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“A Venezuela precisa de justiça, não de vingança nem de revanchismo”

Principal líder opositor venezuelano acha que a política "vive uma situação de emergência"

Capriles, em um ato em apoio a Ledezma em fevereiro.
Capriles, em um ato em apoio a Ledezma em fevereiro.CRISTIAN HERNÁNDEZ (GETTY)

Henrique Capriles Radonski (Caracas, 1972) chega à sede do seu partido, o Primeiro Justiça, em Caracas, carregado de sacolas. Sua equipe conta que ele adora ir aos supermercados para observar a oscilação dos preços dos produtos. “O que está acontecendo com o sistema cambial neste país é uma loucura”, afirma Capriles antes da entrevista ao EL PAÍS e à rádio espanhola Cadena Ser. Quase duas horas sem freios, nas quais o governador do Estado de Miranda e principal líder oposicionista da Venezuela, derrotado por 1,5 ponto percentual na eleição presidencial de 2013, exige mudanças. “A política na Venezuela vive uma situação de emergência”, diz ele.

Pergunta. Que avaliação faz da visita do ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González à Venezuela?

Resposta. Felipe deu uma lição de diplomacia a um Governo que, apesar de [o presidente Nicolás] Maduro ter sido chanceler por seis anos, não entende o que é a diplomacia, o que são as liberdades. Ele [González] não entrou no terreno da desqualificação, para o qual o Governo queria levá-lo. Não precisou desafiar o Governo, o que acontece é que o Governo precisa de inimigos, todos os dias inventa inimigos para esconder o desastre econômico e social que o país vive. Pretender deixar Felipe González em má situação na América Latina é perda de tempo. Ele tem as melhores relações com todos os líderes, atuais e ex-presidentes.

P. Se reuniu com ele. Do que falaram?

R. Foi um contato pessoal. Eu mantenho, e não é algo privado, uma comunicação permanente com Felipe González. Dedicamos especial interesse às eleições para a Assembleia Nacional [Parlamento venezuelano]. Uma das solicitações, que aspiramos a que se concretize, é que haja uma missão de observação liderada pela Unasul com o acompanhamento da OEA e da União Europeia.

P. O que aprendeu com a derrota de 2013?

A direita nunca vai governar este país

R. Amadureci. Não sou o mesmo que era quando iniciei minha carreira política. Aprendi que os caminhos rápidos às vezes podem terminar sendo longos. Não quero soar pouco modesto, mas nestes anos da erroneamente chamada revolução fui a pessoa que mais apoios obteve fora do Governo. Não os obtive com base em dizer às pessoas que saíssem à rua para se matarem, e sim de lhes oferecer soluções. Parece que o debate dentro da oposição é sobre quem é mais valente. Para mim, valente é aquele que, com a força das suas ideias, faz com que o outro mude sua forma de pensar, somando-se à sua causa. Não sou uma pessoa conservadora. Não sou de direita, não tenho ideias de direita. Além do mais, a direita nunca vai governar a Venezuela. Pode, sim, haver um grupo conservador, que não sou eu. É preciso articular uma maioria multiclassista. A Venezuela clama por um novo acordo social com os pobres. Preocupa-me que haja uma oposição que pretende não se voltar para os pobres da Venezuela. Pode acontecer que as pessoas, apesar da sua situação de pobreza, ao não ouvirem uma nova oferta que os inclua, digam: “Bom, eu prefiro ficar aqui, mesmo que esteja ruim para mim, porque, segundo quem me represente, para ele serei o ator mais importante”.

P. Os protestos de 2014 resultaram na morte de 43 pessoas. Eles causaram mais danos ao chavismo ou à oposição?

É preciso articular uma maioria multiclassista para obter a mudança

R. Esse é um debate que hoje geraria novamente uma divisão dentro da oposição. Vocês já conhecem minha posição. Considero que foi um erro. Há uma classe média profissional muito golpeada, mas não há mudança na Venezuela que passe exclusivamente pela classe média. A maioria dos venezuelanos vive em áreas populares. É preciso procurar na crise uma oportunidade para o encontro. Os morros não vão descer. É preciso subir atrás deles. Se o protesto na Venezuela não for reivindicativo, do ponto de vista social e econômico, não vai conectar, não terá o respaldo de quem vive em qualquer morro. Eu não vou ao vale do Tuy [região pobre do Estado de Miranda, com cidades-dormitórios da Grande Caracas] para falar da visita de Felipe González. Para eles, isso não representa nada.

P. A oposição venezuelana está realmente unida?

R. A oposição estará unida por uma questão de sobrevivência. Divididos não há forma de obtermos uma vitória eleitoral. Se você tiver 70% e dividir isso por três, quem tiver 30% vai ganhar. A oposição deu trabalho no último ano vindo de uma unidade perfeita. Este processo eleitoral vai marcar politicamente o que acontecer na Venezuela nos próximos anos. Sinto que a oposição tem a maturidade e a consciência de que deve existir unidade. E ela existirá.

P. É possível governar sem revanchismo?

Os morros não vão descer, é preciso subir atrás deles

R. Sim, absolutamente. A Venezuela precisa de justiça, não de vingança. Um dos problemas da oposição é que há alguns discursos que aterrorizam as pessoas que vêm do oficialismo. Há setores da oposição que não entenderam que, para obter a mudança na Venezuela e para que ela dure, é absolutamente necessário incluir pessoas que venham do governismo.

P. Quem deve liderar a mudança então? Você, Leopoldo López ou María Corina Machado?

R. Esse é um debate completamente extemporâneo e irrelevante. Minha aspiração e meu trabalho são liderar a Venezuela, não um setor do país.

P. As filas nos supermercados dão uma sensação de urgência que não corresponde ao calendário eleitoral. Como dizer às pessoas que esperem mais seis meses?

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R. É a mesma coisa que se dizia no ano passado. A resposta não pode ser uma solução anárquica. Não tiremos o valor da Assembleia Nacional. É ela que aprova o orçamento da República, que pode dizer que aqui não vai se gastar um dólar a mais para comprar caças da China ou tanques de guerra da Rússia. A Assembleia é que faz as leis. É ela que pode reformar a Constituição para reduzir o mandato do Nicolás Maduro, por exemplo. Isso virá depois, é um debate que precisará ser digerido. O Governo vai fazer um deslocamento do abastecimento, vai dar todos os produtos ao seu eleitor, ou onde for mais forte. Um dos graves problemas do passado é que a oposição se organiza um mês antes das eleições, enquanto o Governo está em um processo de reorganização das suas próprias fileiras. Essa eleição atualmente está ganha, mas é preciso fazer muita coisa para levá-la. Estamos preparados? Não, é preciso que nos aprontemos, e nos aprontar significa que nas próximas horas a oposição precisará dizer quem são seus candidatos, quais são os líderes que vão competir para ganhar. Os processos de consenso demoram, mas a política na Venezuela está em uma situação de emergência.

Há setores da oposição que não entendem que a mudança inclui o governismo

P. Há uma corrente de opinião que acredita que você é um instrumento do chavismo para calar a oposição mais reacionária.

R. Isso é uma campanha que também está dentro de um setor da oposição, o qual já identifiquei claramente e que busca debilitar minha liderança. Parecia que haviam entrado num acordo. Porque no final os extremos se entendem, entram em acordo, necessitam-se. O objetivo de 2014 era me liquidar politicamente.

P. Que acha da decisão de Leopoldo López e Daniel Ceballos [políticos venezuelanos presos pelo chavismo] de iniciarem uma greve de fome?

R. É uma decisão muito pessoal, personalíssima. Foram atropelados. Entretanto, este Governo deu repetidos sinais de que não se importa com absolutamente nada, incluindo a vida dos venezuelanos. Não lhe importa nada que Ceballos [que já encerrou a greve de fome], Leopoldo López ou Ledezma [Antonio Ledezma, prefeito metropolitano de Caracas, também preso] desmaiem. É preciso que eles levem isso em conta. Há muitas razões para que protestem. Mas é preciso ver diante de quem estão fazendo isso. Eu aspiro a que participem da construção deste país…. Precisamos deles vivos.

P. Acredita que haverá eleições em 2015?

R. Seria mais custoso para o Governo que não houvesse eleições do que perdê-las. Pois o seu grande argumento para defender tudo o que fazem, os atropelos e as barbaridades, é que na Venezuela são realizadas eleições e a oposição participa delas. Se forem suspensas, qual será o discurso?

P. Como a transição deveria ser feita?

R. A única forma de sair disso é começar a produzir dentro no país. Temos os recursos? Temos de tudo na Venezuela. No entanto, é preciso mudar o modelo.

Desprestigiar Felipe González na América Latina é perda de tempo

P. Quanto tempo deve demorar até que se note alguma mudança?

R. Em um ano a Venezuela veria a mudança. Sabem quanto dinheiro os venezuelanos têm no exterior? Calcula-se que 150 bilhões de dólares [cerca de 468 bilhões de reais]. Estamos falando de um valor que representa cinco vezes as reservas internacionais do país. Quantos investimentos não viriam para a Venezuela se déssemos um sinal de mudança, de confiança?

P. Há alguém dentro do governismo com quem estabelecer pontes?

R. Nos escalões médios, muita gente é consciente da situação e de que, eventualmente, têm uma tarefa a cumprir em relação ao país.

P. Se sentaria para negociar com eles?

R. É preciso discutir muito sobre como seria uma transição na Venezuela. Li uma entrevista extraordinária de Pepe Mujica ao EL PAÍS. A resposta está na política, que é a arte de se entender com os demais. O chavismo é uma realidade política no país, não se pode ignorá-la, e ela não deve ser atropelada. Uma coisa é o povo chavista, e outra é Nicolás Maduro. Na minha opinião, Nicolás Maduro não representa o povo chavista, apesar de se dizer seu líder. A cúpula do Governo… eles não são políticos, são extremistas que tomaram o poder. Sabendo disso, o país não vai saltar para o outro extremo.

P. Sente falta do apoio internacional?

Dói ver o silêncio de alguns países irmãos latino-americanos

R. Depende de que países estamos falando. Há alguns com os quais temos relações próximas, históricas. Por exemplo, a Colômbia. Não só pela quantidade de irmãos colombianos que temos na Venezuela, mas também pela fronteira que compartilhamos, os vínculos históricos… Não consigo entender por que a Colômbia, às vezes, é tão silenciosa em relação ao que ocorre na Venezuela, dói. Honestamente, dói. O Brasil, com todo o peso que tem na região, é exageradamente pragmático. O Chile… Aqui era a sua casa, que acolhia seus cidadãos quando eram perseguidos. Esse silêncio da presidente Bachelet… Não buscamos apoio com a intenção de que resolvam os nossos problemas, mas sim com a de que o Governo não os use. O Governo busca uma legitimidade com base no silêncio [dos demais Governos regionais]. Só temos algo a esperar do Papa, ou podemos esperar algo de nossos irmãos presidentes latino-americanos? Não acho que as relações se circunscrevam aos laços econômicos ou ao envio de alguns barris de petróleo.

P. Considera legais as sanções impostas a altos funcionários venezuelanos por parte dos Estados Unidos?

R. Os Estados Unidos, soberanamente, assim como a Venezuela, podem decidir congelar contas de venezuelanos em seu país. Esse não é um problema da Venezuela, mas de sete pessoas que fizeram uma campanha em nosso país que nos custou uma fortuna. Por que temos de pagar por isso? Não diziam que iam queimar seus vistos? Onde estão essas fotos? Não há nada de que gostem mais do que ir à Disney, a Orlando. Agora, com os termos do decreto dos Estados Unidos… A Venezuela não é um problema para nenhum país. Mas o Governo se agarrou a isso.

P. Como vê a situação política na Espanha?

R. A Venezuela enfrenta a maior escassez do mundo, a inflação mais alta do mundo, e é um dos países mais violentos. Deus queira que vocês não continuem e não caiam nesse modelo fracassado.

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