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Os russos tomam o comando em Donetsk

Moscou assume o controle da revolta separatista do leste da Ucrânia por meio de dois homens-chave do Governo local e das forças armadas rebeldes

O russo Alexander Borodai, primeiro-ministro de Donetsk.
O russo Alexander Borodai, primeiro-ministro de Donetsk.VIKTOR DRACHEV (AFP)

Vyacheslav Ponomaryov, o homem de dentes de ouro e boné de beisebol que se autoproclamou prefeito de Slaviansk quando o leste da Ucrânia se rebelou contra Kiev, sumiu de vista na segunda-feira. Ponomaryov governava com mão de ferro, desafiando e fazendo bravatas, sem respeitar nenhuma autoridade. Um silencioso pessimismo acompanhou os rebeldes diante do desaparecimento de um de seus líderes mais carismáticos. Dias antes, Maxim Petruhin foi assassinado em um estacionamento; ele era conselheiro de Denis Pushilin, o efêmero líder de Donetsk, agora relegado à segunda linha. Na quinta-feira confirmou-se o que começava a parecer evidente: o incontrolável Ponomaryov foi destituído e detido pelos novos comandantes da revolução. As mudanças na cúpula rebelde acontecem de forma acelerada.

Nos primeiros dias depois da tomada da sede do Governo regional de Donetsk, dezenas de simpatizantes se exprimiam no plenário. O projeto da República Popular de Donetsk fervilhava. Anticapitalistas, nostálgicos da União Soviética, anarquistas, federalistas, mineiros, espiões de Yanukóvich... Todos pediam a palavra. Todos tinham um programa para a criação de um projeto diferente ao da capital do país, que consideram tomada pela extrema direita e as potências ocidentais. Dois meses depois, o mesmo prédio definha semivazio e cheio de lixo. No plenário, apenas um homem tem a palavra: Alexander Borodai.

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Até o dia 16 de maio, quando o russo Borodai se apresentou como repentino primeiro ministro, a autoproclamada República passou por todos os redemoinhos de um movimento revolucionário: assembleias, um líder saído das manifestações e depois preso (Pavel Gubarev), lutas pelo poder... Borodai chegou assegurando que vinha de exercer na Crimeia o cargo de “consultor especialista em conflitos étnicos”. Agora, os simpatizantes da revolução valorizam a disciplina que ele impôs a um projeto político disperso. “Na primeira manifestação, ele esteve ótimo”, disse uma professora universitária que não quis se identificar. “Nos disse que não conhecia a região, mas que se esforçaria. Que esta era sua missão mais complicada, porque havia muitas divisões. É o homem que Moscou nos enviou para nos organizarmos, e nos o adoramos”.

Tatiana Nagornyak, cientista política local, enumera alguns dos grupos que até há pouco tempo disputavam o poder. “Estão os próximos à Família, os relacionados com o Partido das Regiões de Yanukóvich que buscam se perpetuar no poder; depois temos os próximos à Rússia ou ao projeto separatista, como o Bloco Russo, o Fronteira Leste e o Malo Rossiya. Isso, além dos grupos subsidiados por uma ou outra força influente, que atuam dentro das tendências citadas. E, é claro, Ajmetóv [o oligarca mais rico do país]: que paga e apoia de acordo com o que lhe convém. Agora Borodai fez todas essas correntes adormecerem diante de um comando neutro. E há outro fator no Governo que teve tanto impacto quanto sua chegada ao poder: Igor Strelkov, também russo e comandante com plenos poderes das forças rebeldes. Ele dá as ordens desde Slaviansk, onde dirige a resistência contra o Exército ucraniano, e derrubou o prefeito Ponomaryov.

A primeira operação da dupla foi limpar o prédio da Administração Regional de Donetsk. No fim de maio, os voluntários que a guardavam foram desalojados em uma espetacular operação do Batalhão Vostok e um grupo militarizado de nacionalista pró-Rússia, o Oplot, todos às ordens do recém-iniciado comando de Strelkov. Os milicianos eram acusados de atacar supermercados. Desde então a segurança no quartel profissionalizou-se e as barricadas foram tiradas das ruas. O Vostok é o pilar da defesa de Slaviansk; o Oplot patrulha Donetsk junto à frágil polícia local para frear uma espiral de roubos, brigas e acidentes. Strelkov, inclusive, já condenou soldados à pena de morte por saque. A pax rusa coincidiu com a transformação do conflito em uma negociação diplomática entre Moscou e Kiev. Analistas como Mark Galeotti, da Universidade de Nova York, asseguram em suas publicações que não é coincidência: a Rússia quer demonstrar que tem controle sobre o conflito. Dentro deste movimento se situaria o anúncio de Kiev e dos Estados Unidos de que três tanques T-64 e vários sistemas múltiplos de lançamento de foguetes passaram da Rússia à Ucrânia. Moscou decide quando e como as coisas acontecem.

Até pouco tempo atrás o debate sobre a relação com a Rússia, em Donetsk, não era unilateral. Alguns militares asseguram que não querem ser absorvidos por Moscou , mas que apenas sob o comando russo seria factível um projeto político distinto ao da Ucrânia. Oleg Berezowoy, parlamentar da República, explica em que ponto se encontra esse projeto: “Dizem que há sentimentos diferentes em nosso Parlamento, mas isso não é verdade. A princípio, sim, cada grupo tem um trabalho e um programa: federalismo, independência... Mas agora somos apenas um”.

Berezowoy explica que o Parlamento se formou a partir de 18 organizações sociais, mas que agora estão criando as bases do Estado e propuseram um debate ideológico. “Nossos parlamentares não têm experiência; por isso eles se reúnem em torno de pessoas que os instruem, como eu, que organizo o que poderia considerar-se o primeiro grupo político, explica na recepção do Governo regional, enquanto rebeldes como Kaláshnikov comem sopa a seu lado. “Nosso programa é a soberania dos russos do mundo frente à influência norte americana”, disse. Depois ele especificou que o que está organizando é uma ramificação local de um partido ultranacionalista russo.

Donestk parece girar em torno de Moscou. No entanto, na noite de quinta-feira a cidade inflamou-se depois de uma explosão à frente do Governo regional. Era a van de Pushlin. Um guarda-costas e outro de seus conselheiros morreram. Ele, líder da República até a chegada de Borodai, assegurou que sofreu um ataque político.

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