Os palestinos aproveitam a trégua parcial de Israel para avaliar os danos
A ONU calcula que um de cada quatro habitantes de Gaza deixou sua casa As duas partes aceitam um novo cessar-fogo de 72 horas para a terça-feira
A trégua unilateral israelense de sete horas e a retirada dos tanques das ruas de Kuza'a, uma pequena cidade no sudeste da Faixa de Gaza, permitiu na segunda-feira que Tahrir Qudeh inspecionasse sua casa pela primeira vez em duas semanas. Em seu dormitório encontrou um pesado projétil de artilharia que havia entrado pelo teto e continua sem explodir sobre o chão de tijolos. Junto às portas de seu quarto, no segundo andar, se amontoam cápsulas de armas automáticas. Os israelenses que entraram em sua casa “destruíram tudo”, lamenta Qudeh. Abriram as gavetas, esvaziaram a geladeira e se colocaram em posição de combate. Do terraço dá para ver o minarete da mesquita da cidade quase recortada por dois projéteis. Um morador que pediu para não ser identificado assegurou que “foram disparos de despedida”. Alguns de Kuza'a tem medo de se identificar, caso os israelenses “se vinguem da próxima vez que invadirem”.
O Egito pediu na noite de segunda-feira que os dois lados aceitem um cessar-fogo de 72 horas a partir das 8 da manhã da terça (2 horas da manhã em Brasília), para negociar uma solução duradoura para a crise da Faixa. Israel e a delegação palestina aceitaram a proposta, informa Ricard González. O último cessar fogo, anunciado pelo secretário de Estado dos EUA, John Kerry, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, na última quinta-feira de madrugada fracassou 90 minutos depois do início.
A família de Tahrir Qudeh decidiu na segunda-feira que voltaria ao refúgio da ONU onde estão vivendo desde pouco depois do início da invasão terrestre contra o Hamas em Gaza, 17 de julho último. A princípio não acreditaram que Israel fosse entrar tanto com seus tanques, até que “o primeiro projétil impactou contra a fachada”, lembra Tahrir. Eles se refugiaram em um dos quartos interiores do andar e viveram durante quatro dias “entre explosões, ruído de tanques e combates”. Viram uma possibilidade de fuga pela “janela da cozinha”, que dá para um beco traseiro. Na rua principal são bem visíveis os destroços pelos trilhos dos tanques que, segundo lembra Qudeh, “permaneciam ali” para dominar um cruzamento. Dez membros de sua família desceram mais de dez metros com uma corda. Seu pai, sexagenário, acabou se ferindo, mas todos partiram andando até o refúgio da ONU em Khan Yunis.
Ali ainda se amontoam mais de 2.700 pessoas em um colégio de ensino médio. Rawad Nayar, um deficiente físico de 34 anos, estava sentado ao meio-dia em seu colchonete sob o pórtico anexo ao pátio. Contava que ali dormiam “entre dez e vinte pessoas” a cada noite, porque as classes estão lotadas. Ele está nesse lugar “já faz 20 dias”. Quando começava a descrever as dificuldades da vida diária, um grupo de desabrigados se amontoou para contar seus casos. “Não há leite”, explicava a jovem mãe Islam Nayar que, com 19 anos, já tem dois filhos. “As crianças estão todas doentes”.
No último domingo, a ONU anunciou que o número de desabrigados tinha “aumentado em 10.000 pessoas” em apenas um dia. Nos 90 refúgios habilitados em suas escolas já se amontoam 270.000 moradores que fugiam das bombas ou ficaram sem casas. Uma média de 3.000 por refúgio, que estão preparados para albergar somente 500. A situação humanitária nelas é, segundo a ONU, “extrema”.
As bombas israelenses mataram refugiados em três destas escolas, uma em Rafah no sul e duas em Beit Hanoun e Jabaliya, no norte. Nestas duas últimas impactaram diversos projéteis de artilharia, uma arma imprecisa e muito perigosa para os civis em áreas densamente povoadas. O Exército alegou que havia recebido “fogo inimigo” das “imediações” dos colégios. Não deu maiores detalhes. No total, mais de 35 pessoas morreram nestes dois bombardeios. Os civis de Gaza, cercada por terra, mar e ar, não têm nenhum lugar seguro contra as bombas.
No total, a ONU calcula que o número de deslocados já ronda o meio milhão de pessoas. Ao redor de 25% da população de Gaza encontra-se, desta forma, sem casa. A maioria vem das zonas devastadas pela invasão israelense nos limites norte, leste e sul da Faixa. “Não temos futuro”, dizia Islam Nayar no refúgio de Khan Yunis, “nos deixaram sem nada”.
No curto prazo também há incerteza. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, rechaça negociar com o grupo islâmico Hamas (considerado terrorista pelo EUA e pela UE), que controla a Faixa desde 2007. Na segunda-feira ele anunciou que “a campanha continua” apesar de que o Exercito já está próximo de cumprir seu objetivo militar de destruir os túneis que os milicianos palestinos usam para atacar os israelenses e se proteger de sua abrumadora superioridade militar. No lado palestino já morreram 1.830 pessoas, mais de 75% das quais eram civis. Desde que começou sua ofensiva, em 8 de julho, Israel sofreu 64 baixas militares e três civis, estas últimas pelo lançamento de projéteis da Faixa. Segundo o Exército israelense, na segunda-feira foram disparados 49 e 12% foi interceptado. Durante a ofensiva já se somam 3.243.
Por outro lado, as autoridades detiveram um soldado que reconheceu ter roubado dinheiro em uma casa de Gaza durante a ofensiva, segundo o jornal Haaretz.
Representantes do Hamas e outros grupos palestinos se reuniram na segunda-feira no Cairo com os mediadores internacionais para negociar um cessar-fogo. Israel não enviou uma delegação própria. Os palestinos exigem que os vizinhos Israel e Egito aliviem o bloqueio exercido contra Gaza. Israel coloca como condição “o desarme” do Hamas e a liquidação de seus túneis.
A cúpula do Hamas
Khaled Meshal. O líder do braço político do Hamas vive em Doha (Qatar), onde deu entrevistas a vários meios internacionais nas últimas semanas. “Para um cessar-fogo exigimos o levantamento do bloqueio, é a exigência do povo de Gaza”, declarou à BBC.
Ismail Haniya. O ex-primeiro-ministro está escondido como o resto dos líderes do grupo da Faixa desde o início da ofensiva. Dirigiu-se aos seus partidários em um vídeo desde o início dos ataques, um dos quais destruiu sua casa, vazia.
Mohamed Deif. O comandante das Brigadas de Izz ad-Din al-Qassam, o braço armado do Hamas, difundiu uma mensagem de voz há poucos dias para apresentar um vídeo de um ataque através de um túnel a uma torre militar israelense. Sobreviveu, com graves sequelas, a várias tentativas de assassinato de Israel.
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