia Mamária e do National Cancer Institute. “Penélope conversou com diferentes pacientes que tiveram ou tinham câncer de mama em suas diferentes etapas”, lembra a ginecologista. “Ela é muito racional e meticulosa e gosta sempre de tentar entender os diferentes processos médicos. Nesse sentido, sua documentação foi exaustiva. Mas o que mais chamou minha atenção foi sua necessidade e interesse em conhecer pacientes que passaram ou estavam passando por esse processo para poder entendê-lo e poder interpretar essa experiência no filme”.
“Falei com mulheres que tiveram câncer e conseguiram superá-lo ou que, como minha personagem, tiveram uma recaída após um tempo”, continua a atriz. “Todas me mostraram suas cicatrizes e seu coração, me guiaram ao longo dessa viagem, me explicando desde as mudanças hormonais provocadas por uma quimioterapia até muitos detalhes que existem por trás da doença desconhecidos pela maioria. Sem elas eu não teria entendido nada, e por isso o filme é para elas”.
'Ma ma'
Estreia: 11 de setembro.
Gênero: Drama.
Diretor: Julio Medem.
Elenco: Penélope Cruz, Luis Tosar, Asier Etxeandia, Teo Planell e Silvia Abascal.
Música: Alberto Iglesias.
Fotografia: Kiko de la Rica.
Produtora: Morena Films.
Sobre a dualidade atriz-produtora, Penélope Cruz afirma que conseguiu um equilíbrio entre criatividade e responsabilidade que a assustava no começo. O filme, produzido do zero por ela e pelo próprio Medem, encontrou financiamento rápido. Vendido a 25 países, 15 o compraram antes do final das filmagens. “Nesse projeto eu fui três pessoas em uma: fui Magda, a personagem; fui a produtora e, depois, no pouco tempo que me restava, fui eu mesma. Quando filmávamos, eu e Julio só éramos atriz e diretor. Mas também dissemos as coisas, fomos muito honestos, discutimos às vezes durante horas, mas no final sempre estivemos de acordo, remamos na mesma direção e foi maravilhoso trabalharmos juntos”.
Ela estende o clima agradável ao restante da equipe e a cumplicidade com os outros dois atores, Luis Tosar e Asier Etxeandia. “Foi uma filmagem muito fácil porque não se trata de uma história deprimente e obscura. Eu precisava estar mais em conexão com a luz do que com o medo. Mas é certo que a viagem me afetou mais do que eu pensava e quando terminamos não pude sequer aproveitar a festa do final das filmagens. Fiquei perdida, muito confusa. E é algo que não costuma me acontecer, eu ficaria louca. Mas a verdade é que durou várias semanas, foram sensações muito estranhas, algumas muito desagradáveis. Não previ, mas acabei emocionalmente esgotada”.
É estranho que após a morte de seu pai uma câmera te enfoque e você precise fazer rir
Quando terminar a divulgação de Ma ma, chegará o tsunami de Zoolander 2, que vai estrear em fevereiro de 2016, mas cujo trabalho de promoção para os Estados Unidos começa em poucas semanas. A enorme expectativa que despertou o retorno, 10 anos após o original, desta paródia do mundo da moda promete marcar de novo época com sua audácia pós-moderna. “Lembro que recebi um telefonema de Ben Stiller, quando ele estava comprando fraldas em um supermercado. Não podia acreditar. Não o conhecia, mas para mim Zoolander, como para muitos, é um filme lendário, de culto, já vi muitas vezes... Ele acha muito engraçado como pronuncio Zoolander, que é como se diz na Espanha, com o zê forte. Assim, a minha personagem é uma espanhola, uma agente da Divisão de Interpol de Moda com acesso a todo modelito de qualquer designer, que anda de moto por Roma. Ri tanto durante a filmagem de um modo que não foi normal, e vê-lo dirigindo e atuando foi maravilhoso, muda o chip em um segundo! Ele, Mugato [personagem interpretado por Will Ferrell], Kristen Wiig... todos são tão engraçados. Só vou dizer que o filme começa com Justin Bieber”.
A atmosfera festiva foi perdida com a morte da mãe de Ben Stiller durante a filmagem e, em seguida, com a do pai da atriz. “Foi tudo muito estranho. Quando aconteceu o problema com Ben a gravação foi interrompida por alguns dias. Eu olhava para ele e me perguntava como ele poderia voltar ao trabalho depois de algo assim. Mal sabia que três semanas mais tarde eu iria passar pela mesma situação. É muito recente e custa muito falar sobre isso. Meu pai era muito jovem [62 anos] e éramos muito unidos, sempre, ele viajou comigo muitas vezes. Voltar para a filmagem foi muito difícil, e mais ainda porque era uma comédia, uma situação surrealista, jamais tinha visto nada nem remotamente parecido. Ainda por cima nesses dias eu tinha muitas sequências de diálogo e não conseguia me concentrar. Só posso dizer que cuidaram muito de mim, foram muito gentis comigo. Teria preferido ficar em casa para digerir pelo menos um pouco o que tinha acontecido, embora acho que nunca irei poder assimilar tudo, mas não dá para paralisar mais de quatro dias uma filmagem com tantas famílias envolvidas e eu não quero ser diferente dos outros”.
Madri se tornou o centro de operações dela (“sinto-me muito confortável aqui”), onde descansa ao lado de sua família, vive com seu habitual recato o luto e trabalha nos dois personagens que vai filmar no próximo ano. Voltará a ser Macarena Granada, a bela cantora folclórica do pós-guerra que triunfa na Espanha de Franco, na segunda parte de A Menina de Teus Olhos (1998). Com o título de A Rainha da Espanha, o filme reúne alguns de seus melhores amigos da indústria espanhola: “Há alguns meses, fizemos uma leitura do roteiro e foi como se o tempo não tivesse passado. Vi claramente que vamos nos divertir muito. Todos estamos muito entusiasmados com esse filme.”
Também será Virginia Vallejo, amante por mais de uma década de Pablo Escobar, autora do livro de memórias Amando a Pablo, odiando a Escobar. Uma mulher linda dos anos oitenta que ainda está viva, uma estrela da televisão colombiana de boa família que, ao lado do chefe do cartel de Medellín, começou a nadar entre joias e cadáveres. Vallejo e Escobar se conheceram na Hacienda Nápoles, o forte-zoológico do traficante, onde chamou a atenção dela o poder e a baixa estatura dele. A própria Vallejo relatou que Escobar a salvou de morrer afogada em um rio naquela tarde e que esse incidente o transformou em um herói aos olhos dela. Mas o ciúme do traficante, um homem de origem muito humilde, casado e com dois filhos, acabou com o relacionamento.
Em breve vai filmar “Escobar” com Javier Bardem: “Sinto frio na barriga de trabalhar com ele”
Até o momento, Bardem e Cruz – que, em 1992, compartilharam as telas em Jamón, Jamón, de Bigas Luna, e Vicky Cristina Barcelona (2008), de Woody Allen – tinham evitado interpretar juntos outra ficção na tela. Só coincidiram em O Conselheiro do Crime (2013), de Ridley Scott, mas sem se cruzar durante as filmagens. “A verdade é que não sei como surgiu, mas afinal vamos trabalhar juntos, de forma natural e nada forçada. Também não significa que vamos voltar a fazer isso. É um roteiro maravilhoso de Fernando [León de Aranoa], e tudo se encaixa e faz sentido que estejamos os dois. Não tenho medo de trabalhar com Javier, mas sinto um frio na barriga. É uma situação muito nova para os dois, mas acho que podemos desfrutar do trabalho. Ao serem dois personagens reais é preciso pesquisar muito e isso vai ser interessante. Temos de ir muito seguros para ser fácil e agradável. Cada um vai preparar à sua maneira, é claro, mas tenho certeza de que vai sair tudo bem, vamos saber separar bem as coisas.”
Cada vez mais dona de si mesma, Penélope Cruz vê a passagem do tempo como uma carta a seu favor. Envelhecer na tela, diz, nunca foi uma de suas preocupações. Além disso, também tem suas referências para seguir um roteiro que nem sempre é fácil para uma atriz. “Eu achava ridículo quando, nos Estados Unidos, aos 25 anos me perguntavam se tinha medo de fazer aniversário. Com 25 anos! Era absurdo e minha pequena maneira de combater isso era ignorar e tentar não responder essas perguntas. Felizmente, aqui é diferente, ou pelo menos é assim que vejo, e a pressão por ficar velha é menor. Para mim, [a atriz espanhola] Ángela Molina é um exemplo de como envelhecer. Não dá para ser mais bonita. Outro modelo, embora muito diferentes, Sophia Loren, com quem trabalhei em Nine. Não é um problema de retoques, mas de ser uma mulher que se respeita e deixa de lados as besteiras. Sophia é uma daquelas mulheres que fala com você de coisas reais. Lembro que naquela filmagem, além de se preocupar com o que eu comia todos os dias, e olha que como muito, me dizia com orgulho que não passava um dia sem que seus filhos ligassem. É uma mulher feliz, que tem muito claro o que é importante e o que não é.”
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