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A Argentina tenta pagar sua dívida, mas a Justiça dos EUA congela as verbas

O Governo de Cristina Kirchner libera parte do pagamento do débito renegociado com fundos abutres, mas a sentença prevê congelar os recursos. O Brasil apoia a demanda argentina

Alejandro Rebossio
O ministro de Economia da Argentina, Axel Kicillof, na reunião do G77.
O ministro de Economia da Argentina, Axel Kicillof, na reunião do G77.LUCAS JACKSON (REUTERS)

O conflito em torno da dívida argentina fica cada vez mais tenso. O país sul-americano está agora à beira de ter ativos embargados pelos chamados fundos abutres e por outros credores que rejeitaram as trocas de bônus de 2005 e 2010. O ministro argentino da Economia, Axel Kicillof, anunciou nesta quinta-feira que seu país enviará 539 milhões de dólares (1,2 bilhão de reais) ao Bank of New York para cumprir o pagamento de dívida renegociada naqueles anos, cujo vencimento ocorrerá na próxima segunda-feira. E fará isso sabendo que vigora a sentença do juiz Thomas Griesa, de Nova York, segundo a qual a Argentina precisa antes pagar os 1,33 bilhões de dólares pleiteados pelos fundos abutres e por outros 13 credores da dívida que deixou de ser paga em 2001. Só depois disso Buenos Aires poderia continuar honrando seus compromissos com outros investidores – a maioria que aceitou trocar 93% desse passivo por outros títulos, com um desconto substancial. O que não está claro é se o juiz usará a totalidade desse dinheiro para ressarcir os litigantes, ou se o distribuirá de forma igualitária entre os credores da dívida velha e da nova.

A Argentina ainda não cairá na suspensão de pagamentos (default). A dívida reestruturada depois da moratória de 2001 estipula um mês de carência. Assim, só em 30 de julho Buenos Aires entraria em situação de suspensão de pagamentos. Até lá, há tempo para evitar isso, embora seja difícil. É provável que as agências de risco de crédito rebaixem a nota da dívida reestruturada da Argentina já na próxima segunda-feira, com base no atraso tolerado no pagamento.

O Governo de Cristina Fernández de Kirchner havia pedido nesta segunda-feira ao juiz que suspendesse a execução da sentença para abrir espaço para uma negociação. O país sul-americano já esgotou todas as instâncias judiciais para evitar que os abutres cobrem 100% do valor pleiteado, sem o desconto imposto aos credores que aceitaram as trocas. Mesmo assim, o Governo argentino continua buscando uma via para se esquivar do pagamento à vista determinado pelo juiz. A opção era que quitasse a dívida com títulos públicos com vencimento nos próximos anos. Mas Griesa rejeitou nesta quinta-feira um pedido nesse sentido do Governo de Cristina Kirchner.

O juiz nomeou na segunda-feira um mediador para definir entre as partes o modo de execução da sentença. O mediador disse na quarta-feira que ainda não havia obtido um acordo, mas que a negociação continuava. Nesse mesmo dia, o ministro Kicillof viajou de urgência a Nova York. O funcionário negou que tenha se reunido com os sócios dos fundos abutres ou com o mediador, mas deu a entender que conversou com os advogados norte-americanos que representam a Argentina.

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Kicillof disse que foi aos EUA durante algumas horas a convite do G77 + China, um grupo de 134 países em vias de desenvolvimento, para falar na ONU sobre o julgamento da dívida argentina e as consequências mundiais sistêmicas da sentença contrária a Buenos Aires. O G77 + China e a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês) respaldaram a posição da Argentina, pediram uma negociação ao juiz Griesa e advertiram que a sentença a favor dos fundos abutres pode prejudicar futuras reestruturações de dívida de outros países, ao desestimular a aprovação das trocas de títulos e incentivar a via judicial. O Fundo Monetário Internacional (FMI) adotou na sexta-feira uma posição similar. No próprio julgamento, França, México e Brasil se apresentaram para respaldar a Argentina.

Mas os apoios à Argentina não foram suficientes para que Griesa suspendesse a execução da sua sentença. Buenos Aires agora se expõe ao embargo, porque quer mostrar sua vontade de pagar a dívida reestruturada e culpar o juiz por uma eventual suspensão de pagamentos. O ministro Kicillof rechaçou o “eufemismo de moratória técnica”, no qual seu país incorreria a partir de 30 de julho, segundo as agências de risco, porque esse conceito “não considera a vontade do devedor”. “A moratória técnica é uma maneira sofisticada de nos colocar de joelhos”, acrescentou Kicillof. Também advertiu que um embargo do dinheiro enviado para pagar uma dívida emitida não só nos EUA, mas também no Reino Unido e no Japão, seria uma “apropriação indébita de direitos de terceiros”. Os credores litigantes tentaram 900 embargos nos últimos 12 anos, entre eles a ação que resultou no embargo de um navio-escola da Marinha argentina em Gana (em espanhol), durante dois meses, em 2012.

Kicillof, que vinha moderando seu discurso para favorecer uma negociação e evitar a repetição das recriminações contra Griesa, voltou-se contra ele novamente na quinta-feira: “Não cabem dúvidas sobre a parcialidade do juiz a favor dos fundos abutres”. Na próxima segunda-feira, a Argentina também pagará mais de 400 milhões de dólares da dívida reestruturada emitida em seu próprio território, razão pela qual essa parte está a salvo de qualquer embargo.

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