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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Vamos tirar a hipocrisia do armário

Uma pena que seja uma empresa, e não lideranças políticas, a tomar a dianteira numa briga contra o preconceito homofóbico

Carla Jiménez

A ousadia do Boticário parece ser naturalizar num comercial algo que é natural de fato. Gays votam, trabalham e são consumidores - e se perfumam, até com produtos da Boticário! - , por isso podem e devem se ver reconhecidos como seres completos numa propaganda. Algo, inclusive, que ajuda a combater a intolerância que hoje custa vidas de homossexuais inocentes, atacados por quem discorda do que é diferente.

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Até pouco tempo, a sociedade brasileira era vista como referência no que diz respeito aos costumes por seus vizinhos na América Latina. O divórcio, por exemplo, promulgado no Brasil em 1976, só veio a ser aceito juridicamente no Chile, em 2006. Nos últimos anos, esse mérito brasileiro de encampar tendências tem dado um passo atrás. O mesmo Chile tem avançado mais rapidamente na questão gay. A presidenta Bachelet acaba de sancionar a lei da união civil de homossexuais, admitindo que pessoas do mesmo sexo constituem uma família.

O Brasil, por outro lado, embora aceite a união civil por causa de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, não tem uma legislação sobre o tema. A fragilidade legal da situação permite a existência de um projeto de lei sobre o Estatuto da Família, que reconheceria apenas casais formados por um homem e uma mulher e ameace o que já foi conquistado. O debate não é só chato, mas começa a ficar perigoso. Qual seria a próxima investida dessa onda ultraconservadora? A hipocrisia não pode pautar o cotidiano do país.

Por isso, tomar posição em momentos como este é importante para não retroceder. A revista Exame, uma das mais respeitadas no Brasil, soltou um edição, um mês atrás, com uma capa intitulada “Chefe, sou gay”. A reportagem de várias páginas trazia o relato de executivos em cargos de destaque falando abertamente sobre sua escolha afetiva por parceiros do mesmo sexo, em seus respectivos empregos. O assunto, na verdade, já é normalizado no mundo corporativo, que há anos estende o benefício dos planos de saúde, por exemplo, para cônjuges de casais homossexuais. Mas é importante que um meio de comunicação provoque o debate, para aumentar a sua exposição.

É uma pena que uma empresa, como O Boticário, esteja peitando a conversa, em vez de lideranças políticas. No meio jornalístico, todos sabem quem são os políticos homossexuais, que preferem ficar no armário por temer perder votos. Isso num mundo onde já se elegem a cargos públicos políticos que tomam essa bandeira. É o caso da pequena Slupk, na Polônia, que elegeu seu primeiro prefeito gay, Robert Biedron, no ano passado, ou do premiê de Luxemburgo, Xavier Bettel, que se casou com seu companheiro fazendo uso da lei que ele mesmo assinou.

Pergunto-me se o país é tão conservador de fato, ou se o marketing do conservadorismo é mais eficiente – por isso o medo de enfrentá-lo. Quando leio reações de religiosos ao assunto, me vem à mente o Papa Francisco, que está voltando às origens da Igreja para falar mais de perto a língua do povo. “Quem sou eu para julgá-los?”, disse ele quando perguntado sobre os homossexuais. Vira e mexe volta ao assunto, provocando a reflexão. “Deus não tem medo de novidades e nos leva a caminhos imprevistos”, disse Francisco durante o Sínodo de Bispos em outubro do ano passado. É a sensatez que está em falta, e não regras para dizer quem deve ou não deve ser retratado num comercial de TV.

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