O Opus Dei se soma à onda renovadora impulsionada dentro da Igreja Católica pelo papa Francisco. Pela primeira vez em quase um século de existência, a poderosa prelazia abriu as portas para a possibilidade de que sua direção seja ocupada por alguém que não tenha trabalhado lado a lado com Josemaría Escrivá de Balaguer, o fundador santificado, ou que não tenha nascido na Espanha, onde estão as raízes de uma organização religiosa presente em mais de 60 países. Assim se desenha a era pós-Escrivá nos tempos de Jorge Mario Bergoglio.
As chaves
- O Opus tem quase 90.000 seguidores, dos quais 2.051 são sacerdotes. Entre os membros, 58% estão na Europa, 34% na América, 4% na Ásia, 3% na África e 1% na Oceania.
- Cerca de 70% desses fiéis, segundo dados oficiais, são supernumerários, homens e mulheres casados.
- Os 30% de integrantes restantes, segundo os dados da prelazia, são celibatários. Aqui se incluem os numerários, que normalmente vivem em centros do Opus, e as numerárias auxiliares, que "se dedicam habitualmente, como atividade profissional, à atenção dos trabalhos domésticos nas sedes dos centros", segundo o guia de informação da prelazia.
- A formação religiosa é separada para homens e mulheres.
Em dezembro de 2014, o prelado Javier Echevarría, que aos 82 anos é a autoridade máxima da organização, nomeou como vigário auxiliar o hispano-francês Fernando Ocáriz e como vigário geral o argentino Mariano Fazio. A decisão indica uma ordem sucessória em que ficaria sem espaço o influente arcebispo peruano Juan Luis Cipriani, e coloca a prelazia ante um cenário inédito. Na direção da Obra, fundada em 1928, nunca tinham trabalhado juntos um prelado e um vigário auxiliar.
“Será um momento histórico”, descreve um porta-voz do escritório de informações do Opus, em cuja direção três espanhóis se sucederam até agora: o fundador; o beato Álvaro del Portillo, que foi seu braço-direito durante 40 anos; e Echevarría, que também foi colaborador de Balaguer durante mais de 20 anos. “Chegar o momento em que o prelado não tenha conhecido nem trabalhado com o fundador é algo natural e será uma nova mostra de maturidade dessa instituição da Igreja”.
Analistas veem a ascensão de Ocáriz (“um cargo é uma carga”, pregam no Opus) como um ponto marcante na trajetória da instituição. Também como um gesto ao Papa, que é jesuíta, prega com verbo fresco, nem sempre compartilhou das opiniões de Cipriani – excluído, por enquanto, do núcleo executivo – e se relaciona proximamente com o compatriota Fazio, o novo vigário geral do Opus.
“De fato, o papa Francisco está impulsionando uma forte renovação na Igreja (...)”, disse José María Gil Tamayo, secretário-geral da Conferência Episcopal. “Não se trata de esperar que venham à Igreja, mas de sair ao encontro das pessoas, e isso nos convida a renovar nossa forma de trabalho pastoral”, continuou o porta-voz, que acrescentou sobre o caso específico do Opus: “A renovação que nos pedem afeta a todos na missão comum evangelizadora, na qual a especificidade de cada carisma de congregações, movimentos e associações têm que se colocar a serviço dessa missão compartilhada sob a orientação de nossos bispos. Só estando unidos seremos críveis, como aponta o Evangelho”.
A prelazia tem cerca de 90.000 seguidores distribuídos pelo mundo. Fortemente presente na América Latina e na Europa, e com presença na África, começou a dar seus primeiros passos agora no Cazaquistão e no Vietnã, e está pronta para iniciar seus trabalhos em Cuba quando as circunstâncias políticas permitirem, segundo fontes consultadas. Em sua estrutura há mais mulheres do que homens, segundo a organização. A idade média de seus integrantes subiu na última década. Em sua maioria, são cidadãos laicos de classe alta, com capacidade para influenciar nos escritórios mais importantes; dedicados ao princípio de “santificar o trabalho”, e sempre rodeados de críticos, alguns, ex-membros da organização, opinam que promove o conservadorismo, limita as leituras de seus integrantes e exerce o proselitismo.
Nunca antes um prelado e um vigário auxiliar tinham convivido
Na Espanha, centenas de colégios, a Universidade de Navarra e a escola de negócios IESE têm relação com a Obra, que lhes concede, segundo um porta-voz, orientação espiritual. Essa radiografia resume a grande capacidade de influência e mobilização do Opus, que durante a beatificação de Del Portillo, celebrada em Madri em 2014, reuniu mais de 100.000 pessoas, entre elas dois ministros de Estado e 40.000 jovens chegados de todos os cantos do planeta. Esses números refletem sua força para influenciar nas instituições e, por consequência, a importância das mudanças em sua cúpula.
“Com essas decisões a respeito da quarta geração de dirigentes, fica claro que não existe medo de mudanças, que podem ser liderados por alguém que não tenha estado em contato com o secretário-geral anterior”, afirma José Manuel Vidal, graduado em Teologia e Sociologia pela Universidade Pontifícia de Salamanca e diretor do Religião Digital. “Há uma aproximação clara ao Papa, assim como fizeram os salesianos elegendo como reitor-mor um espanhol [Ángel Fernández Artime] que, entre outras coisas, conhece bem Francisco de sua passagem por Buenos Aires”, acrescentou Vidal sobre o posto de destaque ocupado desde dezembro pelo argentino Fazio.
“O núcleo espanhol e de mais idade quer ter o controle, mas chega um momento em que não pode mais. É a lei da vida”, argumenta o sociólogo Alberto Moncada, autor de obras de tom crítico à instituição. “Fora da Espanha, o Opus é heterogêneo e plural, uma organização internacional.”
Talvez não haja lugar fora da Espanha em que o Opus tenha mais força do que na América Latina. Na região, Juan Luis Cipriani, o primeiro cardeal da organização, foi afastado, por enquanto, da possibilidade de alcançar a prelatura. Quando Jorge Bergoglio, hoje o papa Francisco, presidiu a comissão de redação do documento final da V Conferência-Geral do Episcopado Latino-americano (2007), Cipriani se mostrou pouco próximo a suas teses, segundo fontes, e Fazio as compartilhou plenamente.
Um porta-voz do Opus negou que isso tenha relação com o fato de Echevarría não ter contado com Cipriani para suas nomeações de dezembro, e destacou a relação “impossível de ser melhor” da instituição com o pontífice. Fontes consultadas afirmaram que Bergoglio veria com bons olhos que Cipriani estivesse em Roma. O padre Lombardi, porta-voz do Vaticano, se recusou a fazer comentários sobre o assunto.
Assim, em silêncio, o Opus continua desenhando o seu futuro.
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