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Crise na ucrânia

Poroshenko estende a mão ao leste com uma promessa de descentralização

O magnata é empossado como presidente da Ucrânia Garante que nunca abrirá mão da Crimeia, anexada pela Rússia recentemente

Petro Poroshenko durante a cerimônia.Foto: reuters_live | Vídeo: REUTERS-LIVE. AP

Petro Poroshenko, o magnata que venceu as eleições ucranianas de 25 de maio com 54,7% dos votos no primeiro turno, tomou posse como presidente do país neste sábado às 9h da manhã (5h de Brasília). Em seu primeiro discurso como chefe de Estado, pediu aos rebeldes que não reconheçam sua autoridade no leste do país que abandonem a luta e ofereceu um corredor de saída aos combatentes russos envolvidos no conflito. Também manifestou seu compromisso com a União Europeia e, minutos depois do ato, inclusive determinou uma data: um tratado de colaboração antes de 27 de junho.

O ato, realizado no Parlamento de Kiev, contou com a presença de mais de 50 representantes internacionais, como, por exemplo, o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden; o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e o ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius. A Ucrânia está no centro das atenções do cenário internacional desde que, em fevereiro, seu ex-presidente, Victor Yanukovich, fugiu do país sob pressão de manifestantes de Kiev, que começaram os protestos exigindo a assinatura de um acordo de associação com a União Europeia e terminaram exigindo a saída do Governo por suas atitudes autoritárias e pela corrupção dominante. A Rússia, aliada de Yanukovich e em disputa com Kiev desde que anexou a Crimeia, também enviou um representante à cerimônia: o embaixador Mikhail Zurabov, que havia sido afastado do Kremlin depois dos conflitos em fevereiro.

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Poroshenko (quinto presidente na recente história do país) fez um pronunciamento diante dos representantes da Rada (Parlamento) – em sua maioria, deputados que apoiaram Yanukovich. Em seu discurso, prometeu trabalhar para a descentralização do Estado, embora tenha negado a possibilidade de uma federação. Também garantiu a proteção do idioma russo no leste e prometeu combater a corrupção que domina o país. Poroshenko anunciou que sua primeira visita oficial será à bacia de Donbas, centro da rebelião separatista, mas jogou um balde de água fria sobre os partidários do diálogo, declarando que não tem nada o que negociar com os rebeldes.

“Hoje necessitamos de um sócio legítimo para o diálogo”, disse Poroshenko antes de anunciar que, com esse objetivo, planeja convocar eleições municipais nas regiões de Donetsk e Lugansk.

Em relação a outro grande conflito territorial, Poroshenko afirmou que a Crimeia é e continuará sendo da Ucrânia. O presidente também insistiu no “compromisso” com a orientação europeia de seu país. Depois do ato, demorou-se nesta questão afirmando que, antes de 27 de junho, espera assinar o Acordo de Associação com a União Europeia, cujo atraso desencadeou os protestos contra Yanukovich.

“A associação com a UE, uma profunda e ampla zona de livre comércio e um acordo de livre circulação europeia: esse é o mandato que os eleitores me deram”, disse. “Vemos como o primeiro passo para o ingresso de pleno direito da Ucrânia na UE. Ninguém tem direito de vetar a eleição europeia”, comentou, em referencia às veladas ameaças de Vladmir Putin, que voltou a alertar na sexta-feira que, no caso da associação entre a Ucrânia e a UE, Moscou adotará medidas comerciais protecionistas.

Os contatos diplomáticos de Poroshenko esta semana em Varsóvia com Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, e ontem com Vladimir Putin na comemoração do aniversário do Desembarque da Normandia, serviram para que o presidente ucraniano ensaiasse um tom mais conciliador em relação à sua postura frente ao leste. Num primeiro momento, afirmou que dominaria a dissidência por meio de uma operação militar (que Kiev denomina “antiterrorista”) e seus conselheiros afirmaram que planejavam impor a lei marcial nas províncias insubordinadas. No entanto, Poroshenko esta semana fez várias vezes referência à necessidade de se chegar a uma conclusão pacífica. Durante um encontro de 15 minutos com Putin, Poroshenko acertou que um emissário russo viajará neste domingo a Kiev para tratar dos primeiros passos para a solução do conflito.

Fiodor Berezin, um porta-voz da autoproclamada República Popular de Donestk, rejeitou qualquer aproximação com Kiev. “Enquanto haja tropas ucranianas em nosso solo, significa para mim que Poroshenko só quer nossa submissão”, afirmou em entrevista à Reuters.

Enquanto seus líderes trocavam declarações, os conflitos entre o exército de Kiev e os rebeldes continuavam em torno do centro de rebelião de Sloviansk. Os militantes pró-russos também anunciaram que os oito observadores da OSCE, detidos desde maio, estão na localidade de Severodonetsk, a 100 quilômetros ao norte da capital regional, Lugansk.

Os habitantes do leste do país, que protestam pela falta de vontade de negociação exibida até agora exibida pelo Governo Central, esperam uma saída pacífica para o conflito. Os rumores sobre um ataque final das forças de Kiev são constantes, e todos os eventos cotidianos são vistos sob essa ótica. Por exemplo, a decisão da companhia nacional de ferrovias de não vender mais bilhetes para o oeste a partir do dia 15 gerou grande preocupação entre os cidadãos, que o veem como um cerco. A companhia negou a informação e afirma que se trata unicamente de uma decisão técnica.

A crise econômica do país é outro dos grandes desafios da presidência de Poroshenko, um homem de negócios que ficou rico com uma empresa de chocolate. O país leva quase dois anos em recessão. O novo presidente afirmou que Kiev deve assinar em breve um Acordo de Associação com a União Europeia, como primeiro passo para a futura adesão da Ucrânia na UE – um tema muito espinhoso com Moscou, que vê com maus olhos a oposição geoestratégica causada pela chegada da União Europeia a um de seus territórios históricos.

A negociação do fornecimento de gás russo esta semana será um termômetro da disposição do diálogo entre Kiev e Moscou. A empresa russa Gazprom deu até terça-feira para que a Ucrânia coloque em dia sua dívida multimilionária. Kiev, que acaba de ser resgatada de um colapso por um plano de ajuda internacional, exige que os preços do gás baixem para o mesmo nível do que é cobrado para o resto dos países europeus, já que para a Ucrânia são muito superiores desde a queda de Yanukovich.

Poroshenko anunciou que pensa em manter o primeiro-ministro do país, Arseni Yatseniuk, membro do partido de sua grande rival nas eleições presidenciais, a ex-primeira-ministra Yulia Timoshenko.

Desde que Yanukovich abandonou o poder e o país ficou sem um chefe de Estado, a Ucrânia perdeu a Crimeia, integrada à Rússia depois de um referendo considerado ilegal pela comunidade internacional, e se emaranhou num conflito no leste do país com mais de 200 vítimas.

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