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Perícia inicial aponta suicídio do promotor Nisman

O primeiro relatório forense revela que não houve "intervenção de terceiros" na morte

Francisco Peregil
O promotor argentino Alberto Nisman.
O promotor argentino Alberto Nisman.Natacha Pisarenko (ap)

Depois da morte do promotor Alberto Nisman, que acusou na quarta-feira a presidenta argentina de acobertar terroristas fugitivos residentes no Irã, Cristina Kirchner deu uma guinada de transparência na política de seu Governo e autorizou a abertura do segredo que pesa sobre a identidade dos quatro espiões que aparecem nas escutas de Nisman contra ela. Também deu autorização para que seja divulgado “todo material, arquivo e informação de inteligência” vinculado à investigação do atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA).

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Enquanto isso, os primeiros resultados conhecidos da autópsia realizada em Alberto Nisman, que investigava o atentado ocorrido em 1994 contra a sede portenha da AMIA na qual morreram 85 pessoas, e que apareceu morto neste domingo em sua residência, revelam que Nisman faleceu devido a um tiro na têmpora. Foi o que confirmou Viviana Fein, a promotora encarregada da investigação. Fein emitiu um comunicado no qual afirma que os primeiros relatórios forenses recebidos indicam que “na morte de Nisman não houve intervenção de terceiros”. Mesmo assim, a promotora espera a chegada de outras provas destinadas a descartar qualquer outra hipótese.

“Será investigado se houve algum tipo de indução ou instigação ao suicídio através de ameaças, seja através de telefonemas ou mensagens de texto. Foi apreendido muitíssimo material”, acrescentou Fein em declarações a um programa de rádio. “Poderíamos falar em suicídio, o corpo não foi agredido nem submetido a maus tratos, não descarto uma incitação. Não dizemos que o caso está resolvido", afirmou Fein, que esclareceu que ainda falta o exame toxicológico do corpo. “O caso está qualificado como morte duvidosa”, encerrou.

O promotor compareceria na segunda-feira à Comissão de Legislação Penal na Câmara dos Deputados, a pedido de vários grupos de oposição, para expor os termos de sua denúncia contra a presidenta da Argentina e outros colaboradores.

“Entre hoje e amanhã chegarão os resultados do estudo microscópico de varredura eletrônica feito com amostras coletadas das mãos do promotor Nisman. Com este resultado, será determinada a existência ou não de restos residuais de pólvora”, informou Fein antes no comunicado divulgado na página da Promotoria argentina.

A bala entrou pelo osso parietal direito de Nisman, dois centímetros acima da orelha, e não chegou a sair da cabeça. “O projétil extraído pelos médicos legistas da cabeça de Nisman durante a autópsia corresponde em 99% à arma encontrada na cena”, afirmou uma fonte ligada ao judiciário à agência Télam.

Em paralelo, o juiz argentino Ariel Lijo determinou medidas urgentes para preservar as provas reunidas pelo promotor contra a presidenta Cristina Kirchner, a quem o funcionário acusou de “fabricar a inocência” dos terroristas responsáveis pelo ataque.

Arma

A promotora Fein tenta agora determinar a propriedade do revólver. Segundo o Registro Nacional de Armas (Renar), Nisman tinha duas armas em seu nome, mas não se sabe se a encontrada junto ao cadáver é uma delas. A imprensa argentina informa que Nisman tinha pedido a um amigo que deixasse com ele esse revólver por questões de segurança. Fein chamou essa testemunha para depor e seu relato deveria ser ouvido ainda na segunda-feira.

A Polícia Federal analisa também o telefone celular do promotor falecido para saber quais foram suas últimas ligações antes de morrer.

O corpo de Nisman foi encontrado no banheiro de sua casa em Buenos Aires. A porta da casa estava fechada a chave por dentro e os jornais de domingo não tinham sido recolhidos. A presença de Nisman, de 51 anos, era esperada nesta segunda-feira na Comissão de Legislação Penal na Câmara dos Deputados, a pedido de vários opositores, para expor os termos de sua denúncia contra a presidenta da Argentina e outros colaboradores. O promotor tinha acusado Cristina Kirchner na última quarta-feira de “decidir, negociar e organizar a impunidade dos fugitivos iranianos na causa da AMIA”, a investigação judicial sobre o atentado.

Histórico

Alberto Nisman, divorciado e com duas filhas, foi designado pelo presidente Néstor Kirchner (2003-2007) para investigar com exclusividade o atentado contra a AMIA. Era o promotor especial do caso e essa era sua única função desde 2004. Gozava de excelentes relações com o Governo, até que Cristina Kirchner assinou em janeiro de 2013 um acordo com o Irã para esclarecer o atentado de 1994. O acordo foi gestado sem o conhecimento de Nisman, que sempre manifestou sua oposição desde que o documento se tornou público.

Nisman baseou sua denúncia contra Kirchner, sobretudo, em escutas telefônicas. Dispunha de um relatório de 300 páginas que não tinha sido divulgado porque incluía nomes dos serviços de inteligência que deviam ser mantidos em sigilo. No entanto, no resumo de sua denúncia, acusava a presidenta de criar uma trama diplomática paralela para negociar com o Irã a impunidade em troca de petróleo. Em 5 de outubro de 2006 Nisman acusou formalmente o Irã de ser o autor intelectual do atentado e o grupo Hezbollah de executá-lo. Solicitou uma ordem de prisão contra cinco iranianos e um libanês. A suposta negociação entre Kirchner e o Irã se concretizou, segundo Nisman, no início do acordo assinado entre Irã e Argentina em janeiro de 2013 e ainda não foi ratificado por Teerã.

Exatamente para proteger essas provas, o juiz federal argentino Ariel Lijo determinou medidas urgentes na segunda-feira. Lijo, que interrompeu suas férias para assumir o caso, enviou uma equipe à sede da promotoria encarregada do atentado à AMIA para “confiscar e guardar todos os CDs nos quais estão gravadas as intervenções telefônicas e toda a documentação detalhada na denúncia”, informou o Centro de Informação Judicial (CIJ) em sua página na Internet. Lijo, o mesmo juiz que dirige a investigação sobre o vice-presidente, Amado Boudou, por um caso de corrupção, será quem determinará no futuro se Nisman dispunha de provas suficientes para interrogar Cristina Kirchner, como o promotor solicitou.

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