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Proibido mencionar o ‘maracanaço’

Uma psicóloga estuda a personalidade dos jogadores da seleção brasileira, que vivem a pressão de vingar a derrota sofrida há 64 anos

Treino na Granja Comary nesta quinta-feira.
Treino na Granja Comary nesta quinta-feira.Marcelo Sayão (EFE)

Na Granja Comary, a distante concentração da seleção brasileira de futebol, ocorreram nesta manhã, entre sessões de treino e entrevistas à imprensa, algumas reuniões entre a psicóloga esportiva Regina Brandão e vários jogadores. A missão de Brandão, que já trabalhou com Luiz Felipe Scolari quando ele era o técnico do Brasil que conquistou a Copa de 2002, é elaborar um perfil psicológico confidencial de cada um dos 23 futebolistas e entregá-lo ao corpo técnico, que quer lidar individualmente com a enorme pressão que os jogadores terão de suportar a partir de 12 de junho pelo fato de jogarem o Mundial em casa e ter a oportunidade de “acabar com o maracanaço”, como disse há poucos dias o segundo treinador da seleção, Carlos Alberto Parreira: “É algo que temos cravado na garanta há 64 anos […] Já ganhamos do Uruguai várias vezes, até mesmo em Copas do Mundo, mas temos que acabar com isso”.

‘Felipão’ decidiu que na Granja Comary não se fale do maracanaço para manter alto o moral do grupo e evitar que o velho trauma afete os jogadores que, em sua grande maioria, nunca disputaram uma Copa do Mundo. “Tudo começa na cabeça”, afirmou esta manhã o meio campista Hernanes em resposta a perguntas de um jornalista. “Às vezes não conhecemos a nós mesmos como pensamos, não temos técnicas suficientes para isso... Se as emoções não estão bem, os pés logo não obedecem.”

Um a um, os 23 selecionados terão uma entrevista com Brandão, especialista em estresse esportivo, e preencherão depois um questionário com perguntas bem diversas que vão desde como comemoram um gol até questões sobre a vida familiar. A partir daí, como esclareceu Scolari há alguns dias, “o psicólogo sou eu... Ela me dá uma ideia e aí eu vejo se é preciso agir mais fortemente com determinado jogador. Há alguns que depois do primeiro momento baixam a guarda.”

Os jogadores brasileiros, para o bem ou para o mal, são mais intensos do que os de outros países, e é essencial poder analisar essas emoções”, afirmou no ano passado Brandão em uma conversa com New York Times, e ela explicou a este jornal que agora está proibida de conceder entrevistas por ordem de Scolari. A psicóloga reuniu também como referência dados de jogadores integrantes da seleção de Portugal, outra equipe dirigida por Felipão em suas mais de três décadas de experiência como treinador. Segundo o médico da seleção brasileira, José Luiz Runco, a psicóloga e seus dois assistentes “trabalharão para fazer esquecer 1950. Esta Copa agora não tem nenhuma relação com aquela”. O jogador mais negligente com esses exames psicológicos parece ser precisamente a grande estrela, Neymar, de 22 anos, que segundo numerosas informações costuma repetir que “não são necessários. Não estou louco”.

O fantasma do maracanaço, citado nas últimas semanas por personalidades como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o rei Pelé, continua sendo tema de documentários, propagandas e suplementos especiais de jornais. O jogador mais veterano da seleção, o goleiro Julio César (34 anos), foi perguntado ontem sobre se tem a intenção de fazer alguma homenagem ao seu antecessor Moacir Barbosa, vilão involuntário daquela final de 1950, jamais perdoado pelo povo brasileiro por ter sofrido o segundo gol do Uruguai, e que morreu na miséria e no esquecimento 49 anos depois. “Não há uma entrevista em que não me perguntem isso”, respondeu Julio César. “Criou-se algo muito forte... Nossa posição é ingrata. As pessoas procuram esquecer, nunca falamos sobre uma homenagem, mas se houvesse a oportunidade, não haveria motivo para não fazê-la. Qualquer ser humano pode cometer uma falha.”

Scolari, que há meses evita falar do maracanaço, aludiu em fevereiro àquela derrota, que ele vê de maneira “totalmente fora do comum”. “Até 1950”, disse ele, “o Brasil nunca havia chegado a uma final. Aqueles jogadores de 1950 são os precursores dos cinco títulos posteriores. Foram eles que estabeleceram as bases para nossas vitórias, e agora queremos chegar à final e recordar 1950 no Maracanã”. No entanto, ele deixou claro que prefere que essa palavra não seja mencionada na concentração da sua equipe.

Em termos estritamente futebolísticos, cabe destacar que hoje, no primeiro treino tático, Felipão formou com um 4-3-3 a mesma equipe titular que venceu a Espanha na final da Copa das Confederações, e que já avisou será “90%” a base do time titular na Copa: Julio César, Dani Alves, Thiago Silva, David Luiz e Marcelo; Luiz Gustavo, Paulinho, e Oscar; Hulk, Neymar e Fred.

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