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Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Gaúchos e mineiros

Algumas, dentre inúmeras, expressões comuns a gaúchos e mineiros

Estive recentemente em Bento Gonçalves, na serra gaúcha, região de vinhos e simpatia, onde acontece uma importante feira literária. Lá encontrei Dilan Camargo, poeta, letrista de música, dramaturgo, cronista, conferencista, autor de histórias infantis e juvenis, mas principalmente amigo generoso, que gosta de conversar e compartilhar as pequenas coisas da vida, que realmente são as que importam. Como agora somos parentes (minha namorada, a escritora e artista plástica Helena Terra vem a ser sua prima), Dilan resolveu me presentear com um livro sobre o jeito gaúcho de falar, “Bá, tchê!”, de Luis Augusto Fischer, escritor e ensaísta que admiro. É pra você aprender a nossa língua e depois poder reivindicar a nacionalidade, ele disse, jocosamente. E como tenho me dedicado, de corpo e alma, a me tornar um cidadão do Rio Grande do Sul, mergulhei no instigante dicionário.

Qual não foi minha surpresa ao descobrir, que, sem esforço, talvez domine cerca de quarenta por cento do vocabulário e das expressões gauchescas – sem o sotaque, claro, porque, perdida a dicção mineira, tornei-me um melancólico de fala neutra. E domino, não porque sou alguém com um talento especial para reconhecer e aprender rapidamente as variedades regionais da língua portuguesa-brasileira, mas porque percebi, maravilhado, que muitas palavras e locuções que julgava mineiríssimas, na verdade fazem parte do imaginário comum a gaúchos e mineiros.

O livro de Fischer traz mais de 800 verbetes divididos em oito seções: Alimentação, Formas de cortesia e insulto, Geografia e clima, Tipos humanos, Futebol e esportes, Cultura e costumes, Manhas de linguagem e Modos de corpo e alma. Em cada uma dessas subdivisões, reencontro as vozes do povo da minha Zona da Mata, leste de Minas Gerais, como por exemplo o uso do verbo “beliscar”, com o sentido de comer algo antes da refeição, ou “batida”, com o sentido de vitamina (fruta mais leite passada no liquidificador). Nesse mesmo campo, o da Alimentação, me deparo, entre outras, com “bolinho de chuva”, “boquinha” (comer um pouco de algo), “cupim” (parte da carne bovina conhecida em outros lugares com fraldinha), “janta” (no lugar de jantar), “jiboiar” (descansar, após comer bastante), “maria-mole” (o doce), “mexido” (mistura das sobras do almoço), “trago” (cachaça), etc.

Para não me estender muito, passo a enumerar algumas, dentre inúmeras, expressões comuns a gaúchos e mineiros: acabar com a raça, apertar os ossos, borra-bosta, botar o pau na mesa, botar os cachorros, firme?, fora de sacanagem, chuva de molhar bobo, boa gente, bobo alegre, boca mole, boca grande, manteiga derretida, pau de viratripa, freguês de caderno, banho de gato, dar pra trás, deixar plantado, esperar sentado, ficar mordido, arrastar asa, cobertor de orelha...

Mas o que mais me impressiona são as palavras que significam coisas específicas em Minas Gerais, e que no entorno do estado são designadas por outros termos, e que no Rio Grande do Sul têm a mesma acepção, como, por exemplo, bafo (em relação à temperatura), biboca, caixa-prego, friagem, lagartear, zona (de prostituição), alemoa, barbado, bisca (em relação a pessoas), cria, despachado, esganado, estropiado, estropício, fiapo, invocado, jaburu, saliente, bater figurinha (o jogo), chapéu (lençol, no futebol), coréia (bagunça), esconder (jogo), palitinho (jogo), tostão (contusão muscular), bico (chupeta), chinelo de dedo, mosquear, moquiço, pousar, pular carnaval, baita, de a pé, de em pé, à reviria, abichornado, apurado, arregar, dormir com as galinhas, revertério...

Helena Terra tem uma boa teoria. A tese dela é a de que, como nos séculos XVIII e XIX havia um intenso trânsito de mineiros para o Rio Grande do Sul, por conta do gado trazido para o corte na região de Pelotas ou para exportação para o Uruguai e Argentina, estabeleceu-se também uma mútua influência de vocabulário e expressões entre as duas partes do país, separadas por tão largas distâncias. Eu concordo com ela. Mas acrescento um dado de puro cabotinismo. Há em Farroupilha, cidade da serra gaúcha, próxima a Caxias do Sul e Bento Gonçalves, uma rua chamada Luiz Ruffato. Não é, obviamente uma homenagem a mim, mas uma mera coincidência. Mas, quem sabe, essa deferência já antecipava minha ida definitiva para o Sul...

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