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O britânico que escapou do 'Copa'

Whelan, cérebro da rede de revenda de ingressos na Copa, compromete a FIFA

Whelan, ao detido na Operação Jules Rimet.
Whelan, ao detido na Operação Jules Rimet.R. F. (EFE)

Na biografia conhecida de Ray Whelan (Reino Unido, 1950), destacam-se dois dados: o primeiro é que foi agente de sir Bobby Charlton; o segundo, que na semana passada, nos dias cruciais da Copa, fugiu por uma porta de serviço do hotel mais caro do Rio de Janeiro, quando a polícia estava prestes a prendê-lo (pela segunda vez) como suspeito de dirigir uma rede de revenda ilegal de ingressos vinculada à FIFA. A operação policial, batizada de Jules Rimet, foi iniciada há três meses, sem que a própria FIFA fosse informada. A polícia tinha gravado com autorização judicial 50.000 conversas telefônicas, nas quais estavam envolvidos alguns dos sócios mais diretos da entidade. As conexões apontavam para figuras relevantes da organização. Porta-vozes da FIFA negavam qualquer implicação e asseguravam colaborar com a polícia, mas alguns balbuceios nos briefings matinais denotavam um crescente nervosismo. “Falem de futebol, falem de futebol”, dizia Blatter aos jornalistas quando saía do luxuoso hotel Copacabana Palace, em frente a uma das praias mais famosas do mundo, o mesmo de onde Whelan escapou quando a situação parecia a ponto de explodir.

Cerca de 100 horas depois, já terminada a Copa, o fugitivo se entregou à Justiça. Proclamou-se inocente e disse querer “exercer sua defesa”. Desde então, detido na penitenciária de Gericinó, na zona oeste do Rio, luta contra a acusação de ter dirigido uma rede de 30 pessoas que a cada Copa nos últimos 16 anos podia obter lucros ilegais equivalentes a 120 milhões de reais. Ou seja, mais de 450 milhões de reais em quatro Copas; centenas de milhares de ingressos desviados do sistema oficial e furtadas dos torcedores. Ray Whelan é diretor-executivo da Match Hospitality, a empresa à qual a FIFA concedeu os direitos exclusivos de pacotes de luxo (450.000 ingressos e serviços VIP) para a Copa: um negócio de centenas de milhões de dólares. A Match Hospitality, por sua vez, é filial da Match, companhia que tem direitos exclusivos para a venda de todos os ingressos da Copa (três milhões, 64 partidas por torneio) desde 1998. Um dos acionistas da Match Hospitality é Philippe Blatter, sobrinho do presidente da FIFA.

A trama pode ter gerado lucros ilegais de 450 milhões de reais em quatro Copas

Dos 50.000 grampos telefônicos, 900 correspondem a conversas e mensagens entre Whelan e o empresário argelino Lamine Fofana, detido alguns dias antes de Whelan e considerado o número dois da rede. Em um ou mais desses diálogos, fica comprovada a revenda de ingressos por dezenas de milhares de reais e a promessa de uma recompensa financeira. “Eu pago o sujeito da FIFA”, diz Fofana em uma delas. A Match alega que não falavam de ingressos, e sim de serviços VIP. Também insiste na inocência de Whelan. Mas Fabio Barucke, delegado-chefe da 18ª Delegacia de Polícia do Rio, afirma o contrário. Ele solicitou inclusive a ajuda do jornalista britânico Andrew Jennings, autor do livro Jogo Sujo: O Mundo Secreto da FIFA, segundo quem “Whelan sabe absolutamente tudo sobre o esquema de corrupção da FIFA”. A polícia até o momento prendeu 12 pessoas.

Os investigadores acusam Whelan de ser um dos principais fornecedores dos ingressos que eram posteriormente revendidos a preços muito superiores ao oficial. Fofana era o responsável por fazer as entradas chegarem a cambistas que negociavam com compradores individuais e agências de turismo. “Tinham montado um mercado paralelo de entradas”, afirma Barucke. No dia anterior à final, um ingresso nas ruas do Rio custava entre 20.000 e 30.000 reais. Na internet, os pacotes VIP custavam o dobro. Se for confirmado o papel central de Whelan e se ele decidir contar o que sabe, as consequências para a FIFA podem ser decisivas, no momento de pior reputação da entidade, com Blatter recebendo vaias nos estádios e com importantes patrocinadores exigindo transparência diante das fundadas suspeitas de corrupção na forçada entrega da Copa de 2022 ao Qatar.

O caso salpica um sobrinho de Joseph Blatter, e a polícia brasileira deteve 12 pessoas até agora

As ramificações do caso envolvem integralmente a FIFA. Whelan foi um dos consultores contratados pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para colaborar na preparação da Copa de 2014, quando a entidade responsável pelo futebol brasileiro ainda era dirigida por Ricardo Teixeira, hoje radicado em Miami e culpado pela FIFA de ter recebido subornos milionários junto com seu ex-sogro João Havelange, ex-presidente da FIFA. Este, por sua vez, introduziu no negócio os irmãos mexicanos Jaime e Enrique Byrom, em 1986. Os Byrom são os proprietários da Match e, além disso, cunhados de Ray Whelan. Controlam com exclusividade a venda de ingressos para o torneio desde 1998. Fazem parte do círculo mais íntimo de colaboradores de Philip Blatter. A FIFA se gaba de uma colaboração de 30 anos com uma empresa “leal e respeitável”. Mas a polícia suspeita que eles dividiam lotes grandes de ingressos entre seus aliados e seus clientes, em um mercado ilícito que é ameaçado agora, ao ser revelado pela primeira vez.

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