Latino-americanos “de pele mais escura” têm menos oportunidades
150 milhões de afrodescendentes ficaram fora das recentes conquistas sociais
Para ter menos acesso à educação, mais possibilidades de morrer durante o parto ou nos primeiros meses de vida, ganhar menos dinheiro ou ter praticamente vetada a participação na política, na América Latina basta uma única condição: ter a pele mais escura.
Segundo dados das organizações internacionais, os afrodescendentes da América Latina têm uma probabilidade duas vezes menor de ter acesso a escolas secundárias que as pessoas de raça branca.
No Brasil, as mulheres afrodescendentes são o segmento com menor ingresso de toda a população. Sua participação na vida política é mínima, e só uma pequena fração foi escolhida alguma vez como representante no parlamento.
No Equador, a taxa de mortalidade infantil na cidade de Esmeraldas (de maioria afrodescendente) é o dobro da média nacional. Na costa do Pacífico da Colômbia, onde também é predominante a população de descendência africana, esta taxa é quatro vezes maior que a média nacional.
As mulheres afro-brasileiras têm uma probabilidade três vezes maior de morrer durante o parto que as de raça branca. Cerca de 57% dos bebês de mães afro-colombianas nascem de maneira prematura.
Estas estatísticas sempre existiram, mas agora organizações defensoras dos afrodescendentes voltaram a divulgá-las pelo início do Decênio Afrodescendente (2015-2024), uma iniciativa da Organização das Nações Unidas para que este coletivo seja considerado um grupo específico cujos direitos humanos devem ser promovidos e defendidos.
“Algo está mal”
“A América Latina é a região de maior paz, a de mais democracia, na qual mais se reconheceram os direitos dos povos originários nas constituições e nas leis, mas os afrodescendentes desfrutam muito pouco dessas vantagens, temos que reconhecer que algo está mal”, disse Romero Rodríguez, embaixador itinerante do governo do Uruguai para Assuntos Afrodescendentes.
Rodríguez e outros responsáveis de temas afrodescendentes em governos da América Latina estiveram em Washington para participar das atividades oficiais de início do Decênio Afrodescendente na região.
Durante um evento na sede do Banco Mundial, os participantes debateram como enfrentar a clara exclusão dos afrodescendentes na vida dos países, especialmente no que concerne ao trabalho da instituição anfitriã: o desenvolvimento e a erradicação da pobreza.
Pastor Murillo, assessor de Assuntos Afrodescendentes do vice-Ministério para a Participação e Igualdade de Direitos da Colômbia, destacou que um dos problemas são os censos da população, pois nem sempre as pessoas são contadas como afrodescendentes.
Destacou que, embora em seu país, o último censo oficial revela que há cerca de dois milhões de afrodescendentes na Colômbia, acha que a cifra pode ser seis vezes superior, quer dizer, quase 1/3 da população colombiana.
O pior, assegura, é que por não estarem contados como tais nos censos da população, os afrodescendentes ficaram foram dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e afirma que todos os envolvidos no tema precisam trabalhar juntos na solução. “O reconhecimento diferenciado dos direitos dos afrodescendentes é um desafio regional”, afirmou.
Racismo, um mal negócio
Além das políticas diferenciadas para os afrodescendentes, os governos da região já estão tomando algumas medidas específicas como no Uruguai, onde os organismos públicos devem cumprir uma cota de contratação de pessoas afrodescendentes e as culturas africanas tradicionais fazem parte do programa escolar.
Também na Colômbia se colocou em marcha uma das demandas mais velhas das comunidades afro-colombianas, que é o reconhecimento da propriedade coletiva das terras, um processo que foi apoiado pelo Banco Mundial.
Na Costa Rica – um país onde boa parte da população afrodescendente é, além disso, falante de inglês – trabalha agora para que a discriminação racial seja considerada delito, algo que agora é apenas uma contravenção cuja multa mais elevada equivale apenas ao custo de dois refrigerantes.
Os assistentes coincidiram que existe na sociedade latino-americana um “racismo estrutural” que deve ser combatido não apenas protegendo os afrodescendentes, mas também conscientizando o resto da sociedade sobre a existência desta discriminação baseada na cor da pele.
Combater o racismo, além disso, não é apenas questão de justiça, mas de simples lógica econômica, segundo Marisela Montiliu-Muñoz, diretora da Prática Global de Desenvolvimento Social, Urbano e Rural do Banco Mundial.
“Vamos imaginar que os 150 milhões de latino-americanos que hoje estão excluídos por sua cor de pele estivessem contribuindo aos mercados, que impacto teria isso na economia?”, se pergunta.
José Baig é editor on-line do Banco Mundial
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