Tribunal Arbitral do Esporte anula leis para determinar o sexo de atletas
Vitória de atleta indiana discriminada por produzir muito testosterona muda leis esportivas
![Carlos Arribas](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/https%3A%2F%2Fs3.amazonaws.com%2Farc-authors%2Fprisa%2Fe3f9d365-91a0-4554-a5c4-70f3bf1ea029.png?auth=e6426bc0be73ca7a1a032b8f3a5a8f5479303facc987fc5270aa197eb094c06b&width=100&height=100&smart=true)
![A atleta Dutee Chand, em outubro de 2014.](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/WAZMKLOW5IC5DO7A5VMMVZQLHY.jpg?auth=b12bd87b7f6adb176c3bebd8379b2e76ddd776f4d91e20a224d5dbf002baee7a&width=414)
Trinta anos depois de ser excluída do atletismo e humilhada publicamente porque seu corpo produzia mais testosterona do que a maioria das mulheres, a atleta espanhola María José Martínez Patiño, e com ela muitas outras as atletas, obteve uma grande vitória contra a discriminação, na pessoa de uma jovem atleta indiana. Dutee Chand, de 18 anos, campeã asiática júnior dos 200 metros, fez a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) retirar as normas sobre a excessiva produção de testosterona como critério para determinar o gênero e decidir quem pode competir na categoria feminina. Dutee Chand poderá continuar competindo com as demais mulheres e a IAAF e o Comitê Olímpico Internacional (COI), que apoiou suas regulamentações, estão com problemas para decidir quem não é mulher para competir sem vantagens injustas.
Tenho o direito de correr e competir, um direito que me foi roubado. Fui humilhada por algo de que não sou culpada Dutee Chand
A regra que o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS na sigla em francês) anulou, a chamada Lei do Hiperandrogenismo, é a mais nova tentativa das autoridades esportivas para tentar fixar um critério objetivo em um assunto, o gênero sexual. A lei, que substituiu as práticas humilhantes de reconhecimentos visuais e análises de cromossomos para determinar do sexo dos atletas, fixa que uma produção de 10 nanomoles de testosterona, o quádruplo do que é considerado normal nas mulheres, outorga vantagem competitiva. Dessa forma, as atletas que sofrem com o problema só poderiam voltar a competir se fossem submetidas a diferentes tratamentos antiandrógenos para fazer com que deixassem de produzir testosterona e operassem plasticamente os órgãos sexuais.
Dutee Chand negou-se publicamente a fazer isso. E anunciou que não o faria pois ela era como era e que assim pretendia continuar. Para a atleta, o tratamento proposto pelas autoridades do atletismo teria efeitos colaterais durante sua vida. Portanto, disse que lutaria. Lutou e ganhou.
Segundo o laudo do TAS (161 páginas, um dos mais longos elaborados pelo tribunal), a IAAF deve suspender provisoriamente, durante dois anos, a aplicação da lei até que não fique demonstrado que o excesso de produção de testosterona gere uma vantagem frente às outras mulheres. “Ainda que os eventos esportivos estejam divididos arbitrariamente em categorias feminina e masculina, o sexo no ser humano não é tão simplesmente binário: a natureza não é precisa. Não existe somente um determinante do sexo”, diz o laudo, que insta a IAAF a formular uma base de divisão que seja “razoável e proporcional”.
"A natureza não é precisa. Não existe somente um determinante do sexo”, diz o laudo
“Não é justo o que tive de enfrentar nos últimos dois anos”, disse Chand através dos advogados canadenses que a representaram. “Tenho o direito de correr e competir, um direito que me foi roubado. Fui humilhada por algo de que não sou culpada, mas estou feliz porque, graças a esse veredito, nenhuma outra atleta terá de lutar contra o que eu tive de lutar”.
Desde sua entrada em vigor, em 2011, para solucionar o problema apresentado pela atleta sul-africana Caster Semenya, a lei só foi aplicada em atletas de países em desenvolvimento.