Poder e salários
Os aumentos de salários do Walmart e do McDonald’s dão uma ideia do que poderia ocorrer numa escala imensamente maior
Na quarta-feira, o McDonald's –cujos empregados protestam contra os baixos salários há algum tempo– anunciou que aumentará o salário aos trabalhadores. A medida não representa muito em si mesma: o novo salário mínimo é apenas um dólar a mais do que o salário mínimo nacional e, além disso, o aumento afeta apenas os restaurantes que são propriedade direta do McDonald’s, não os muitos estabelecimentos cujos proprietários são franqueados. Mas, ao menos, é possível que esta última declaração, como aquela feita pelo Walmart em fevereiro ao anunciar um aumento de salários muito maior, seja o prenúncio de uma mudança importante nas relações trabalhistas norte-americanas.
Talvez não seja tão difícil subir o salário dos trabalhadores dos EUA, afinal.
Certamente a maioria das pessoas estaria de acordo que o estancamento dos salários e, em termos mais gerais, a redução do número de postos de trabalho capazes de manter a classe média são dois grandes problemas para os Estados Unidos. Mas a atitude geral frente à diminuição do emprego de qualidade é fatalista. Não é uma questão de oferta e demanda? Não é verdade que a concorrência mundial e a tecnologia que economiza mão de obra impossibilitaram que se paguem salários dignos aos empregados, a menos que estes tenham muita formação?
Por estranho que possa parecer, entretanto, quanto mais conhecemos a economia do trabalho, menos inclinados nos sentimos a compartilhar esse fatalismo. Para começar, a influência da concorrência mundial no mercado de trabalho é supervalorizada; sim, a manufatura enfrenta uma concorrência muito maior do que antes, mas a grande maioria dos empregados norte-americanos trabalha no setor de serviços e não é afetada pelo comércio internacional. E a prova de que a tecnologia está reduzindo os salários é muito menos clara do que se poderia deduzir de todos esses comentários sobre a “defasagem formativa”.
E ainda mais importante é o fato de que o mercado de trabalho não é como o mercado da soja ou o da panceta. Os trabalhadores são pessoas: as relações entre os empresários e seus empregados são mais complexas do que uma simples relação entre oferta e demanda. E essa complexidade faz com que exista muito mais margem para fixar os salários do que geralmente se acredita. De fato, podemos subir os salários consideravelmente se quisermos.
Como sabemos que o mercado de trabalho é diferente? Comecemos pelas consequências do salário mínimo. Há muitas provas a respeito dos efeitos que ele tem: cada vez que um estado sobe o salário mínimo, mas os estados vizinhos não o fazem, está, de fato, levando a cabo um experimento controlado. E na imensa maioria das vezes a conclusão que se extrai dessas provas é que o efeito que se poderia esperar –que o aumento do salário mínimo destrua empregos– é débil ou inexistente. Subir o salário mínimo melhora a qualidade do emprego; não parece que o torne mais escasso.
Como isso é possível? Ao menos uma parte da resposta está no fato de que os trabalhadores não são, de fato, matérias-primas. Um hectare de soja não se importa quanto paguemos por ela; mas empregados com um salário digno tendem a trabalhar melhor –para não dizer que é menos provável que peçam demissão e tenham de ser substituídos– do que trabalhadores que recebam a quantidade mínima que um empresário possa pagar impunemente. Em consequência, o aumento do salário mínimo, embora encareça a mão de obra, tem vantagens que tendem a reduzir os custos, o que compensa o possível efeito negativo sobre o emprego.
Há fatores similares que explicam outro dos enigmas do mercado de trabalho: o fato de que distintas empresas que aparentemente se dedicam ao mesmo ramo, possam pagar salários muito diferentes. Costuma-se comparar o Walmart (com seus salários baixos, escasso entusiasmo de seus trabalhadores e elevada rotatividade de pessoal) com o Costco (que oferece salários mais altos e melhores prestações, compensando a diferença com mais produtividade e uma maior lealdade dos trabalhadores). É verdade que ambos varejistas atuam em mercados diferentes; os produtos do Costco são superiores e seus clientes têm mais dinheiro. Mas, não obstante, a comparação indica que pagar salários mais altos custa muito menos ao empresário do que se poderia pensar.
E isto, por sua vez, indica que não deveria ser tão difícil subir os salários de forma generalizada. Imagine que déssemos aos trabalhadores certa capacidade de negociação aumentando o salário mínimo, fazendo com que fosse mais fácil a eles se organizarem, o que é fundamental, aspirando o pleno emprego, em vez de procurar razões para estrangular a recuperação apesar da baixa taxa de inflação. Tendo em conta o que agora sabemos sobre o mercado de trabalho, os resultados poderiam ser surpreendentemente notáveis; porque talvez um pequeno empurrão seja tudo o que muitas empresas norte-americanas necessitem para se afastar dessa estratégia de salários baixos que se impôs em nossa sociedade há muitos anos.
Há precedentes históricos desse tipo de aumento salarial. A sociedade de classe média que agora vemos se reduzir e se perder na distância não surgiu de maneira espontânea; nasceu em grande medida graças à “grande compressão” salarial que se produziu durante a Segunda Guerra Mundial e cujos efeitos se prolongaram durante mais de uma geração.
Poderíamos repetir esse êxito? Os aumentos de salários do Walmart e do McDonald’s –que se materializou graças a um mercado de trabalho mais tenso e à pressão dos ativistas– nos dão uma pequena ideia do que poderia ocorrer numa escala imensamente maior. Não há desculpas para o fatalismo salarial. Se quisermos, podemos subir o salário dos trabalhadores norte-americanos.
Paul Krugman é professor de Economia da Universidade de Princeton e prêmio Nobel de Economia de 2008.
© The New York Times Company, 2015.
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