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Flip 2015, termômetro da crise

Mesas e debates paralelos abordam temas políticos. Público aplaude críticas a PT e PSDB

Boris Fausto em Paraty.
Boris Fausto em Paraty.Walter Craveiro (FLIP)

Em um ano de crise política e econômica, a Festa Literária de Paraty não ficou alheia aos entraves e contradições brasileiras. Declarações fortes sobre escravidão, corrupção, colonialismo e outros aspectos do passado e do presente brasileiros apareceram nas encontros de autores dos dois dias mais nobres da festa, sexta-feira e sábado. Tudo sempre mediado pela literatura, com seus alcances e limitações diante da vida cotidiana.

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O respeitado historiador brasileiro Boris Fausto (84), que nunca havia participado de uma Flip, abriu a programação de sábado para falar do livro de memórias – O brilho do bronze (Cosac Naify) – que escreveu sobre sua esposa, a educadora Cynira Stocco Fausto, morta por um câncer em 2010. Comoveu os presentes com memórias relatadas de maneira sensível, mas foi capaz de provocá-los ainda mais quando fez comentários políticos bastante críticos, entrevistado pelo jornalista Paulo Roberto Pires.

"A partir da entrada do PT no governo houve momentos de razoável equilíbrio financeiro combinados com a possibilidade de realizar um equilíbrio social. Mas a partir do segundo governo Lula houve uma política econômica inadequada, ideológica, que levou a esse quadro. Levou à cúpula do partido uma cúpula de corruptos, um sistema mafioso gigante", afirmou, sob aplausos calorosos. Sobre o PSDB, também não economizou declarações fortes: "A oposição não tem conseguido ser oposição. Não tem coragem de dizer que é contra a corrupção que se instalou, que é um partido de classe média. Falta coerência. Uma alternativa seria muito importante nesta situação, mas infelizmente não temos”.

Em seguida, a ensaísta argentina Beatriz Sarlo e a jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho subiram ao palco da tenda principal com a missão de partir de Turistas aprendizes – livro do homenageado do evento, Mário de Andrade – para falar de suas experiências de viagem, relatadas respectivamente nos títulos Viagens: da Amazônia às Malvinas e Vai, Brasil, ambos recém-publicados no Brasil. O discurso de ambas despertou interesse ainda maior quando passou à corrupção, no caso de Sarlo, e ao colonialismo, no de Coelho.

"Há um caminho de esperança no Brasil, porque a Justiça está atuando contra a corrupção. Em meu país, o vice-presidente está enfrentando um processo e mesmo assim não deixou o cargo. A corrupção é condenável em todas as suas formas, mas no Brasil vejo mais esperança para resolver esse problema”, opinou a argentina. Já a portuguesa, que atuou como correspondente do Público, jornal de Portugal, no Oriente Médio e no Rio de Janeiro, confessou: “Precisei dar a volta no mundo e lidar com o colonialismo dos outros para chegar ao Brasil e conhecer 500 anos de história viva que têm relação com o país de onde eu vim”.

Escravidão

Um das declarações mais comoventes desta Flip até agora, no entanto, aconteceu na quinta-feira à noite, quando o escritor queniano Ngugi wa Thiong’o trouxe à tona o tema da submissão do povo africano, recordando a plateia de que o mesmo cenário compartilhado por todos ali é produto da escravidão.

"É preciso ter consciência da história de sangue que criou Paraty. A cidade é do século XVII, o que significa que o povo africano foi escravizado aqui, fez parte da força de trabalho que criou a cidade. É interessante imaginar que os homens que tinham escravos provavelmente eram pais e maridos amantísimos, iam à igreja e pediam perdão por seus pecados”, disse, com voz suave e tom incisivo. Thiong’o é um dos pesos pesados da festa este ano e um dos candidatos sempre cotados ao prêmio Nobel de literatura.

Esquerda x direita

Na agitada grade de eventos paralelos à programação oficial da Flip, também aconteceram debates intensos – e bastante politizados. O sociólogo Demétrio Magnoli participou na tarde deste sábado de um evento na Casa Folha para apresentar seu novo livro A Hora e a História (Grupo Folha), que reune textos seus para a Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S.Paulo.

Ao conversar com o público, Magnoli avaliou a tradicional divisão de esquerda e direita nos partidos políticos latino-americanos e nos europeus. “Na América Latina, a direita ficou marcada pela imagem da oligarquia e pela sirene da ditadura militar. A esquerda, por sua vez, carrega o peso do caudilhismo e, ao contrário do modelo europeu, é nacionalista e antiamericana”, disse. Na Europa, de acordo com a sua explicação, direita é pautada pelo princípio da liberdade social, política e econômica, enquanto a esquerda se baseia na igualdade social e de direitos.

Assim como Boris Fausto, Demétrio foi bastante aplaudido ao lançar farpas ao PT e ao PSDB. "O PSDB desistiu há vários anos de se desenvolver como partido de centro esquerda, que quer economia eficaz, rede de proteção ao povo, preza valores liberais. Ele se conformou em ser um partido anti-PT e acabou reduzido ao tamanho do inimigo. E o PT também desistiu, para se acomodar no poder.”

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