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O impacto das sanções à Rússia lastrará o crescimento europeu

Os analistas acreditam que as medidas podem reduzir pela metade a elevação do PIB

Vladimir Putin, durante uma recepção no Kremlin.
Vladimir Putin, durante uma recepção no Kremlin.Sasha Mordovets (Getty Images)

As sanções impostas à Rússia pelos Estados Unidos e pela União Europeia funcionam em mão dupla. O impacto das restrições acordadas será transmitido à Europa e às empresas europeias através do comércio, do setor financeiro e energético. Tanto que o crescimento da zona do euro pode se ver reduzido à metade caso os piores augúrios dos analistas se cumpram. Especialistas de diferentes bancos e departamentos de análise — Capital Economics, Bank of America Merrill Lynch, Deutsche Asset & Wealth Management e Nomura — cifram o impacto das sanções sobre a economia europeia entre três e cinco décimos, para este ano e para o próximo, respectivamente.

As últimas previsões de crescimento elaboradas este mês pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), indicam que o aumento do PIB este ano passaria de 1,1% para 0,6%, de acordo com uma avaliação mais pessimista. O crescimento em 2015 cairia de 1,5% para 1%. Fontes oficiais europeias são um pouco mais otimistas e acreditam que, no máximo, as sanções reduzirão três décimos da elevação do PIB em 2014 e quatro em 2015. No primeiro trimestre deste ano, a economia da zona do euro cresceu 0,9% em taxa interanual.

“Em todo caso, os riscos econômicos para a Europa são maiores do que os números podem rigorosamente sugerir. Qualquer escalada na crise da Ucrânia pode ter um impacto desproporcional sobre o sentimento não só dos mercados financeiros, mas também das empresas e dos consumidores”, aponta Julian Jessop, economista-chefe global do Capital Economics em declaração enviada de Londres por e-mail.

As exportações até maio já haviam se reduzido em 16,5%

Parte da correção do crescimento já ocorreu. As empresas estão há meses reduzindo suas operações com a Rússia e isso se traduziu, por exemplo, em uma queda de 16,5% das exportações para o país entre janeiro e maio deste ano. Segundo os cálculos do Nomura, a diminuição do comércio entre a zona do euro e a Rússia na primeira metade do ano já causou uma baixa de um décimo e haverá uma redução de mais dois de agosto até dezembro. Se as tensões afetarem nos próximos meses o abastecimento energético proveniente da Rússia, a perda será maior: cinco décimos. E caso chegue ao ponto “extremo de a Europa e a Rússia romperem relações comerciais e financeiras, a queda subiria para sete décimos”, afirmaram os analistas do Nomura em relatório recente.

Este não é o cenário central cogitado pela maioria dos analistas, mas as companhias europeias já estão adaptando suas estratégias ao novo contexto. O Royal Bank of Scotland anunciou na sexta-feira que iria reduzir suas linhas de crédito para a Rússia, e a BP — que possui 20% da petroleira russa Rosneft, uma das empresas especificamente sancionadas — admitiu que seus resultados serão consideravelmente prejudicados pelas tensões com a Rússia. As ações da Societé General e do Deutsche Bank, duas entidades que mantém negócios substanciais na Rússia, acumulam quedas de 19,5% e 22,4%, respectivamente, desde março, quando houve a invasão da Crimeia.

De fato, o setor financeiro é uma séria fonte de incerteza para a Europa. Segundo as medidas adotadas por Bruxelas, as filiais russas dos bancos da zona euro não podem recorrer ao Banco Central Europeu (BCE) para financiar suas atividades na Rússia. Isso pode acrescentar dificuldades ao austríaco Raiffeisenbank e ao italiano Unicredit. Não obstante, as sanções afetam as operações desenvolvidas na Rússia desde o dia 1 de agosto, o que oferece uma certa margem para a interpretação caso necessário.

Os especialistas não contemplam a ruptura de relações comerciais

Uma das primeiras vozes a advertir sobre o impacto das sanções sobre as empresas europeias foi a do presidente e conselheiro delegado da Siemens, Joe Kaeser. “Se forem aprovadas mais sanções ou se a tensão entre a Rússia e a Ucrânia continuar, haverá consequências para a economia europeia e alemã”, sugeriu durante a apresentação dos resultados trimestrais da empresa que dirige. As companhias alemãs são, precisamente, umas das mais afetadas pelas medidas de Washington e Bruxelas. Um dos maiores fabricantes de roupas e calçados esportivos, a Adidas, apresentou uma queda de 15,4% na bolsa na última quinta-feira após advertir que seus resultados de 2014 estariam abaixo do previsto, entre outros motivos, pela fragilidade do rublo e pelas crescentes dúvidas sobre o consumo na Rússia. Outro “peso pesado” da indústria alemã, a Volkswagen, lamentou esta semana a imposição das medidas. “Não são boas para nenhum negócio, e a indústria automobilística sofrerá com elas”, ressaltou a executiva da empresa na Rússia, Elena Smirnova.

Na França, a petroleira francesa Total, deixou em suspenso a aquisição de mais ações da russa Novatek, da qual já controla 18% do capital. Ainda que a direção da empresa afirme que tomou tal decisão no dia 17 de julho, quando o avião da Malaysia Airlines foi derrubado na Ucrânia com quase 300 passageiros à bordo, seus executivos evitam se referir ao potencial efeito nocivo das sanções sobre a conta de resultados.

A dupla direção das sanções é, na realidade, um fenômeno próprio de economias globalizadas. Mas também ajuda a entender, pelo menos em parte, as resistências e dificuldades dos Governos europeus na hora de impor medidas à Rússia em comparação com os Estados Unidos, que se veem muito menos afetados pelas sanções.

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