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Do concreto ao confete: São Paulo toma posse do Carnaval

Movimento inédito leva milhares às ruas. Dessa vez, manifesto é pelo direito à festa

Marina Rossi
Foliões em bloco de São Paulo.
Foliões em bloco de São Paulo. Fernanda Carvalho (Fotos Públicas)

“Motorista, evite as vias da Vila Madalena entre os dias 23.01 e 17.02”. O aviso, estampado em uma faixa da Companhia de Engenharia e Tráfego de São Paulo (CET) em um dos bairros mais boêmios da cidade, anunciava o tamanho da festa.O Carnaval, que no calendário oficial dura quatro dias e meio, em São Paulo ganhou quase um mês nas ruas.

A ‘terra da garoa’ ou ‘ cidade cinza’ e tantos outros clichês negativos – embora nada que se relacione à chuva pode ser chamado de negativo em tempos de crise hídrica – está, há semanas, colorida de confete e serpentina. Andando pelas ruas em um sábado, a uma semana do carnaval, era possível encontrar até três blocos desfilando ao mesmo tempo em um percurso de menos de um quilômetro entre a Vila Madalena e Pinheiros. Segundo a Prefeitura, 300.000 pessoas correram atrás do trio elétrico ou carros de som mais modestos no pré-carnaval que contou com mais de 100 blocos. E a festa nem havia começado oficialmente. É a primeira vez que a cidade leva tanta gente às ruas para festejar.

Para Candinho Neto, carnavalesco, jornalista e presidente da Banda do Candinho e da Associação das Bandas Carnavalescas de São Paulo (ABASP), esse movimento inédito na cidade é fruto de uma construção de longo prazo. “Na década de 70, as bandas começaram a surgir e a pressionar a ABASP pela realização do carnaval de rua”, diz. “Quando houve apoio [do poder público], aí os portos se abriram para a navegação”, explica, usando uma metáfora para o abre alas dos blocos.

Neste ano, 300 blocos se inscreveram na Prefeitura para receber apoio – de infraestrutura, como banheiros químicos, e organizacional, como agentes de trânsito, brigada de incêndio e a Polícia Militar.  O número é cinco vezes maior do que há dois anos. “Carnaval era só no sambódromo e só em dia de Carnaval”. Novos tempos. Ainda bem.

O Carnaval de São Paulo atrai, há anos, turistas e foliões para o Sambódromo. Ali, 14 escolas desfilam no chamado Grupo Especial, entre o sábado e o domingo de carnaval, numa festa que se profissionaliza a cada dia, para ficar à altura do Rio de Janeiro. No ano passado, 120.000 pessoas assistiram aos desfiles, sendo que 15.000 eram turistas, vindos das mais diversas cidades. Os desfiles costumam virar a noite, terminando apenas no início da manhã.

Uma pesquisa da empresa Viajenet identificou que São Paulo era o segundo destino mais procurado pelos seus clientes durante o carnaval, depois do Rio de Janeiro. Se antes a atração eram a avenida, agora os blocos de rua animam ainda mais os dias de folia. “Eu nunca tinha visto nada assim”, diz Frederico Mazzucchelli, economista e um dos músicos que compõem a Banda Glória, que, neste ano, fará ao todo seis shows ao longo do carnaval, todos gratuitos, no Largo da Batata. A praça, em Pinheiros, é um dos símbolos da apropriação paulistana do espaço público. “Esse movimento está nessa onda do [aumento] dos blocos. É um renascimento do carnaval espontâneo na cidade”, diz.

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A efervescência, claro, tem seu preço. É quase impossível que tanta gente nos blocos não deixe também as ruas de ressaca no dia seguinte. O cheiro de urina –em uma festa como essa, a quantidade de cerveja vendida deveria ser diretamente proporcional à quantidade de banheiros químicos disponíveis – e o lixo deixado para trás devem receber uma atenção especial. Segundo a Prefeitura, os blocos que têm patrocínio privado devem se responsabilizar por sua própria estrutura, como banheiros químicos, segurança e limpeza. Ainda assim, três dos blocos que mais bombaram nesse pré-carnaval não cumpriram o acordo. A Prefeitura diz que os cariocas Bangalafumenga e Sargento Pimenta, que se apresentaram no sábado 7, deixaram de recolher 64 toneladas de lixo. Já o Acadêmicos do Baixo Augusta – que, segundo os organizadores, atraiu 100.000 foliões – não disponibilizou banheiros químicos ao longo do trajeto e também não recolheu seu lixo.

Procurados, o Balgalagumenga esclareceu que contratou um serviço de limpeza, espalhou placas orientando os locais de lixeira e colocou banheiros químicos em seu trajeto e que não foram notificados pela Prefeitura. O Sargento Pimenta informou que foram contratados por uma produtora que, esta sim, seria a responsável pela infraestrutura do bloco. Os Acadêmicos do Baixo Augusta afirmaram que colocaram 20 banheiros na concentração do bloco e que havia mais 120 cabines na Praça Roosevelt, onde o bloco terminou, e que também contrataram equipes de limpeza. Com o tempo, espera-se, a cidade aprende a reparar as arestas. Ainda é só o começo. “É difícil chegar à perfeição”, diz Candinho. “Mas a iniciativa já é louvável”.

Folia geral

Era de se esperar que os blocos que tomassem as ruas preferissem os bairros que concentram o maior número de bares e baladas da cidade e que, em sua maioria, ficam na zona oeste, como Pinheiros e Vila Madalena. De fato, tudo dentro do previsto.

Mas a festa também está crescendo na periferia. Neste ano, a zona leste receberá ao menos 45 blocos. A zona norte terá 35 blocos e o extremo sul, oito. Pela primeira vez, Cidade Tiradentes, na zona leste, terá banheiros químicos e a mesma infraestrutura da Vila Madalena. O bloco Nega Zilda, por exemplo, que homenageia uma antiga moradora do bairro e desfila há sete anos, espera atrair ao menos 500 foliões pelas vias do bairro.

No total, pela cidade toda, a Prefeitura estima que dois milhões de pessoas desfilem pelos blocos antes e durante o carnaval.

A política também chega à avenida

Muitos blocos se inspiraram na política para ir às ruas com humor. O Bloco Soviético é um deles: os foliões desfilam de vermelho, com bandeiras com o símbolo do comunismo e ‘fantasias’ de estereótipos barbudos. Marchinhas com o tema da crise hídrica e a Internacional Comunista tocam ao som de samba.

A festa pode ir para a esquerda ou para a direita. Em contrapartida aos vermelhos, saiu pela primeira vez na cidade o bloco Azul é a Cor Mais Quente. O cordão foi organizado pela Onda Azul, um movimento de tucanos e simpatizantes do PSDB.

Também no pré-carnaval aconteceu o desfile do bloco Tucanistão, que saiu no Largo do Arouche e distribuiu coxinhas – uma piada feita com a direita, comparada ao quitute – distribuiu caixas de som feitas de galões de água vazios e contou com um desfile das ‘musas da seca’ – o que dispensa explicações. O bloco Pequeno Burguês, que saiu na rua Voluntários da Pátria, tocou o ‘samba do volume morto’. Se cachaça fosse água...

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