As últimas cartas de grandes escritores
O que autores como Hemingway, Plath, Lorca e Faulkner escreveram antes de morrer
Estes escritores alcançaram a imortalidade com suas obras, mas isto não impediu que sua hora chegasse. Antes houve uma última carta, um efêmero legado que todo escritor inevitavelmente deixou e do qual recuperamos uma pequena seleção.
"A paisagem é linda por aqui, e tive a oportunidade de ver parte do maravilhoso campo ao longo do Mississippi, onde costumavam transportar os troncos nos velhos tempos da indústria madeireira, e as rotas por onde chegaram os primeiros colonos do norte. (...) Não sabia nada do alto Mississippi até agora, e realmente é um país maravilhoso, que se enche de faisões e patos quando o outono chega.
(…)
Meus melhores desejos para toda a família. Estou bem e muito contente pelas coisas em geral, com vontade de ver todos vocês em breve.
Papai"
Extrato das 210 últimas palavras que Ernest Hemingway enviou pelo correio pela última vez. Dirigiam-se ao filho de um amigo, de 9 anos, doente do coração. Foram escritas 17 cartas antes de seu suicídio e, segundo Paul Hendrickson – que explora o tema em seu livro Hemingway’s Boat: Everything He Loved in Life, and Lost – são uma prova de beleza, coragem e lucidez.
"4 de fevereiro, 1963
Querida mãe,
(...) Eu jamais poderia ser autossuficiente nos Estados Unidos; aqui tenho os melhores médicos completamente grátis e, com crianças, isto é uma verdadeira bênção. Além disso, Ted [Hughes] vê as crianças uma vez por semana e isto faz com que se sinta mais responsável na hora de pagar a pensão. Simplesmente, terei que continuar aqui me virando sozinha.
(...) Agora as crianças precisam de mim mais do que nunca, de modo que durante mais alguns anos tentarei continuar escrevendo de manhã e dedicando-me a elas durante a tarde, e verei meus amigos ou lerei e estudarei de noite.
Começarei a ir à consulta de uma doutora, também a cargo da Seguridade Social, que me recomendou um médico do bairro muito bom que conheço, e confio que me ajudará a superar esses tempos difíceis. Mande meu beijo carinhoso a todos.
Sivvy"
Uma semana separa a última carta de Sylvia Plath (1932-1963) da noite, segunda-feira, lua quase cheia, em que abriu a válvula de gás do forno e enfiou ali a cabeça até morrer intoxicada. Seu ex-companheiro, o poeta Ted Hughes, havia definido a escritura de cartas como “um excelente treinamento para aprender a conversar com o mundo”. Não sabia que também servia para se despedir dele. Excelente escritor de cartas, Hughes redigiu textos secos e frios para comunicar a notícia fatal:
"Querida Olwyn:
Na segunda-feira de manhã, às 6 da madrugada, Sylvia se suicidou asfixiando-se com gás. O funeral será em Heptonstall na segunda que vem. Ela me pediu ajuda, como muitas vezes fazia. Eu era a única pessoa que podia tê-la ajudado, e a única tão cansada de suas exigências que não foi capaz de reconhecer quando realmente precisava de ajuda. Escreverei mais para você depois.
Com carinho,
Ted"
[Cartas de Arthur Rimbaud, extraídas, respectivamente, dos livros Cartas a mi madre, Mondadori, 2000, e Postdata: historia curiosa de la correspondencia, de Simon Garfiel, Taurus, 2015]
"Áden, 30 de abril de 1891
Minha querida mamãe,
(...)
Estou prostrado, com a perna vendada, atado, amarrado, acorrentado para que não possa mexê-la. Me transformei num esqueleto: dou medo. A cama acabou provocando feridas na minhas costas: não consigo dormir nem um minuto. E aqui o calor é muito forte. A comida do hospital, apesar do preço que pago por ela, é muito ruim. Não sei o que fazer.
(…)
Não se assustem com tudo isso. Dias melhores virão. É uma triste recompensa depois de tanto trabalho, privações e penas. Ai, que miserável é nossa vida!
Rimbaud"
Três semanas depois, o autor de Uma Temporada no Inferno sofreria a amputação de sua perna doente, após chegar a Marselha. Mas cortar o mal pela raiz não surtiu efeito no seu caso, porque a infecção cancerosa se alastrou e ele morreu meses depois, em novembro de 1890. Na véspera, em pleno delírio, deixou uma nota dirigida ao diretor do correio marítimo de Marselha, que dizia:
"Estou completamente paralisado. Portanto, desejo estar a bordo ao raiar do dia. Diga-me a que horas devem me levar a bordo".
[Cartas extraídas de Cartas de África, Gallo Nero, 2012]
"Paris, 15 de março de 1938.
Meu prezado e recordado amigo:
Um terrível abatimento me deixou prostrado de cama há um mês, e os médicos não sabem quanto ainda conseguirei seguir assim. Preciso de um longo tratamento e, como estou sem recursos para prossegui-lo, pensei no senhor, don Luis José, no grande amigo de sempre, para pedir a sua ajuda a meu favor. Em nome de nossa velha e inalterável amizade, permito-me esperar que o querido amigo de tantos anos me estenderá a mão, como uma nova prova deste nobre e generoso espírito que sempre o animou e que todos conhecemos.
Agradeço de antemão, com um abraço apertado, seu firme e invariável amigo.
César Vallejo"
Autor de Trilce, o peruano César Vallejo deixou uma última carta que revela suas dificuldades econômicas, graves a ponto de ter que passar pela humilhação de pedir dinheiro emprestado a um amigo. Morreria num abril chuvoso e melancólico, de paludismo, em 15 de abril de 1938, em Paris.
[Carta extraída de Correspondencia completa, Univ. Católica do Peru, 2002]
TELEGRAMA
A Linton MasseyMRS MASSEY2 de julho de 1962. Oxford
"AINDA NÃO É NECESSÁRIA A ENTREVISTA. SÓ QUERIA UMA GARANTIA ALÉM DE KLOPFER ANTES DE DECIDIR CONTINUAR. PODERIA SOZINHO, MAS ISSO EVITA RISCO DE POSSÍVEL SACRIFÍCIO NO TRATO ATUAL PARA CUMPRIR PRAZO. DEUS TE ABENÇOE. BILL".
[William Faulkner]
Prêmio Nobel de 1949, William Faulkner não pôde redigir uma última carta mais literária ou sentida. Não esperava, nem intuía, que um ataque do coração acabaria com sua vida em 6 de julho de 1962.
[Carta extraída de Cartas escogidas, Alfaguara, 2012]
"Astapovo, 1 de novembro de 1910,
Filhos queridos, Seriozha e Tânia:
Agradeço seus bons sentimentos por mim. Não sei se estou me despedindo ou não, mas de repente senti a necessidade de dizer o que acabo de dizer. Queria acrescentar um conselho para ti, Seriozha [filho], que penses em tua vida, em quem és, em qual é o sentido da vida humana e como deve vivê-la todo ser racional.
Essa ideias que assimilaste sobre o darwinismo, a evolução e a luta pela existência não te explicarão o sentido de tua vida nem te darão uma orientação para os teus atos, e uma vida sem explicação de seu significado e seu sentido, e sem a orientação inalterável que dela se desprende, é uma existência lamentável.
(…)
Adeus, tentem tranquilizar mamãe, por quem tenho compaixão e a quem amo sinceramente".
Três semanas depois, em 20 de novembro de 1910, Leon Tolstói morria em um excêntrico esconderijo, símbolo da austeridade, habilitado para ele, a pedido seu, na estação de Astapovo.
[Carta extraída de Correspondencia, El Acantilado, 2008]
"Eu sua carta há coisas que não deve, não pode pensar. Você vale muito e tem que ter a sua recompensa. Pense no que puder fazer e me comunique logo para que possa ajudá-lo no que for, mas aja com grande cautela. Estou muito preocupado, mas, como conheço você, sei que vencerá todas as dificuldades porque tem energia de sobra, graça e alegria, como dizemos nós, flamengos, para parar um trem.
Com sua data fatídica, 18 de julho de 1936, esta é considerada a última carta do poeta de Granada, uma descoberta recente que inclui um poema inédito. Seu destinatário, Juan Ramírez de Lucas, era um jovem de 19 anos com quem Lorca pensava fugir para o México, numa história que já ganhou um romance. Mas como Lucas era menor de idade, isso não era tão fácil e Lorca optou por esperar...
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