_
_
_
_

Uma novela contra o califado

'Estado Mítico', uma série da televisão iraquiana, ridiculariza os abusos do Estado Islâmico

Ángeles Espinosa

Ocorre-lhe alguma razão pela qual um pepino não deva ser mostrado ao lado de um tomate na televisão? Para o roteirista de Daulat al Jurafe (Estado Mítico), sim. Em árabe, pepino é masculino e tomate, feminino; então ele usa isso para criticar a implacável segregação de sexos imposta pelo grupo Estado Islâmico (EI) nas regiões do Iraque e da Síria que controla.

É difícil imaginar o humor quando se fala dessa tropa de islamitas radicais que cortam cabeças, anulam as mulheres e proíbem qualquer passatempo que afaste das preces. Entretanto, Thaer al Hasnawi os transformou em matéria-prima de gozações em Estado Mítico, uma série da televisão estatal iraquiana que ridiculariza as pretensões dos iluminados e os abusos que cometem contra quem vive sob suas rédeas.

Mais informações
Al Bagdadi, o vingador de Bin Laden
Obama substituirá seu secretário de Defesa para fazer frente ao EI
Um dinar de ouro para o califado
Alemanha discute como evitar o aumento da violência extremista

“Fazer os telespectadores rirem do EI ajuda a superar o medo”, declarou Al Hasnawi em uma entrevista à NBC. Para o roteirista, seu trabalho equivale a combater os jihadistas no campo de batalha.

Ao longo de 30 capítulos, para os quais teve um orçamento de 600.000 euros (cerca de 1,877 milhão de reais), a sátira consegue transformar em personagens cômicos certas figuras que na realidade causam pavor. Em consonância com o anacronismo das normas que impõe na vida real, a paródia de Abu Bakr al-Bagdadi, o autoproclamado califa do EI, proíbe o gelo ou o uso da navalha para fazer a barba porque tais modernidades não existiam nos tempos da Maomé. Com seu turbante preto e sua barba de um punho de comprimento, ele engana bem.

No botequim que constitui o centro de todas as histórias, os clientes são uma cópia dos protótipos habituais: o barbeiro, o empregado da loja ao lado… Também há um doutor em teologia que os clientes consultam diante do desvario dos preceitos proclamados pelo alter ego de al-Bagdadi e seus asseclas. A trama é simplória, quase ingênua. Seja qual for a atrocidade inventada pelos malvados, o senso comum do iraquiano médio lhes dá o contraponto com gestos de astúcia ou generosidade, conforme o caso.

No capítulo intitulado Deslocar os cristãos, al-Bagdadi se reúne com seus homens e ordena que expulsem os cristãos. Vários deles percorrem o bairro procurando as casas destes e as marcam com a letra nun,o “n” do alfabeto árabe, que é a inicial de nasrani, que significa “cristãos”. Assustada, uma cristã bate à porta de um vizinho muçulmano em busca de ajuda. Este lhe oferece ocupar a casa de seu filho que está no exterior e manda sua filha para limpá-la.

Embora no Iraque não faltem histórias heroicas, quando o EI avançou sobre Mossul e o resto da província de Nínive no último verão, a realidade foi bem mais cruel. Muitos que conseguiram fugir contaram histórias de denúncias e delações. Alguns denunciaram os vizinhos cristãos, yazidis, xiitas ou curdos por vingança, outros para protegerem a si mesmos e suas famílias, mas também pelo simples fato de que não compartilhavam suas crenças.

“A série tenta rebater com o humor a propaganda do EI, que usa as redes sociais para atemorizar as pessoas; é uma arma frente aos extremistas”, interpreta um professor universitário iraquiano que assistiu a alguns episódios. Não está claro que a série tenha chegado a esse ponto, mas conseguiu arrancar sonoras gargalhadas de seus numerosos seguidores. Embora já tenha ido ao ar o último capítulo (no qual al-Bagdadi é capturado), a novela continua viva na Web, onde o número de visitas segue aumentando.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_