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Hollande pede uma reunião da eurozona contra a ortodoxia de Merkel

O presidente francês negocia as alianças com os líderes socialdemocratas da União Europeia

Carlos Yárnoz
Hollande espera o rei de Bahrein, ontem no Eliseu.
Hollande espera o rei de Bahrein, ontem no Eliseu.Christophe Ena (AP)

O presidente François Hollande e o novo Governo francês colocaram entre suas prioridades uma ofensiva para que Berlim e a Comissão Europeia relaxem sua pressão para que a França e outros países do sul da UE disponham de maior margem para colocar em ordem suas desajustadas contas públicas. Também exigem um plano de estímulos de centenas de bilhões para reativar a estancada economia europeia e ações do Banco Central Europeu (BCE) para reduzir a fortaleza do euro e afastar o perigo da deflação. Hollande propôs uma reunião extraordinária da zona do euro para tratar destes objetivos.

Hollande anunciou ontem na conferência anual de embaixadores da França que neste mesmo sábado pedirá esta reunião diante do Conselho Europeu convocado em Bruxelas para tentar superar "o estancamento prolongado" que a Europa sofre. Horas antes da reunião de Bruxelas, Hollande receberá no mesmo dia em Paris os líderes socialdemocratas da UE em busca de aliados para sua proposta. Argumenta que a Europa, a única região do mundo desenvolvido que não cresce, sofre "circunstâncias excepcionais" que obrigam a fazer compatíveis a disciplina orçamentária com o crescimento. Aproveitando a ocasião, o chefe do Estado francês busca apoios para a repartição de postos na Comissão Europeia. Propôs Pierre Moscovici para um posto econômico de peso, mas despertou receios em Paris porque o ex-ministro da Economia – de 2012 a março de 2014 – não foi capaz de acomodar o déficit nas regras europeias.

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Em 21 de junho, antes da reunião europeia em 26 e 27 deste mês, Hollande se reuniu na capital francesa com outros oito dirigentes socialdemocratas. Nessa ocasião, compactuaram seu apoio ao conservador luxemburguês Jean-Claude Juncker como presidente da Comissão Europeia em troca de duas condições: a flexibilidade no cumprimento do Pacto de Estabilidade – que exige rebaixar o déficit para 3% – e o investimento comunitário de 300 bilhões de euros (887 bilhões de reais) para reanimar a economia. Hollande acredita que agora será necessário mais dinheiro.

O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, anunciou uma série de visitas às capitais europeias com os mesmos objetivos. Será iniciada no mês que vem em Berlim, onde prevê conversar com a chanceler, Angela Merkel. Paris não busca um enfrentamento com Berlim, mas um acordo. "A Europa precisa mais do que nunca de um entendimento forte e duradouro entre a França e a Alemanha", disse Valls. O primeiro-ministro assume que a França deve reduzir seu déficit (4,3% em 2013), mas a um ritmo adequado às atuais circunstâncias.

Em 2013, Bruxelas já deu para a França dois anos a mais de margem para rebaixar o déficit ao limite de 3%, uma prorrogação já precedida de outra concedida entre 2012 e 2013. A França previa rebaixá-lo para 3,8% este ano, para chegar em 3% em 20'5. O ministro das Finanças, Michel Sapin, reconhece que será praticamente impossível cumprir tais objetivos. Vários especialistas concordam que Paris dificilmente acabará 2014 abaixo dos 4,3%. O esperado crescimento de 1% para este ano ficará na metade, enquanto o desemprego (que ronda os 11%) e a dívida (96%) continuarão em alta.

Hollande argumenta que a Europa deve compatibilizar a disciplina orçamentária e o crescimento

O ambicioso plano de reformas lançado na França, que prevê cortes de 50 bilhões de euros (147 bilhões de reais) entre 2014 e 2017, tem entre seus objetivos essa redução do déficit, mas Paris tem pressa em conseguir a flexibilidade de Bruxelas e Berlim. No final de setembro, Valls apresentará as linhas gerais dos orçamentos para 2015, que abarcarão importantes medidas destes cortes. Também anunciou que submeterá seu novo Governo a um voto de confiança na Assembleia Nacional.

Em ambos os casos, Hollande e Valls enfrentam a contestação interna do governante Partido Socialista Francês. Meia centena de deputados rebeldes (o PS conta com 290 assentos) se opõem às reformas e ameaçam não apoiá-las. A fratura cresceu após a expulsão do Governo de Arnaud Montebourg, o ex-ministro da Economia próximo dos rebeldes e inimigo mortal do rigor. E disparou com a nomeação de seu substituto, Emmanuel Macron, inspirador das reformas, um passo calculado de "provocação" pela ala esquerda do PSF. Os ânimos se encresparam ainda mais depois da revista Le Point divulgar uma entrevista com Macron feita antes de sua nomeação na qual abre a possibilidade de pôr fim à legislação sobre a limitação do tempo de trabalho para 35 horas semanais, em vigor há uma década mas que já não é cumprida em milhares de empresas por acordos entre patronato e sindicatos. O Governo declarou imediatamente que não prevê mudar a lei.

Macron, partidário de reequilibrar o quanto antes as contas públicas e com grande experiência nas negociações com a UE, é agora, entretanto, uma peça chave para conseguir os objetivos de Hollande e Valls em Bruxelas.

No campo oposto aos críticos, 200 deputados socialistas divulgaram um artigo conjunto no Le Monde no qual fazem um chamado à responsabilidade dos parlamentares rebeldes para respaldar Hollande, Valls e as reformas "pelo interesse geral da esquerda e do país". O primeiro-ministro assegurou na terça-feira diante de centenas de empresário: "Não tenho dúvidas sobre o apoio majoritário parlamentar que terão os textos orçamentários".

O deputado socialista Christophe Caresche, coautor de um comunicado sobre a vigilância de Bruxelas a França apresentado na Assembleia em junho, sustenta em conversa com este jornal que as duras reformas previstas "terão uma rápida tradução" nos orçamentos para 2015 "que contribuirão para tranquilizar a Comissão".

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