O blog da comida triste
Site Dimly Lit Meals For One apresenta refeições cheias de angústia gastronômica
A comida é alegria? Se for boa, sim, e se você estiver com muita fome, também. Mas, em muitas ocasiões, a comida também significa desolação. Quando levamos uma marmita para o trabalho com salada de macarrão encharcado, milho enlatado e presunto em cubinhos. Quando comemos uma deprimente verdura requentada com uma pitada de óleo refinado. Quando o nosso jantar é um filé duro com batatas fritas congeladas. Em suma, quando comemos sozinhos pratos sem alma.
Toda essa miséria contemporânea se torna cruelmente divertida quando a vemos na internet, compartilhada em redes sociais ou compilada por algum site com mau gênio. Um dos meus blogs favoritos –Dimly Lit Meals For One– se aproveita dessa comicidade e, como o próprio nome indica, apresenta “refeições na penumbra para uma pessoa” cheias de angústia gastronômica. Onde outros oferecem fotos apetitosas, boas dicas de culinária ou recomendações de restaurantes deliciosos, este tumblr mostra a dura realidade do que ingerem muitos solitários por aí: pratos não necessariamente desagradáveis, mas repletos de uma angústia existencial superior à de todas as obras de Sartre e Beckett juntas.
O criador dessa maravilha é Tom Kennedy, professor de idiomas britânico de 31 anos que no início de 2014 sentiu-se fascinado por fotos que o amigo de um amigo tinha postado no Facebook. “Eram tão estranhas, tão mal enquadradas e mal iluminadas que me cativaram”, lembra-se desde Cambridge. “Eu me tornei obcecado por elas e senti a necessidade de compartilhar com o mundo e buscar outras fotos ruins de comida. Também percebi que minhas próprias refeições pareceriam muito tristes se as fotografasse”.
O Dimly Lit Meals For One logo se tornou um microfenômeno viral, nada estranho em uma rede saturada de imagens de comida com pretensões e muito necessitada de um contraponto feio a tanta gastropornografia. Conforme definido por Kennedy, era “o anti-Instagram” que todos nós queríamos. “As redes sociais estão cheias de gente que compartilha fotos de suas refeições, feitas com filtros, e gasta um tempão para compô-las. Isso pode fazer outras pessoas se sentirem mal com suas refeições nada glamorosas, assim como nós experimentamos sentimentos de inferioridade quando vemos outros em férias que não podemos pagar ou desfrutando de uma vida social mais excitante. A verdade é que geralmente essas pessoas são tão inseguras quanto nós”.
Torradas com coisas, deprimentes saladas de pepino, solitários ovos fritos com espirros de tomate industrializado e alimentos que eu não teria coragem de se qualificar como tais são alguns dos clássicos do Dimly Lit Meals, sempre comentados com veia cáustica por Kennedy. Um dos favoritos do autor é uma pizza “caseira” feita com pão, fatias de queijo e ketchup. “Alguém comeu isso. Alguém pensou que fosse uma boa ideia, um substituto aceitável para a pizza. É trágico”. Mas no blog não há apenas comida vagabunda: “Uma mulher escreveu para me dizer como ficou doente depois de comer quantidades enormes de algas hijiki. Eu pensei que era engraçado porque confirma a minha crença de que alimentos saudáveis são veneno”.
Kennedy, que diz ser “um péssimo cozinheiro, amante de cozinha mexicana e de hambúrgueres nojentos” tem um vasto acervo de fotos graças a fieis seguidores que enviam imagens de toda refeição desoladora que engolem. No início, um deles foi o escocês Kev, um ser cuja nutrição dependia principalmente de molhos saídos de frascos de plástico. “Suas fotos eram sempre o ponto alto do meu dia. Todas as refeições dele pareciam possuir um brilho sobrenatural. Ele sempre colocava uma assombrosa coleção de molhos nos pratos: piscinas de ketchup, de molho tártaro ou molho escuro. Cada refeição consistia em variações de ervilhas congeladas e tirinhas de peixe, havia um desespero palpável em cada imagem”.
O blog, que lembra inevitavelmente obras-primas da literatura culinária como Microwave for one [Microondas para um, em tradução livre, sem edição no Brasil], de Sonia Allison, tem evoluído ao longo do tempo. As fotos ruins de alimentos foram dando lugar a reflexões bem-humoradas sobre a solidão e a vulgaridade da vida cotidiana. Kennedy é um fã da comédia mais áspera e niilista, e acredita que “pode haver um montão de humor no desespero”. “Às vezes eu acho que as coisas que escrevo são mais tristes do que as imagens, outras vezes as imagens falam por si mesmas”.
O Dimly Lit Meals For One é uma tentativa de aproximação realista da alimentação, contra o constante vínculo que a imprensa faz entre empanturrar-se e desfrutar? “Quando você está feliz, desfruta de tudo, especialmente da bebida e da comida”, argumenta Kennedy. “Se você está deprimido, a alimentação pode se tornar outro ritual penoso a ser encarado. A tristeza também vem do fracasso. Algumas pessoas tentam e tentam, mas permanecem incapazes na cozinha. Outros são preguiçosos ou estão presos a um estado de regressão: talvez tenham saído de casa e se esqueceram de como cuidar de si mesmos, ou tentam subsistir com refeições delivery e pizza congelada. Muitas pessoas comem suas emoções. Reconfortam-se com comida e esta se torna um vício: sabem que seu estilo de vida não é saudável, mas estão presos em um círculo vicioso”.
Toda vez que escrevo um post sobre comida ruim, seja em hospitais, confeitarias ou redes sociais, me sinto empanturrado de feiura, então não posso imaginar o que deve ser fazer um blog como o Dimly Lit Meals For One. Como Kennedy consegue evitar não ser esmagado por tanta tristeza? “Não tenho certeza de que já não me sinto esmagado”, confessa. “Seria muito feliz se não tivesse mais que ver feijões em lata ou rostos sorridentes feitos com purê de batatas. Também começo a ter asco de ketchup, os ingleses, particularmente, banham sua refeição com ele. Eu o vejo em todos os lugares. É repulsivo. Às vezes eu gostaria de abandonar o blog, mas me sinto obrigado a voltar a ele. E isso que no começo estava realmente preocupado em acabar sendo acometido dos mesmos transtornos alimentares que as pessoas sofrem”.
O Dimly Lit Meals For One se tornará um livro neste outono europeu. Seu autor diz que será ainda mais tenebroso que o blog. Estão todos avisados.
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