Ministra da Cultura israelense critica os artistas “ingratos” de seu país
Miri Regev, ex-general do Exército, ataca o meio cultural em seu primeiro mês de gestão
“Hipócritas”. “Ingratos”. “Presunçosos”. A ministra da Cultura de Israel, Miri Regev, atacou os artistas de seu país de todas as formas em uma entrevista. Ex-general do Exército e antiga chefe da censura militar, Regev tem atraído, após sua nomeação há pouco mais de um mês, a rejeição de vários setores do liberal mundo cultural israelense, sobre o qual tem tentado marcar sua visão patriótica de militante do conservador Likud. O sentimento parece ser recíproco.
A imprensa, a rádio e a televisão de Israel têm transmitido o conteúdo da entrevista que a ministra concedeu ao semanário feminino AT. “São um bando de ingratos que acham saber tudo, de hipócritas que envenenam a vida. Não me sinto à vontade trabalhando com o mundo cultural”, afirma Regec na gravação de sua conversa com a revista, ao mesmo tempo em que lamenta que o primeiro-ministro e líder de seu partido, Benjamin Netanyahu, não tenha cumprido a promessa de entregar-lhe a pasta dos Assuntos Sociais.
Ajudas congeladas
A polêmica ministra tem cobrado protagonismo dentro do novo Governo de coalizão – integrado por conservadores, nacionalistas e ultrarreligiosos –, considerado como um dos mais direitistas da história de Israel. Regev ameaçou primeiro cancelar os subsídios de seu ministério a uma companhia de teatro infantil de Haifa, na qual atuam crianças judias e palestinas dirigida por um árabe-israelense que se negou a levar suas representações aos assentamentos de colonos na Cisjordânia, ocupada por Israel desde 1967.
A polêmica se estendeu quando o Ministério da Cultura congelou suas ajudas ao Teatro Al Midan, de Haifa, onde era encenada a obra Tempo Paralelo, sobre um palestino que matou um soldado israelense. Pouco depois, Regev pressionou os responsáveis do Festival Internacional de Cinema de Jerusalém para que retirassem o documentário Além do Medo, sobre a vida familiar de Yigal Amir, o nacionalista judeu radical que assassinou o primeiro-ministro Isaac Rabin há 20 anos, pouco depois de ter assinado os acordos de paz com os palestinos. Os partidos de esquerda radical foram os primeiros a pedir sua retirada da programação. No fim, o filme será projetado fora das datas oficias da competição.
Rebelião no pavilhão do porto
Mais de 400 artistas israelenses se reuniram no domingo passado em um pavilhão do porto de Jaffa, ao sul de Tel Aviv, para fazer frente às medidas da nova ministra da Cultura, Miri Regev. O diretor do Teatro Khan de Jerusalém, Michael Gurevitch, pediu “uma greve de todas as instituições culturais” no caso de que se imponha uma censura em Israel. A ministra havia sido muito clara em sua advertência aos artistas: “Não vou apoiar as instituições culturais que deslegitimem ou boicotem Israel”. Mas Gurevitch respondeu que “ela não é quem determina quais são as ameaças para a segurança do Estado”.
No fundo está a divisão na sociedade israelense entre os setores liberais, que defendem a solução de dois Estados e o diálogo com os palestino como via para acabar com o conflito, e a visão nacionalista dos defensores da expansão dos assentamentos judaicos no território palestino. Uma maioria dos artistas parece apoiar a primeira opção.
Apesar de a ministra da Cultura ter minimizado suas declarações da entrevista ao assegurar que suas críticas se dirigiam “só a alguns artistas”, que continuava disposta a trabalhar com o mundo da cultura e a “aumentar o orçamento” de seu departamento, Regev foi recebida na sexta passada com gritos de protesto em Tel Aviv em sua chegada numa cerimônia de entrega de prêmios teatrais.
Nascida há 50 anos em uma família judia que acabava de emigrar de Marrocos para Israel, Regev deve tudo que conseguiu ao Exército, onde ingressou com 18 anos para cumprir o serviço militar obrigatório, se formou como oficial e foi subindo até alcançar o posto de general de brigada. Ocupou os cargos de porta-voz das Forças Armadas para as relações com a imprensa e de responsável pela censura militar israelense, que se encarrega de que as informações publicadas não coloquem em perigo a segurança de Israel. Em 2007, deixou a vida militar para dar o salto à política nas fileiras do Likud, o partido encabeçado por Netanyahu, e em 2009 foi eleita deputada no Knesset.
O mundo da cultura israelense recebeu com hostilidade sua nomeação após as eleições passadas. O cantor de rock Shalom Hanoch exigiu que Regev não interviesse antes de sua atuação no mês de maio no Festival de Israel. Mas a ministra lembrou que o show era patrocinado por seu departamento. A oposição israelense de esquerda também tem pedido que ela renuncie. “Não se pode deixar a liberdade de expressão nas mãos de um censor”, afirmou a líder do partido Meretz, Zehava Galon.
Em sua polêmica entrevista, Regev disse que vai anunciar em breve as regras para determinar as condições que vão definir a perda dos subsídios nas obras artísticas que “deslegitimem o Estado de Israel”. “Dentro de um mês se saberá o que está permitido e o que está proibido se quiserem receber as ajudas oficiais”, anunciou.
Em sua coluna no jornal Yedioth Aharonot, o analista Yoaz Handel ironizou recentemente a “nova era de ouro cultural” que representa a presença de Regev no Governo: “Nunca havia se falado tanto como agora do teatro ou dos filmes de Israel”.
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