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Crise ucraniana se soma aos desacordos entre Alemanha e EUA

Merkel se reúne hoje com Obama na Casa Blanca para aparar arestas

Luis Doncel
Merkel e Obama na cúpula do G20 de 2011.
Merkel e Obama na cúpula do G20 de 2011.Dylan Martinez (reuters)

Barack Obama e Angela Merkel se reúnem nesta segunda-feira na Casa Branca para falar sobre a guerra contra o jihadismo, a situação econômica europeia e o G7 de junho. Mas, acima de tudo, destaca-se a mais recente tentativa de pacificar a Ucrânia que culminará na quarta-feira em Minsk com um encontro entre quatro partes. Em Washington, os líderes de EUA e Alemanha terão a oportunidade de discutir suas diferenças, não só em relação à guerra não declarada na Ucrânia, mas em questões tão diversas quanto uma fórmula para tirar a Grécia da crise ou a política de proteção de dados.

Faz tempo que as relações entre a superpotência mundial e a primeira economia europeia não são boas, mas a Conferência de Segurança que ocorreu em Munique neste fim de semana serviu como termômetro do momento. E a temperatura está muito alta. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, tentou reduzi-la neste domingo, depois de uma intervenção mais acalorada do vice-presidente Joe Biden e das discussões exaltadas conduzidas a portas fechadas sobre a conveniência de armar ou não Kiev.

As frases de Múnich

Estas são três das frases de mais destaque entre as ouvidas dos oradores que participaram da Conferência Anual de Segurança de Munique, realizada neste fim de semana:

A chanceler alemã, Angela Merkel: "Não consigo imaginar uma situação na qual um equipamento melhor do Exército ucraniano impressionasse tanto o presidente [russo Vladimir] Putin a ponto de fazê-lo pensar que está perdendo militarmente essa batalha".

O vice-presidente dos EUA, Joe Biden: "Devido à história recente da Europa, temos de julgar Moscou por seus feitos, não por suas palavras. Não nos digam o que pensam em fazer, mostrem-nos!".

O presidente da Ucrânia, Petró Poroshenko (esgrimindo vários passaportes russos recolhidos na região em que ocorre o conflito): "De quantas provas o mundo ainda precisa para reconhecer que há tanques e soldados russos?".

A insistência de Biden no direito dos ucranianos de se defenderem contrastava com o rechaço categórico expressado antes por Merkel e sua ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, de enviar mais armas à região. O discurso do vice-presidente não deixou um gosto bom na boca dos políticos alemães consultados. Fontes parlamentares consideram “vergonhosas” algumas de suas passagens —como por exemplo criticar a corrupção na Rússia, mas não fazê-lo em relação à Ucrânia— que forneceriam argumentos fáceis para a propaganda do Kremlin. A mesma fonte admite que as relações entre os dois países atravessa uma fase difícil, na qual a desconfiança mútua não para de crescer.

Depois das palavras de Biden e, sobretudo, dos falcões republicanos John McCain e Lindsey Graham, que criticaram Merkel por dar as costas ao povo ucraniano, por não ter “a menor ideia”, por agir como os aliados diante de Hitler nos anos trinta e outros comentários semelhantes, Kerry relaxou o ambiente. “Estamos unidos. Tivemos discussões, mas de natureza tática, não estratégica. Todos estamos de acordo quanto ao objetivo final”, disse em Munique, sentado ao lado de seus colegas alemão e francês, Frank-Walter Steinmeier e Laurent Fabius, respectivamente.

“Rejeitamos o estilo testosterona de Putin; por isso não queremos enviar armas. Temos enormes diferenças com os EUA em assuntos muito diversos, mas isso não nos faz esquecer a estreita cooperação que nos une a eles”, explica Omid Nouripour, porta-voz das Relações Exteriores dos Verdes.

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Essas outras divergências às quais Nouripour se refere voltaram a ficar evidentes há apenas uma semana. Em uma entrevista à CNN, Obama se mostrou compreensivo com a tese do novo Governo grego e aproveitou, além disso, a ocasião para lançar um golpe pouco dissimulado a Merkel e suas políticas de austeridade. “Não se pode continuar pressionando um país que se afunda na depressão. A população grega está sofrendo muito”, disse o presidente dos Estados Unidos.

“O eixo franco-alemão está passando por momentos ruins, mas vai se recuperar, porque é fundamental para ambos. Fico mais surpreso com a deterioração das relações entre Berlim e Washington”, destacavam fontes diplomáticas há alguns dias. A situação atual é explicada por uma mistura de desinteresse americano e desconfiança alemã: faz tempo que os EUA prefere olhar para o Pacífico do que para a velha Europa; e em Berlim ainda pesa o escândalo revelado pelo ex-espião Edward Snowden, o que faz com que a promotoria alemã continue investigando as escutas ao celular de Merkel. No fundo, também influi a relação um tanto bipolar que os alemães têm com o amigo americano, que passa por fases de amor —primeira eleição de Obama— intercaladas por outras de ódio —guerra do Iraque. Esse vínculo visceral também está presente no apaixonado debate que o país vive sobre o acordo comercial entre Europa e UE, que divide em dois, entre outros partidos, os sociais-democratas.

Talvez a chave para explicar a perspectiva diferente com a qual são vistos os problemas com o Krêmlin a partir de Washington e de Berlim tenha sido dada ontem pelo ministro Steinmeier. “Me perguntam se Putin será nosso amigo, parceiro, rival ou inimigo”, afirmou o político social-democrata. Sua resposta é que, aconteça o que acontecer, só se pode garantir uma coisa: que continuará sendo seu vizinho.

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