“Não é Táxi x Uber, não é um ou outro, os dois funcionam juntos”
Porta-voz do Uber no Brasil defende plataforma e diz que inovação vem antes da legislação
Já aconteceu em Portland, em Paris e na Cidade do México. Agora é a vez do Brasil ver de perto uma das batalhas urbanas do momento: Uber X taxistas. Desde que chegou ao país, o aplicativo americano que coloca passageiros em contato com motoristas profissionais entrou na mira dos motoristas de táxis, que argumentam que o serviço é ilegal e deveria ser suspenso. Nesta sexta-feira, um novo protesto contra o aplicativo no Rio de Janeiro parou a cidade, reunindo mais de 1.300 táxis e interditando várias vias. A reação à plataforma, que hoje é a maior startup do mundo e começou a operar em quatro em Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo há um ano, ganhou até contornos de violência contra os motoristas do Uber.
Uma das principais queixas dos taxistas é o fato de os motoristas do aplicativo não pagarem os mesmos impostos e dessa forma criarem uma concorrência desleal. Em São Paulo e em Brasília já correm projetos de lei para proibir o uso da plataforma. Do outro lado, o Uber não recua e faz uma ofensiva de relações públicas. Se nos EUA, seu fundador, Travis Kalanick, faz fama de provocador e recebe reclamações sobre o suposta baixa remuneração dos motoristas associados, aqui a plataforma se cola a causas do momento como a mobilidade urbana —afirma que seu serviço ajuda a tirar mais carros da rua— e distribui picolés e viagens grátis para conquistar os clientes.
Em entrevista ao EL PAÍS, o porta-voz do Uber no Brasil, Fabio Sabba, diz que essa batalha Uber versus táxi é prejudicial. Aos taxistas enfurecidos afirma que já que há espaço para os dois serviços existirem juntos. Sabba afirma que o aplicativo não é ilegal e que apenas necessita uma regulamentação específica. "Até outro dia o Uber não existia. A inovação sempre vem primeiro e a legislação tem que vir a reboque da inovação. Não adianta argumentar que não temos licença nem alvará."
Pergunta. Os taxistas alegam que o serviço da Uber é ilegal e que os motoristas não possuem alvará. O que a empresa acha dessas acusações?
Resposta. Quando você observa a Lei de Mobilidade Urbana, ela tipifica os tipos de transporte urbano que existem. Lá está especificado o transporte urbano, o privado, o individual e o coletivo. A Uber se encaixa no transporte individual privado, mas a verdade é que não há uma regulamentação específica sobre isso. Até outro dia o Uber não existia. Você possui um serviço novo para o qual não há regulamentação. Agora a diferença de não ter uma regulamentação e ser considerado ilegal é grande. Um exemplo que vimos recentemente foi o das redes sociais. Em 2005, quando começou a febre do Orkut aqui no Brasil, havia toda uma discussão sobre os direitos autorais das fotos publicadas. Naquela época, não havia um arcabouço jurídico para sustentar tudo isso. O que veio depois foi um grande debate entre sociedade, empresas, legisladores de onde saiu o marco civil da internet. Porém, esse marco veio muitos anos depois do serviço estar funcionando. A inovação sempre vem primeiro e a legislação tem que vir a reboque da inovação. Não adianta argumentar que não temos licença nem alvará. Obviamente não temos porque não somos táxi. Somos um serviço novo.
P. Qual a diferença entre os dois serviços?
R. O táxi e o Uber são dois modelos distintos por um ser público e outro privado. Um é uma concessão do Estado e o outro é uma rede privada de transporte que basicamente conecta o usuário com o motorista. Você nunca vai ver um carro do Uber andando devagarzinho procurando passageiros. Ele só faz corridas que foram chamadas pelo aplicativo.
P. A grande discussão é que os taxistas falam em uma concorrência desleal já que consideram o serviço muito semelhante e alegam que os motoristas do Uber não pagam impostos.
R. Nós também pagamos impostos. O taxista não paga IPVA, por exemplo. Se você pega um Corolla 2014, isso significa uma isenção de 3.000 reais anuais. Se você compra um automóvel novo e tem alvará, você tem isenção de IPI e ICMS, o que já dá 30% de desconto no valor do carro. No caso do motorista da Uber, ele precisa pagar IPVA todo ano, comprar o automóvel com preço cheio, e precisa pagar impostos sobre as transações das corridas que são pagas através de cartão de crédito. Alguns pagam como MEI e outros como Simples. O ponto todo de você ter uma regulação é uniformizar isso e deixar o Estado falar qual imposto a mais temos que pagar.
Muitas vezes, temos esse paradigma de que, porque compramos um carro de 50 mil reais, temos que usá-lo o tempo inteiro
P. Então a empresa estaria disposta a pagar mais tributos?
R. Estamos completamente abertos para conversar com prefeitura e com o Governo para ver como esse serviço pode funcionar de forma adequada. Porém, se você colocar na ponta do lápis, com toda a isenção que os taxistas possuem, os motoristas do Uber pagam mais impostos. Claramente precisamos de uma regulação para acertar todos os pontos. No México, por exemplo, a nova regulação que saiu determinou que os motoristas paguem uma taxa extra. Nós queremos isso, nos adequar. Temos um time de regulação governamental que está correndo atrás disso na esfera política para tentar essa adequação. Em Boston, temos um convênio com a prefeitura que dividimos dados de trânsito exatamente para eles entenderem quais as zonas da cidade que precisam de mais transporte público. A plataforma acaba sendo um complemento muito importante para a mobilidade urbana das cidades e a rede de transporte público.
P. Em São Paulo, o veto ao Uber avançou na Câmara Municipal no mês passado.
R. Há dois projetos de lei tentando proibir o aplicativo, um em Brasília e outro em São Paulo. O que percebemos é que há um foco no Uber, quando, na verdade, há várias empresas que usam tecnologia para aplicar no trânsito. O aplicativo de trânsito Waze, por exemplo, possui um protótipo de caronas em Tel Aviv. Na Espanha, existe a plataforma de caronas Blablacar e vários outros playeres pelo mundo. Ou seja, não é apenas o Uber que está inovando. O que você vê é uma vontade muito louca de banir a tecnologia, ao invés de sentar e discutir ideias. Ao colocar uma nova tecnologia na mesa, você vai ter menos trânsito pois tira carros da rua, do lado do Estado, haverá mais impostos recolhidos e o usuário terá novas opções de se locomover. Muitas vezes, temos esse paradigma de que, porque compramos um carro de 50 mil reais, temos que usá-lo o tempo inteiro. A chegada do Uber para o motorista profissional é interessante porque ele tem uma nova opção de trabalho. Conheço gente que aluga alvará de táxi e sai de casa já devendo 250 reais. Estamos abrindo o mercado para mais empregos e mais concorrência. Já há uma discussão e não podemos simplesmente proibir.
P. Em algumas cidades o aplicativo conseguiu ser proibido, como na Espanha. Vocês estão confiantes?
Estamos abrindo o mercado para mais empregos e mais concorrência. Já há uma discussão e não podemos simplesmente proibir.
R. Na verdade, lá só funciona o UberEats que é um aplicativo de entrega de comida. No entanto, temos muitos mais exemplos de lugares que aceitaram criar uma legislação. Nos Estados Unidos, por exemplo, há 51 jurisdições a favor. A Filipinas regulou agora e a Índia e o México também. É algo novo aqui no Brasil, há um embate forte quando o serviço chega, mas o Governo depois acaba vendo que é bom para todo mundo. A nossa perspectiva é boa, estamos trabalhando para conseguir essa regulação no Brasil. A inovação sempre traz discussão, eu gosto dessa ideia de ter uma nova alternativa.
P. Qual o diferencial do Uber?
R. A grande diferença é o foco no usuário. Os motoristas parceiros acabam oferecendo um serviço que o usuário quer muito. Há uma tecnologia apoiando atrás e você tem carros legais no caso do Black ou carros menores com preços mais acessíveis, então a opção, o modelo é muito legal. O usuário só consegue chamar um carro se ele tiver cadastrado. Todos os problemas de preço e segurança você resolve através da plataforma. Coloca seu cartão. Calcula com quilometragem e tempo.
P. No entanto, os aplicativos que os taxistas usam como Easytáxi e 99Táxis também possuem algumas facilidades como poder chamar o táxi pelo aplicativo e pagar a corrida no cartão. Não é mais um diferencial, certo?
R. Eles viram pelo Uber e tentaram fazer igual. Mas há uma diferença grande entre eles sim. Essas plataformas possuem uma camada de tecnologia em cima de um sistema velho, de um sistema público que foi criado há décadas, enquanto o Uber é um sistema completamente novo. O Uber consegue aumentar ou diminuir o preço de acordo com a demanda. Tudo isso faz com que a plataforma seja diferente já que um é público e outro privado. A grande graça do negócio é que você consegue garantir todas essas coisas para o usuário usando tecnologia. Quando a regulação de mobilidade urbana foi criada, ela foi pensada também para proteger o usuário, para o cidadão saber quanto vai pagar. Com um novo modelo você está criando outro jeito do usuário se movimentar pela cidade. Aquilo foi criado lá atrás, por um motivo específico. Esses dois modelos coexistem dentro da cidade. Se você pegar, por exemplo, San Francisco e Nova York, onde o serviço do Uber já existe há 5 anos o sistema de táxi continua igual.
P. Mas há uma estimativa de que em Nova York já existam mais carros do Uber que de táxis....
R. Quando você fala de motorista parceiro da Uber, você está falando de gente que se conecta à plataforma quando tem vontade de trabalhar. É diferente uma frota de táxi que está toda na rua. Quando se fala em Uber, estamos falando de gente que trabalha de madrugada, na parte da manhã, de gente que não trabalha muitos dias da semana. Não há um horário mínimo, há uma flexibilidade enorme para os motoristas parceiros. O que vemos, por exemplo, aqui em São Paulo, são motoristas que possuem outro trabalho e utilizam o aplicativo em horários específicos para ganhar uma grana extra. Por isso, quando falamos nessa história que em Nova York há mais carros da Uber que de taxistas é relativo, porque muitas pessoas não estão sempre com os automóveis na rua como as frotas de táxi. Essa flexibilidade e a ideia de não ter um chefe são as duas coisas que mais estimulam os motoristas.
P. Quantos motoristas parceiros a empresa possui?
R. Não divulgamos o número. Não acreditamos que esse dado seja tão importante exatamente porque os motoristas não ficam o tempo todo conectados. O que medimos é o tempo médio de espera de um carro, que é o dado mais útil para o usuário. Nos bairros centrais de São Paulo, atualmente, essa demora é de cinco minutos. Se você está mais longe, aumenta o tempo de espera. Diferentemente dos aplicativos usados por taxistas, a plataforma do Uber utiliza um algoritmo que já calcula qual carro de um parceiro está mais perto de um usuário e manda uma mensagem apenas para esse motorista.
P. Nas últimas semanas vimos casos de grande violência de taxistas contra os motoristas da Uber. Como a empresa está lidando com esses atos?
R. Para o lado do parceiro, criamos um 0800 que é ligado a uma central de segurança. Assim, se um motorista tiver qualquer problema de segurança é só acionar essa central que ela já entra em contato com a polícia. Somos contra a violência em todos os níveis e ato violento é caso de polícia. Em Belo Horizonte, fizemos um processo pacífico, o Uber Love Day, em que presenteamos corridas de graça para fazer com que mais pessoas conhecessem o Uber e entrassem nesse debate. Não dá para aceitar a violência, o que precisamos é de discutir ideias. Qualquer feedback que temos de violência de um motorista da Uber, eliminamos o parceiro da plataforma. A boa notícia é que depois desse processo pacífico, houve queda de registro de violência. Essa história de Uber versus táxi é prejudicial, não é um ou outro, os dois funcionam juntos. O grande problema de várias cidades é o trânsito caótico. Se você tira o Uber da equação, isso não vai mudar.
P. Qual a aposta do Uber para melhorar o trânsito?
R. É deixar o seu carro em casa. Quando você não está com o seu carro você pensa em ir caminhando até o mercado para comprar algo, pensa em usar uma bike para o trabalho ou opta pelo metrô. Agora, se você está muito cansado ou está chovendo, você pode usa o Uber. Um automóvel do Uber bem utilizado consegue tirar de 5 a 20 carros da rua. Se você coloca o Uberpool —que é um serviço que permite que duas pessoas que não se conhecem possam dividir a corrida para um mesmo destino— nessa equação, você duplica essa capacidade. O ponto central é ver como podemos usar essa plataforma para tirar mais carros da rua. Hoje, possuímos tecnologia aplicada para resolver problemas de trânsito da cidade. É uma época muito legal de estar vivenciando essa mudança. Em Chicago, 52% das viagens de Uberx saem de áreas onde não tinham táxi nem transporte público, áreas pobres. Ou seja, conseguimos colocar transporte onde não havia.
P. O CEO do Uber, Travis Kalanick, chegou a comentar que a empresa já investe em veículos autônomos, sem motoristas e elétricos. Já há alguma previsão de quando esses carros estarão circulando?
R. É normal você investir em novas tecnologias, mas ainda não há nenhuma novidade, os carros autônomos só devem chegar daqui algumas décadas.
P. O UberX, que começou a operar em junho, tem uma tarifa mais barata. Será que esse serviço não vai ser ainda mais competitivo com o táxi?
R. Quando chegamos com o Uberblack, percebemos que muitos motoristas interessados não tinham um carro sedam e também alguns usuários queriam usar o Uber, mas em uma versão mais econômica. Mas o UberX funciona mais nas periferias das cidades como uma forma de complementar o sistema de transporte. Estamos sempre tentando encontrar novos serviços. Na semana passada fizemos alguns testes com o Uberbike, que são automóveis que possuem um hack para levar uma bicicleta. Muitas pessoas usaram. Quem mora longe de uma ciclovia precisa de uma forma de chegar até ela. Neste fim de semana o teste será em Brasília e vamos avaliar se vale a pena investir no serviço.
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