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Ondas cerebrais são lidas e transformadas em texto

Pesquisadores traduzem os sinais elétricos do cérebro em palavras e frases completas

Miguel Ángel Criado

O sonho ou o pesadelo, de acordo com o ponto de vista, de ler a mente está um pouco mais próximo. Pesquisadores europeus conseguiram registrar ondas cerebrais e transformá-las em letras, palavras e até frases completas. O sistema, formado por uma interface cérebro-máquina, pôde reconstruir 50% das palavras de uma frase, índice muito bom. A notícia ruim é que para consegui-lo é preciso abrir a cabeça para colocar os eletrodos diretamente no cérebro.

Atrás de cada pensamento, emoção e ação existe uma torrente eletroquímica nos neurônios do cérebro. Esses sinais elétricos podem ser registrados e os neurocientistas há décadas estudam as ondas cerebrais buscando o significado de cada sinal. Criaram gorros cheios de eletrodos que, colocados sobre a cabeça, permitem, por exemplo, uma espécie de comunicação telepática. Dessa forma, em 2014, pesquisadores norte-americanos conectaram dois cérebros à distância. Mas é possível ler a mente de uma pessoa em coma? Os humanos poderão se comunicar com as máquinas somente com o pensamento?

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Um grupo de pesquisadores alemães e norte-americanos não conseguiu ler a mente, mas foi bem-sucedido em transformar as ondas cerebrais em texto com um alto grau de acerto. Projetaram uma interface cérebro-máquina que registra as mudanças de potência nos sinais elétricos do cérebro. Mediante uma técnica de inteligência artificial (aprendizagem de máquinas), o sistema foi sendo afinado até fazer com que cada mudança elétrica correspondesse a um fone, segmento básico do som e que pode ser equiparado a uma letra. Após o treinamento, a interface conseguiu decodificar palavras e até frases.

“Nosso sistema decodifica frases completas”, diz o pesquisador do Laboratório de Sistemas Cognitivos do Instituto Tecnológico de Karlsruhe (Alemanha) e coautor da pesquisa, Christian Herff. “Conseguimos decodificar em média 7,5 palavras em cada 10, mas somente quando existiam 10 palavras a escolher. Se o sistema pudesse escolher entre 100, conseguimos acertar quatro de dez”, explica. Sobre os fones, o sistema reconhecia por volta de 50%. “Mas não é preciso acertar 100%”, diz Herff. “Ao usar um dicionário que nos mostra como as palavras são produzidas (por exemplo, olá é o l á) e um modelo de linguagem, isso nos oferece a probabilidade da palavra seguinte”, acrescenta. Dessa forma usaram uma espécie de adivinhador de textos para completar as lacunas.

A técnica utilizada para ler a mente é conhecida como eletrocorticografia (ECoG) intracranial. É a melhor maneira que existe para registrar as ondas cerebrais já que oferece maior resolução espacial e temporal. Mas também é a mais invasiva. Ao contrário de outros métodos, como o eletroencefalograma, os eletrodos não são colocados na cabeça, mas diretamente sobre o cérebro, fazendo com que o sinal seja mais claro e não sofra interferência do crânio e do couro cabeludo.

O estudo foi realizado com epiléticos nos quais foram colocados eletrodos diretamente no cérebro

Os pesquisadores tiveram a rara oportunidade de poder realizar várias sessões de ECoG em sete pessoas com epilepsia aguda que teriam o foco epilético extirpado. Com uma janela aberta em seu cérebro, os voluntários tiveram de ler em voz alta fragmentos de textos históricos, como o discurso de posse de John Fitzgerald Kennedy. Os pesquisadores gravaram tanto o áudio como a atividade de ondas gama de áreas cerebrais conhecidas por seu papel no processamento da fala. O passo seguinte foi parcelar em segmentos de 50 milissegundos os dois sinais e deixar que a interface encontrasse correspondências entre a atividade cerebral e os sons.

“Focamos o estudo nas ondas gama de alta frequência (entre 70 e 170 hertz). Essa frequência é conhecida por refletir a atividade muito localizada de funções especializadas do cérebro”, explica Herff. Das cinco ondas cerebrais que a atividade elétrica do cérebro emite, a gama é a de maior frequência e menor amplitude e reflete picos de grande atividade cerebral como a produzida durante a fala.

O sistema traduziu ondas cerebrais em fonemas, palavras e frases com até 50% de acerto

Para os pesquisadores, que publicaram seus resultados na revista especializada Frontiers in Neuroscience, é somente o primeiro passo para a comunicação mental entre humanos e máquinas. Além disso, segundo Herff, “um sistema que usa padrões de fala pode permitir aos pacientes incomunicáveis relacionarem-se de novo com as pessoas ao seu redor, mas ainda falta tempo para isso”.

É preciso abrir a cabeça

Para o pesquisador da empresa Starlab, Giulio Ruffini, que não tem ligação com essa pesquisa, os resultados são muito interessantes porque demonstram que é possível traduzir a atividade elétrica em informação. “Não deveria ser uma surpresa, já que o cérebro é um órgão elétrico e com o ECoG é possível registrar bem essa atividade elétrica, mas não deixa de ser um bom resultado mostrar que é possível extrair fones dessa maneira”, opina.

Ruffini, que trabalha no desenvolvimento de interfaces cérebro-máquinas, já demonstrou em 2014 que é possível enviar pensamentos de um cérebro a outro situado a milhares de quilômetros de distância. Para ele, não se pode dizer que o pensamento esteja sendo lido no sentido literal, “é preciso entender que é a atividade motora da fala que está sendo decodificada”, diz. O avanço definitivo seria, segundo Ruffini, que um sistema como esse pudesse decodificar no modo leitura silenciosa, sem mover um músculo da língua, ou seja, os pensamentos: “Se isto for feito, já estaremos mais próximos de poder dizer que estamos lendo a mente”.

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