Por que os russos apresentam os pratos como se tivessem usado drogas
Investigação profunda –e dolorosamente ilustrada– sobre a arte de 'empratar' no país
Há alguns meses, Sofia, uma leitora aplicada, enviou essa foto ao e-mail do blog El Comidista.
Fascinado pela louca fantasia que as imagens representavam, corri imediatamente para incluí-las no fórum Aló Comidista, onde manifestei minha admiração pela arte do empratamento russo. Mas, desde então, ficou dentro de mim algo remoendo que me impedia de dormir tranquilo. O que leva nação tão antiga a cometer certos crimes contra o bom gosto? Existe algum motivo histórico, cultural ou étnico que tenha levado os russos a se transformarem em líderes mundiais das apresentações cafonas? Por que alguém em Moscou, São Petersburgo ou Vladivostok pensa que um prato que imita uma camponesa com cabeça de peixe pode parecer apetitoso?
Ajudado por meu escudeiro Xavi Sorinas, comecei uma investigação profunda sobre o fenômeno tão paranormal. A primeira coisa que fizemos foi ligar para um restaurante russo de Madri, o Rasputín, para perguntar se conheciam a existência desses delírios. Alejandro Rodríguez, gerente do estabelecimento, garante que as fotos não são de forma alguma representativas da gastronomia daquele país, e atribui a autoria a “gente louca” que tem perpetrado esses delitos em casa e publicado na Internet. “Tenho mais de 40 anos trabalhando em cozinhas russas e nunca vi nada parecido”, afirma. Larisa Grogol, cozinheira do local, mostrou a mesma surpresa e, afirmou em russo, o que lhe concedeu mais autoridade: “As apresentações me pareceram curiosas e divertidas, mas eu nunca fiz nada assim”.
Recorremos então ao blogueiro gastronômico localizado em Moscou Ezekiel Pfeifer, do jornal The Moscow Times. A ideia de falar sobre esses espantos não lhe pareceu muito atrativa: “Lamento ter que rejeitar seu pedido de informação. Desejo sorte e que encontre outra pessoa”, respondeu, com amabilidade.
Sem desanimar, localizamos outra bloqueira russa, que se mostrou mais disposta a ajudar. Xenia Vistgof mora em Madri desde os 10 anos e se esforça para tornar conhecidas as delícias do país onde nasceu com seu blog de receitas Da Rússia com Sabor. Vistgof mostrou a mesma surpresa inicial que seus antecessores e nos disse que as fotos que tínhamos enviado eram “bastante incomuns na cozinha russa”. No entanto, abriu uma porta à esperança, ao apontar a existência de certa tradição de apresentações criativas e “artísticas” para saladas, pastéis e empanadas em algumas celebrações.
A blogueira nos contou que durante a era czarista era costume na corte esse tipo de apresentações nos banquetes. E que ao longo da história foram feitos pães e biscoitos em forma de pássaros para a Páscoa “já que este animal representa o começo da primavera”. “Com o auge da alta cozinha”, acrescentou, “essa tradição está voltando, em muitos casos de um modo um pouco extremo como alguns dos exemplos que vocês mandaram”.
Depois do nosso primeiro contato, Xenia também sentiu curiosidade. Começou a pesquisar e descobriu coisas que ela mesma não conhecia de sua própria cultura. “Em 1812, depois da vitória da Rússia sobre Napoleão houve o renascimento da cozinha nacional russa”, diz Xenia. “Foram enviados emissários da corte para as aldeias russas a fim de coletar receitas tradicionais de cada região. Na corte russa trabalhava uma legião dos melhores chefs franceses, que conseguiram mudar as receitas mais emblemáticas e torná-las dignas da mesa dos czares. Os pratos mais simples e tradicionais sofreram uma revisão para se adaptarem aos novos gostos refinados dos nobres. Isto também pode ser visto na apresentação dos pratos, onde prevalecia a originalidade acima de tudo”.
A complicação visual afetou pratos tradicionais e humildes como o leitão recheado com trigo sarraceno, bolos e sobremesas de frutas, e até mesmo a lendária salada do chef russo-belga Lucien Olivier, conhecido na Espanha como “salada russa”. Como diria Paloma San Basilio, a festa terminou com a Revolução de Outubro de 1917, que acabou com os banquetes e os luxos de outrora. Só nos anos cinquenta que começou a recuperação daqueles empratados pródigos nos livros de cozinha, que, em teoria, colocavam ao alcance do povo todo aquele descontrole.
Xenia, que tirou boa parte desta informação do livro Un viaje culinário por la URSS, conclui que o prazer de apresentar a comida de uma forma vistosa está dentro da alma de seu país de origem. “O russo gosta muito do artístico e, por tradição, do exagero na mesa. Isto é verdade tanto em quantidade quanto na ostentação”. Fica esclarecido, assim, o mistério? Em parte. Depois de ficarmos satisfeitos com as explicações históricas de Visgof, descobrimos o perfil Inspirace na párty e vimos, com uma mistura de horror e fascínio que os empratados rococós estão espalhados por toda a Europa do Leste. Influência russa ou um barroco autóctone? A resposta, na próxima edição de Cuarto Milenio, edição Comidista.
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