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Protestos contra canal em Manágua causam pelo menos 50 feridos

Camponeses afetados pelo projeto bloquearam as principais vias de acesso à capital da Nicarágua

Carlos S. Maldonado
Protestos em Manágua contra o canal interoceânico.
Protestos em Manágua contra o canal interoceânico.REUTERS

Em plena véspera de Natal, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, condenou duramente os protestos que centenas de camponeses realizaram em regiões do interior do país contra o início das obras de construção do Canal Interoceânico, projetado pela empresa chinesa HKND. Organizações de direitos humanos e camponeses disseram por telefone que há pelo menos 50 feridos.

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As manifestações ocorreram nas comunidades de El Tule, na província de San Juan, no sul do país, e Tola, na província de Rivas, na região costeira do Pacífico da Nicarágua. Ambas as regiões seriam afetadas pela rota do Canal. Na província de Nueva Guinea, os camponeses decidiram suspender a manifestação para evitar mais violência no que foi batizado de “Natal negro”.

“Fizemos uma manifestação pacífica, para evitar o derramamento de sangue. Estávamos na rua para que nos escutassem. Os [agentes] antimotim chegaram às cinco da manhã (hora local) e dispararam contra nós. Havia 1.500 pessoas. Chegaram agressivos, bateram em nós, dispararam balas de borracha e lançaram bombas de gás lacrimogênio”, disse na quarta-feira por telefone Yader Francisco Sequeira, de 24 anos, e morador de El Tule, no Rio San Juan, onde sua família é proprietária de um sítio que será afetado pela rota do Canal.

Vilma Núñez, presidenta do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (CENIDH), disse que, segundo fontes das regiões dos protestos e defensores de direitos humanos, foram registrados pelo menos 50 feridos, sendo que muitos deles foram levados a hospitais para serem atendidos com urgência. Núñez disse que em Rivas três pessoas foram detidas, incluindo o líder do protesto, Octavio Ortega. Essas pessoas, segundo a ativista, teriam sido levadas às células de apoio jurídico, em Manágua, conhecidas popularmente como “El Chipote” e infelizmente famosas por denúncias de tortura. Núñez informou que o CENIDH entrou com pedido de habeas corpus para libertar os detidos, “mas não acredito que tenha algum efeito, porque já sabemos que a justiça deste país obedece às ordens de Ortega”, disse.

“Houve dois focos de repressão. As pessoas estavam exercendo seu direito de protesto pacífico. É uma atitude covarde de Daniel Ortega, que demonstra o medo das pessoas que protestam. Este é o presente de Natal prometido”, disse Núñez, em referência ao discurso oficial no fim de novembro, quando prometeu que o Canal Interoceânico seria um “presente de Natal” para a Nicarágua. “Ortega é rejeitado por seu povo e está nas mãos dos chineses”, acrescentou a ativista. “Isso é uma violação dos direitos humanos imperdoável, que o qualifica como um ditador. Faço um chamado para que acabe com a repressão”, pediu.

A reação do governo diante do protesto de camponeses, nunca visto antes, acontece dias depois de o presidente Ortega e o empresário chinês Wang Jing, que venceu a concessão, terem inaugurado as obras para o início da construção do Canal Interoceânico, um megaprojeto avaliado em 50 bilhões de dólares (cerca de 138 bilhões de reais) e que terá extensão de 278 quilômetros, atravessando o país do Pacífico ao Caribe, com largura entre 230 e 520 metros e profundidade de 30 metros. “Vocês são bem-vindos à Nicarágua”, disse Ortega ao empresário chinês. “Os chineses que vieram para este país estão aqui para construir um país mais brilhante”, respondeu Wang.

Os protestos dos camponeses acontecem devido ao temor de milhares de nicaraguenses de perderem suas terras. Organizações de meio ambiente e de direitos humanos calculam que cerca de 20.000 pessoas seriam afetadas pelo Canal. O Governo anunciou na segunda-feira que o processo de expropriação começará no primeiro trimestre de 2015, e embora Wang tenha dito que pagará um “preço justo” pela terra, até agora não foi apresentada nem a lista dos que sofrerão expropriações nem o plano de fundos para a indenização.

Sequeira, o camponês de El Tule, disse que os produtores dessa região decidiram manter os protestos apesar da repressão. “Temos uma posição firme e forte: queremos que a Lei do Canal, com a qual venderam nossa pátria, seja revogada. Protestamos de forma pacífica, mas não nos manifestamos apenas por nossas terras, mas também pela soberania do país, porque não queremos uma invasão chinesa, não queremos ser escravos dos chineses”, afirmou. “Este é um Natal negro. Daniel Ortega já presenteou o país”, acrescentou.

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