Fortalecimento do dólar prejudica as multinacionais dos EUA
Resultados dos grandes grupos caem com a revalorização da moeda
As férias na Europa para os norte-americanos ficarão 25% mais baratas do que há um ano graças à forte valorização do dólar. O câmbio de julho de 2014, que dava 0,72 euros para cada dólar (2,95 reais), já está longe. Agora, a moeda dos EUA aproxima-se da paridade com a divisa europeia. Os agentes imobiliários deste lado do Atlântico oferecem, até mesmo, casas de campo de luxo na França e Itália que parecem uma pechincha, se quiser aproveitar para comprar um local de descanso.
O rei dólar, entretanto, está se transformando no inimigo dos principais executivos das grandes multinacionais dos Estados Unidos. Esse é, pelo menos, o argumento utilizado atualmente para justificar resultados que poderiam ser melhores. Isso foi visto no quarto trimestre de 2014 e é ainda mais evidente no começo de 2015. As mais castigadas são empresas da área do consumo, como a Procter & Gamble ou a Kimberly-Clark.
A P&G gera dois terços de sua renda no exterior. Quando as moedas estrangeiras com as quais opera perdem valor frente ao dólar, o volume de negócios diminui e o lucro de suas operações fora dos EUA cai. Suas vendas caíram 8% no primeiro trimestre, em grande parte pelo câmbio desfavorável, em até 18,1 bilhões de dólares (53,4 bilhões de reais). Os obstáculos, portanto, são significativos.
Do seu lado, a Kimberly-Clark mostra em seus resultados que o efeito da taxa de câmbio reduziu em 9% o faturamento global, de 4,7 bilhões de dólares (13,9 bilhões de reais) no trimestre. E não é uma situação que, dizem seus diretores, será resolvida logo. A Coca-Cola e a PepsiCo passam por algo semelhante, e calculam que o câmbio comerá por volta de 10% de seu lucro e 5% da renda no exercício de 2015.
As empresas de tecnologia, menos castigadas pela moeda
As empresas de tecnologia também não são imunes, ainda que à primeira vista parecem sofrer menos. A Microsoft e a Apple calculam que o fortalecimento do dólar pode comer 5% da renda do ano, com o euro ficando acima de 1,35 dólar (3,99 reais).
A Amazon, a maior empresa de comércio eletrônico do mundo, eleva para 1,3 bilhão de dólares (3,84 bilhões de reais) o “impacto desfavorável” das taxas de câmbio. O volume de negócios melhorou em 15%, até 22,72 bilhões de dólares (67,08 bilhões de reais) no trimestre que bate com o começo do ano. Se o dólar continuasse desvalorizado, as vendas teriam melhorado em 22% no ano.
O dólar é o argumento utilizado pela Google para justificar o crescimento moderado. A empresa que domina a publicidade na Internet diz que as rendas globais subiram para 17,3 bilhões de dólares (51,08 bilhões de dólares) no trimestre, 12% a mais no ano. Excluindo a “valorização” da taxa de câmbio teria sido de 17%, mais próximo aos 19% registrados um ano antes.
A desvalorização do euro é a causa mais evidente da subida do dólar, após a decisão do Banco Central Europeu de comprar dívida para estimular a economia. Mas não é a única moeda que cria problemas. A General Motors calcula que essas flutuações cortaram as rendas em 1,8 bilhão de dólares (5,3 bilhões de reais), sobre um faturamento global de 35,7 bilhões (105,4 bilhões de reais). No seu caso, a libra, o real brasileiro, o won sul-coreano e o bolívar venezuelano também servem de empecilho.
O efeito da taxa de câmbio complica as coisas sobretudo para as empresas que, como a rede de lanchonetes McDonald´s ou a fabricante de motos Harley-Davidson, atravessam por dificuldades pela queda da demanda. É um problema também para a DuPont e a 3M que, de acordo com projeções, perderão até 7% de suas vendas em 2015, o dobro da previsão feita há apenas três meses.
Os gigantes industriais como a Honeywell International, United Technologies e a Boeing também não escapam do crivo, mas, em seu caso, uma moeda mais forte tem um efeito positivo: rebaixa enormemente a fatura do lado das matérias primas e da energia que precisam para fazer seus produtos. Além disso, beneficiam-se da melhora econômica.
A valorização do dólar vem acompanhada, de fato, por um forte barateamento do petróleo, dos metais e outros derivados. A Caterpillar é a que melhor reflete essa nova situação. A companhia especializada em maquinário não somente sofre pelo lado dos movimentos na moeda, como por seus clientes no setor mineiro. Algo parecido acontece com a John Deere, no setor agrícola.
Dúvidas na Reserva Federal
A situação não é nova, muito menos inesperada. Os executivos dizem que o taxa de câmbio é uma faca de dois gumes. Por um lado, a valorização do dólar é positiva pois significa que as coisas na economia dos EUA estão melhorando. Por outro, penaliza e obriga as empresas a reduzir os investimentos. A solução também é conhecida: aumento de preços, melhoras na produtividade e redução dos custos.
O fortalecimento da moeda verde é um dos elementos do debate também dentro da Reserva Federal e pode acabar atrasando o primeiro aumento da taxa de juros em nove anos nos EUA, se esses cortes no investimento tiverem efeito negativo na economia. Como disse sua presidente Janet Yellen, reduzir as exportações e diminuir a pressão inflacionista barateia as importações.
O banco central dos EUA não costuma prestar muita atenção aos movimentos do dólar porque a política de moedas é algo que depende do Tesouro. Mas uma valorização tão brusca “é algo que não podem ignorar”, como diz o Bank of America. A ata das últimas reuniões reflete esse risco, que pode crescer se os EUA finalmente decidirem encarecer o preço do dinheiro no segundo semestre de 2015.
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