As primárias do Uruguai abrem um caminho para a sucessão de Mujica
Tabaré Vázquez é apontado como favorito para as presidenciais de outubro Os candidatos da oposição complicam as opções da esquerda, já que reforçam a questão da insegurança como tema de campanha
Um político experiente e carismático para a esquerdista Frente Ampla (FA) e um candidato jovem e inesperado para o direitista Partido Nacional: as eleições primárias simultâneas dos partidos uruguaios, realizadas no domingo, desenharam o panorama eleitoral para a sucessão do José Mujica em outubro, no qual a insegurança e a educação aparecem como temas dominantes.
Estas primárias, obrigatórias para todos os partidos e inscritas na Constituição, ganharam uma súbita emoção com a vitória de Luis Lacalle Pou, de 40 anos, na disputa interna do Partido Nacional, em um país onde as mudanças sempre são lentas e poucos apostavam em semelhante composição do panorama político a menos de cinco meses das presidenciais.
Como esperado, o oncologista e ex-presidente Tabaré Vázquez, de 74 anos, conquistou a vitória dentro da Frente Ampla com mais de 80% dos votos.
O primeiro a votar no domingo foi o presidente Mujica, que saiu muito cedo de sua chácara em uma estranha comitiva, composta por seu Fusca azul, um carro com escolta e vários veículos da imprensa. Votou em um colégio eleitoral de Montevidéu em um dos dois candidatos da FA, à qual pertence, e na saída declarou aos jornalistas que estava encantado com o processo de sucessão. “Não vejo a hora de tirar os sapatos que me apertam”, disse.
Poucos minutos depois o ex-presidente (2005-2010) Tabaré Vázquez chegou ao clube de futebol El Arbolito, que ele mesmo fundou. Confiando nas pesquisas que o apresentam como favorito para as eleições de outubro, falou como um estadista sobre o bom momento econômico e de “desenvolvimento humano” que atravessa o país. Um discurso que teve de reforçar quando foram divulgados os resultados e a candidatura do Lacalle Pou. Depois de uma campanha interna caracterizada pela falta de programa, Vázquez saudou os militantes com uma lista de dez propostas de governo – na verdade, um resumo dos temas pendentes deixados pela administração de José Mujica. Apostando em sua credibilidade como reformista, ele promete melhoras na educação, modernização das infraestruturas e diminuição da pressão fiscal que sufoca a classe média uruguaia, entre outras coisas.
Sua única rival no partido, a senadora e doutora em Ciências Políticas Constanza Moreira, de 54 anos, conseguiu aglutinar um voto marginal favorável a uma renovação de geração na FA – mas, com 16% dos votos, não chegou nem perto de seu carismático rival (83%), o primeiro presidente de esquerda da história do Uruguai, autor de grandes reformas que mudaram a estrutura do país.
Até o último momento, as pesquisas apontavam um empate técnico entre o favorito na disputa interna do Partido Nacional, Jorge Larrañaga, de 58 anos, e Luis Lacalle Pou. Mas este último, filho do ex-presidente Luis Alberto Lacalle, impôs-se claramente com 53% dos votos, depois de protagonizar uma campanha eficaz, que começou com 15% das intenções de voto e foi crescendo rapidamente. Sua mensagem foi dirigida principalmente aos setores da população sedentos de modernidade e de uma mudança de geração. Seu apelo eleitoral foi grande principalmente em Montevidéu, onde obteve mais de 70% dos votos dos simpatizantes de seu partido.
O grande perdedor do dia foi Jorge Larrañaga, visto como uma má aposta frente a Tabaré Vázquez, que o derrotou em 2004. Larrañaga votou fora de Montevidéu, em Paysandú. Nos últimos anos ele se mostrou como um dirigente moderado, capaz de atrair parte do eleitorado de centro que nas últimas eleições apostou na esquerda. Mas sua proposta não resistiu ao impulso da novidade representada por seu rival.
A candidatura de Lacalle Pou complica a equação da esquerda, já que reforça o problema da insegurança como tema de campanha, algo que não favorece a governante Frente Ampla, que teve uma política errática nesse setor.
Ao contrário de Larrañaga, Lacalle Pou se mostrou favorável a reduzir a idade penal de 18 para 16 anos, proposta que será submetida a referendo simultaneamente com as eleições presidenciais de 26 de outubro.
E Pedro Bordaberry, eleito de maneira contundente no domingo como candidato do Partido Colorado (direita), principal defensor da redução da idade penal, completa um quadro que poderia levar o debate eleitoral para o lado que menos convém à esquerda.
Bordaberry, ex-ministro e filho do ditador Juan María Bordaberry, tem o desafio de traduzir em votos o êxito de seu discurso político, que pôs na agenda o tema da luta contra a delinquência. O Partido Colorado, que dominou durante décadas a política uruguaia, só obteve magros 12% nas últimas eleições presidenciais, algo que agora espera reverter.
Será uma campanha difícil, com muitas incógnitas por causa da dificuldade que demonstraram os institutos de pesquisa para captar as intenções de voto dos uruguaios. Mas por enquanto, agora que terminaram as primárias, os uruguaios podem esquecer a política e dedicar-se à Copa do Mundo de futebol, a paixão nacional. A Corte Eleitoral decidiu adiantar as primárias para que não coincidissem com o torneio. Até julho, “nada importa a não ser o Mundial”, como diz uma publicidade onipresente nas ruas.
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