_
_
_
_
_

“Estamos fartos, dizemos já basta”

Milhares de mexicanos cobram do Governo fim da violência depois da tragédia de Iguala

Jan Martínez Ahrens
Milhares de pessoas marcham pelas ruas do Distrito Federal.
Milhares de pessoas marcham pelas ruas do Distrito Federal.SAÚL RUIZ

Já era noite no Zócalo quando um imenso clamor percorreu a mais histórica praça mexicana. Sob o enfurecido grito de “vivos os levaram, vivos os queremos!”, dezenas de milhares de pessoas uniram suas vozes e também sua dor pela tragédia dos 43 estudantes de magistério de Iguala. O pedido de um retorno no qual quase ninguém mais acredita, com sua mistura de absurdo e esperança, mostrou em toda a sua crueldade o profundo mal-estar que embarga o país e que derivou na maior onda de protestos dos últimos anos. Um sentimento de insatisfação e cansaço com a violência que vem crescendo desde a noite de 26 de setembro, quando os alunos de magistério desapareceram no interior do Estado de Guerrero, e que na quinta-feira – coincidindo com o aniversário da Revolução Mexicana – atingiu seu ápice no coração da Cidade do México.

A classe média veio, e isso é novo. É ela que pode gerar uma mudança, organizar sua indignação. Víctor, 32 anos

Convocados pelos alunos da UNAM (Universidade Nacional Autônoma), a maior da América Latina e alma histórica da agitação na capital, a multidão paralisou durante horas o centro da megalópole. A espinha dorsal do protesto, ao contrário do esperado, não estava formada por pais e colegas dos normalistas, e sim por uma multidão variada e transversal de cidadãos movidos pela indignação. Divididos em três colunas, saíram no meio da tarde de três pontos cardeais da cidade: a Praça das Três Culturas, em Tlatelolco; o monumento conhecido como Anjo da Independência; e o Monumento à Revolução. Em seu avanço, foram somando milhares de seguidores. A diversidade era enorme. Diferentemente de manifestações anteriores, esta não só atraiu muito mais gente como também ampliou o leque social. Famílias, idosos, hipsters, intelectuais e profissionais, entre outros, se somaram aos estudantes e ativistas que até recentemente compunham o núcleo duro do protesto.

“A classe média veio, e isso é novo. É ela que pode gerar uma mudança, organizar sua indignação”, refletia Víctor, um editor de 32 anos. Envolta numa bandeira mexicana para se proteger da garoa, Karen, de 25 anos, estudante de Psicologia, compartilhava esse pensamento. “Estamos cansados de muitas coisas e dizemos basta. Esta concentração é um impulso para a luta pela mudança.”

– E acha mesmo que os normalistas continuam vivos?

–Estão mortos, sabemos disso, mas, quando dizemos que os queremos vivos, o que pedimos é que não haja mais desaparecidos.

A esperança de uma regeneração pairava no ar. Muitos dos que foram à passeata faziam isso pela primeira vez. Durante semanas, vinham acumulando indignação e queriam descarregá-la pacificamente. “Olha, os esforços da sociedade civil sempre se diluíram, desta vez eu gostaria de acreditar que o Governo, vendo isto, vai reagir, se não tudo vai piorar”, comentou o músico Diego de 38 anos.

Mais informações
Esposa do presidente do México venderá luxuosa e polêmica casa
Matança de Iguala agrava a crise da esquerda mexicana
“Nossos filhos estão vivos até que se prove o contrário”
Legistas confirmam que restos em Cerro Viejo não são dos 43 jovens

A passeata terminou no Zócalo. Lá, sobre um palanque, parentes e colegas dos normalistas da Escola da Ayotzinapa inflamaram a multidão. Seu discurso, cheio de raiva, negava-se aceitar a morte dos desaparecidos. Repetidamente, eles exigiam, entre os aplausos da multidão, que o Governo os encontrassem. “Não estamos cansados, estamos fartos”, gritava um pai perante as dezenas de milhares de pessoas concentradas na praça. A multidão respondia contando até 43. A contagem, quase um cântico, dava um número à dor. Muitos dos presentes tinham a sensação de estar vivendo uma jornada histórica.

Por volta das 20h (16h em Brasília), já noite fechada, a manifestação começou a se diluir. Durante toda a passeata, as forças de segurança haviam se mantido a uma distância prudente, sem intervir, cientes de que qualquer fagulha poderia desencadear uma explosão.

O maior temor das autoridades estava na possibilidade de um ataque ao Palácio Nacional, cujas paredes dão para o Zócalo. A queima de uma porta do edifício há duas semanas, num ato cometido por radicais, dava sustentação a esse temor. O próprio presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, lançou na terça-feira uma dura advertência contra o uso da violência e os ataques a espaços públicos: “Sob o amparo da consternação social por fatos de dor e horror [...], observamos movimentos de violência que parecem responder a um interesse geral de causar desestabilização, desordem social e, sobretudo, de atentar contra o projeto de nação que temos impulsionado”.

Finda a manifestação, um grupo descontrolado acendeu fogueiras em frente ao Palácio Nacional. O fogo causou alarme entre os policiais, e centenas de agentes isolaram a área. Dezenas de encapuzados tentaram se aproximar do Palácio e entraram em confronto com os agentes. A resistência durou horas. Enquanto milhares de pessoas retornavam tranquilamente para as suas casas, com a sensação de terem vivido um dia a ser lembrado, às suas costas policiais e radicais mediam forças. A violência não estava debelada.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_