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Sem preservação, patrimônio da humanidade corre riscos

Falta de verba para pagar funcionários coloca em risco sítios com pinturas rupestres, que já recebem poucos turistas

Niéde Guidon, de 81 anos, está sentada em uma sala de sua casa próxima ao Parque Nacional da Serra da Capivara quando um funcionário entra e estende os braços na direção dela com um punhado de folhas organizadas dentro de uma pasta de plástico transparente. Ela agradece, coloca as mãos sob a pasta e diz: “Tudo isso é gente que eu vou demitir”.

Desolada, a pesquisadora que lutou pela criação do parque nacional em 1979 alerta há pelo menos 10 anos que o local está em risco. Mas agora, a situação se tornou crítica.

A Fumdham (Fundação Museu do Homem Americano), organização criada por ela que administra o parque junto ao ICMBio, do Ministério do Meio Ambiente, já não tem mais verba para manter os 270 funcionários que tinha em 2010. Eles eram responsáveis por fazer rondas no parque e evitar invasores, cuidar das guaritas de acesso, manter as estradas dos 129.000 hectares em ordem e retirar fezes de animais que mancham as pedras onde estão as pinturas rupestres. Também ajudam a fazer a manutenção das pedras, para evitar que as placas descolem e as pinturas se percam.

A pasta entregue pelo funcionário à pesquisadora indicava a demissão dos últimos 40 funcionários que restavam. A partir daquele momento, o parque seria cuidado apenas pelos funcionários do ICMBio: 16, que fazem a ronda, segundo o órgão do Governo Federal, que não informou quantos de seus funcionários trabalham no local na limpeza e na conservação do parque.

O órgão afirma que faz um repasse de 129.000 reais ao mês para a manutenção do local. E que haverá um repasse extra de 700.000 neste ano. Mas, segundo os cálculos de Guidon, seriam necessários ao menos 600.000 reais mensais para que a conservação fosse feita de maneira eficiente, diferença que estava sendo coberta por patrocínios, que estão cada vez mais raros. “Sobram 400.000 reais em caixa agora. Não sei o que faremos se não chegar mais dinheiro”, afirma ela.

Se um lugar como esse fosse na França, estaria repleto de turistas. Mas como é aqui, no interior do Piauí, está assim, abandonado

Em uma visita ao parque, são claras as consequências da falta de verba. Em algumas pedras há, muito perto das pinturas rupestres, montes de fezes de mocó, um roedor que lembra um esquilo. Também há casas de vespas sobre alguns desenhos. “Estamos com apenas dois técnicos para realizar esse trabalho de manutenção”, afirma a arqueóloga Tânia Maria de Castro Santana, da equipe de Guidon.

O parque, declarado patrimônio mundial da humanidade pela Unesco, em 1991, também sofre com a falta de turistas, talvez um dos motivos que levam os patrocínios a minguarem. No dia em que a reportagem esteve no local, não encontrou ninguém nos principais sítios arqueológicos. Em 2013, apenas 19.998 pessoas visitaram o local, segundo dados do ICMBio.

Apesar da estrutura impecável, igual a dos sítios arqueológicos mais importantes do exterior, não há incentivo para o turismo na região. Em São Raimundo Nonato, maior cidade do entorno do parque, não há hotéis de alta qualidade, e, para chegar, é necessária uma viagem de cerca de 5 horas por estrada desde Petrolina (Pernambuco), onde fica o aeroporto mais próximo. Um aeroporto que está sendo construído em São Raimundo Nonato há 10 anos prometia melhorar o fluxo de turistas na região, mas ele ainda não foi entregue. Está prometido para esse semestre.

“É o que a professora [Niède Guidon] sempre diz: se um lugar como esse fosse na França, estaria repleto de turistas. Mas como é aqui, no interior do Piauí, está assim, abandonado”, desabafa a pesquisadora Tânia, nascida e criada na Serra da Capivara.

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